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Ego político e Sustentabilidade Social
Ponto de Vista

Ego político e Sustentabilidade Social

Certo dia, um amigo meu que é estrangeiro disse-me que Cabo Verde faz-lhe lembrar o Brasil nos anos sessenta, onde os miúdos jogavam a bola de meia nas ruas de São Paulo. Tentei explicar-lhe que Cabo Verde deu um grande pulo em termos de desenvolvimento social, desde que foi libertado dos colonos em condição inviável. E que com muito trabalho, suor e sacrifício, conseguimos transformá-lo num pais viável. Senti-me ofendido, quando constatei que lhe custava entender o meu orgulho em justificar a viabilidade de Cabo Verde.

Concordo que é preciso acompanhar o ritmo de desenvolvimento na escala global. E é preciso afirmar mais na rampa da competição internacional. Mas para isso é preciso ter cautelas com a pressa, porque ela pode comprometer a sustentabilidade e a continuidade ao longo prazo.

Analisando os recentes avanços em termos de infra-estruturação do pais, fico com percepção de que os nossos governantes estão mais interessados em resolver as necessidades do seu ego pessoal do que o bem comum. Parece-me que eles estão mais motivados em marcar "pontos" para mais tarde se gabarem, e assim garantir mais um mandato político. Só que quando se lida com coisa pública, a meu ver, o interesse deve ser prioritariamente colectivo. Assim como Donald Trump enfatiza: “América First”, nós também devemos defender Cabo Verde em primeiro lugar.

Eu diria que a próxima geração há de nos acusar de ignorantes ou ingénuos. Certamente hão-de rejeitar aquilo com o qual tanto bazofiamos. Bazofiamo-nos com coisas que noutras bandas já estão ultrapassadas há séculos.

Por exemplo, no inicio tínhamos tanta pompa com as estradas asfaltadas. Hoje, percebemos que é de baixa qualidade. Basta ver o estado em que se encontram as estradas nacionais. A energia eléctrica há muito que já sabemos que é inconsistente e ineficaz. No tempo de chuva o país inteiro entra em “pisca-pisca”. Os aeroportos e portos são pequeninos, e equivalem perfeitamente aos das cidadezinhas, e de algumas aldeias remotas da Austrália, da Europa e das Américas.

É preciso equilibrar o ego político de modo a poder ponderar os projectos de investimentos, uma vez que nem tudo que brilha se quer é prata. Muitos projectos que implementamos são impensáveis nos países desenvolvidos. Isto porque pela experiência comprovada, já sabem que não dão resultados positivos. Tomemos como exemplo o impacto negativo que o Casino de David Show poderá ter na vida de famílias cabo-verdianas a curto, médio e longo prazo. Devemos aprender com os erros dos outros e assim avançar em direcção ao futuro de modo sólido e seguro.

Reparem que mais ou menos dez anos após a construção da primeira barragem, estamos agora a começar a falar sobre o (des)assoreamento das mesmas. Só que na altura, era mediático e urgente para fins políticos. Quantas barragens teremos funcionais na próxima geração?  

O programa Casa para Todos provavelmente será um problema social a médio e longo prazo. É basta vermos os sinais que dão hoje. Não existem regras de convivência, não existe comissão de gestão de condomínio. Ninguém é responsável para cuidar das fendas nas paredes e a pintura dos corre mãos das escadas. Começarão a pensar nisso, se calhar quando caírem as escadas, ou quando o fedor da sanita de alguém entrar pela janela do vizinho.

Cabo Verde, um país que não produz nada, sequer para o seu auto sustento, o poder de selecção e rigor nos investimentos devia ser a sua matriz prioritária. É preciso que os políticos resistam à pressão do ego, do imediatismo e do midiatismo. É evidente que soluções imediatas podem parar os sintomas, mas não curam a doença. Lamentavelmente, quando o ciclo político termina, ficamos todos no mesmo lado a conviver e a lamentar as porcarias deixadas para trás.

Perante as incertezas e ameaças em que vivemos, penso que os governantes deviam primeiramente priorizar a industrialização do país em todos os sectores e em grandes quantidades, de modo a diminuir a dependência externa. Imaginem se num cenário de crise mundial, os barcos não  vierem para cá. Frente à crise, o sensato a fazer é recolher-se e proteger-se. Será que a Binter vai ficar no arquipélago?

A viabilidade de Cabo Verde deve ser mantida sempre como norte. É preciso nunca esquecer de onde viemos. Naturalmente, quando se cai do topo, o destino e sempre a base ou algures perto dela.

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Redação