Precisamos de Planos/Programas/Projetos/Plataformas de construção democrática, participativa e coletiva de um modelo de Cidade mais harmoniosa, equilibrada, integradora, ecologicamente sustentável e inteligente com uma visão para o desenvolvimento completo do território.
A Praia, capital Cabo-verdiana, apresenta duas realidades urbanísticas: i) a cidade planeada, resultante dos projetos imobiliários, e ii) a cidade não planeada ou informal produzida à escala dos rendimentos dos seus residentes. Como construir uma cidade harmoniosa, equilibrada socioambiental e ecologicamente sustentável? Como é que fica a questão da gestão do Ordenamento do Território ou a gestão do solo urbano mesmo perante diversas e sofisticadas produções da legislação nesta matéria? Pensando no Direito à Cidade destas pessoas habitantes dos bairros não planeados ou informais, onde há carência de vária ordem, que relação com as políticas públicas, sociais, económicas e culturais que permeiam a relação entre sociedade e o ambiente?
1. A Constituição da República de Cabo Verde (CRCV, 2019) no seu preâmbulo afiança que há uma tenaz esperança de criar nestas ilhas as condições de uma existência digna para todos os seus filhos (...). Porém, volvidos quase 50 anos da proclamação da Independência Nacional, persistem ainda muitos e variados desafios, sobretudo, no que se refere às condições dignas de existência da vida humana, considerada pelo mesmo documento a concepção da dignidade da pessoa humana como valor absoluto e sobrepondo-se ao próprio Estado. Ainda na parte I do mesmo documento CRCV (2019) - princípios fundamentais, artigo 1º, números 1 e seguintes, afirma que o país: i) garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça; ii) reconhece a igualdade de todos os cidadãos perante a lei (...); iii) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária… sabe-se, e, a partir de várias leituras, que a Cidade da Praia nas últimas décadas teve um crescimento populacional e urbano muito acelerado e deste a maioria, é de origem informal ou criação espontânea. Assim, as questões de sistemas e modelos de gestão e de planeamento na Cidade da Praia, Ordenamento do Território, o Direito à Cidade, a própria questão do acesso à terra para a construção de uma habitação condigna que é um direito consagrado na CRCV, artigo 72º, constituem pontos fortes do desenvolvimento do território deixados por resolver ou fora das prioridades.
2. As áreas urbanas – em todo o mundo - têm recebido população oriunda do meio rural, sobretudo nos países em desenvolvimento sendo os fenómenos de marginalidade urbanística o principal componente de crescimento das aglomerações. Atualmente metade da população mundial reside nos centros urbanos. Até 2030, esse número deverá chegar a quase 5 mil milhões e muitos dos novos habitantes urbanos serão pobres (UNFPA, 2007). Até 2030, as cidades do mundo em desenvolvimento responderão por 80% da população urbana (UNFPA, 2007). O futuro dessas pessoas, o destino das cidades nos países em desenvolvimento, o porvir da própria humanidade dependerá das decisões tomadas agora na preparação para esse crescimento populacional, sem esquecer a gestão do solo e do ordenamento do território garantindo a todos o DIREITO À CIDADE - expressa os direitos essenciais das pessoas que vivem nas cidades de terem condições dignas de vida, de executarem plenamente a cidadania e os direitos humanos, de participar na gestão da cidade, e de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável (FERREIRA, Regina, CASTRO, Monteiro, 2011:83). Mas como poderão recriar de forma harmoniosa, equilibrada e democraticamente os bairros informais, por forma a se conseguir um mínimo desejável de acesso aos bens que garanta o cumprimento do direito à cidade em que a concepão da habitação e residência sejam simples espaços de alojamento funcional e habitável?
3. Um olhar atento à Cidade da Praia, constata-se bairros chamados de informais que carecem deste desenvolvimento do território estrutural que ficou como uma dívida dos que andaram na linha da frente da construção desta urbe na persecução do cumprimento do direito à Cidade que se quer inteligente, uma vez que falta quase tudo nesses bairros da periferia da Cidade da Praia, para garantir o acesso a todos aos serviços responsáveis pelo bem-estar das populações. Mas o desafio é avançar na construção de novos projetos de cidade, novos projetos da sociedade. Neste sentido, o direito à cidade deve converter-se não apenas em um programa anticapitalista, mas uma agenda unificadora dos movimentos sociais em torno de uma cidade justa e democrática para todos. A gestão democrática é entendida como a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. A pressão pela habitação e terrenos para construção enquadradas na realidade cultural e económica da população Cabo-verdiana, mais visível na Praia, provocou alterações no que seria o normal processo de produção do espaço urbano pela via da habitação e “institucionalizou” pela via da ilegalidade, um processo de produção que se tem revelado eficaz na solução do problema de alojamento, mas sem contemplar a urbanização das áreas residenciais da capital do país.
4. No entanto, a gestão das cidades exige uma grande participação do Governo Central que constrói as grandes infraestruturas e equipamentos urbanos, como a produção de água dessalinizada, a rede de esgotos, energia e telecomunicações, rede viária, equipamentos hospitalares e educativos (ONU-Habitat-2013). A expansão urbana, o êxodo rural iniciado na década de setenta do século XX e as migrações internas tiveram efeito no crescimento das cidades em Cabo Verde. No entanto, este aumento rápido da população das cidades não foi acompanhado de uma política habitacional completamente eficaz (ONU-Habitat-2013) e nem uma política de gestão do ordenamento do território que permitisse às camadas mais pobres conseguirem um lote urbanizado que favorecesse condições dignas de habitabilidade e usufruir, em igualdade do direito à cidade. É visível e a olhos nus perceber que o crescimento urbano acelerado (Cidade da Praia, p.e.,) não foi acompanhado pela criação de infraestruturas e equipamento básicos, nem pela construção de habitações de qualidade para os moradores mais pobres, o que se traduziu numa grande expansão horizontal da cidade, surgimento de bairros periféricos sem nenhum equipamento urbano e com moradias sem mínimas condições de habitabilidade. Atualmente, a capital apresenta uma grande assimetria entre os bairros, tanto a nível dos rendimentos dos moradores, acesso aos equipamentos e infraestruturas, abastecimento em serviços urbanos.
5. Daí a necessidade de programas para “encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar” a ação dos indivíduos e dos organismos intermediárias neste processo da construção da cidade que deve reduzir desigualdades, combater discriminação, por forma a torná-la capaz de, por si próprio, ser agente responsável do seu bem-estar material, progresso moral e desenvolvimento espiritual. Sendo que o principal objetivo do plano de desenvolvimento é a Educação de Base. A eficácia, os esforços não podem ficar dispersos e isolados, opostos por razões de prestígio ou de poder. Um programa é mais e melhor que um auxílio ocasional, requer estudos aprofundados, fixação de objetivos, determinação de meios, conjugação de esforços num diálogo fecundo e profícuo – fundo comum? Os mais grave aspetos urbanísticos da urbe devem-se a uma ausência de estratégicas no domínio do ordenamento do espaço urbano, de uma verdadeira política de habitação e de solos com vista a satisfazer as necessidades presentes e futuras da população em matéria de lotes e alojamentos.
Ficam estas notas para maiores reflexões, comentários e críticas os experts na matéria e dos que têm o poder de decisão englobando todos os profissionais urbanísticos, paisagísticos, projetistas, arquitetos e engenheiros e as suas ordens todas para que este assunto seja trazido e debatido com cientificidade para a construção de uma Cidade cada vez melhor e que os seus habitantes tenham condições de usufruir sem grandes reservas do direito à cidade.
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