O arquipélago da Madeira fica, em linha recta, a 1.992 kilómetros ou 1.238 milhas de distância de Cabo Verde. Como cabo-verdiano a viver na Madeira há 15 anos, nunca me senti tão afastado da minha terra e não fossem as redes sociais, as novas formas de estar mais perto, mesmo estando longe, quase que seria como há 50 ou 100 anos. Um exagero, é verdade, mas são sentimentos de quem se sente tão perto, mas está tão longe.
Segundo cálculos, um voo normal entre Cabo Verde e a Madeira teria um tempo de viagem de cerca de 2 horas e 29 minutos. Mas para ir do Funchal, capital da Madeira, à cidade da Praia, uma pessoa tem, neste momento, três opções. Ou vai à moda antiga até Lisboa, num voo que dura hora e meia, e dali noutro voo até à capital de Cabo Verde, são mais de 4 horas. As duas outras opções passam por ir até aos Açores e dali à Praia, agora que há uma ligação da transportadora açoriana, aproveitando um voo dos Estados Unidos, ou então ir até Canárias e dali num voo da transportadora canariana, que também já domina os céus de Cabo Verde.
«A Madeira tem muitas mais ligações com Cabo Verde do que a maioria de nós imagina.»
Ora, entre fazer uma viagem de quase seis horas de voo, sem contar os tempos de espera e possíveis atrasos, ou fazer um voo até uma de duas ilhas (São Miguel, nos Açores, ou Gran Canaria), mas tem de pernoitar pelo menos um dia. Na prática, os caboverdianos que estão na Madeira – e já vamos lá quanto à sua realidade e vivência – estão muito perto de casa, mas estão tão longe quanto há 50 anos ou mais, altura em que para se chegar a algum lado nas colónias ultramarinas portuguesas só através dos barcos da marinha mercante do então império lusitano.
É verdade que quem tem meios (dinheiro) vai a qualquer lado e não se queixa, porque pode dar-se ao luxo de gastar e não olhar para trás. Mas para quem não tem muito ou pouco tem, que labuta de ‘sol a sol’ para conseguir ter uma vida digna e quiçá umas poupanças, fica óbvio que a opção de ir a casa de tempos a tempos é incompatível com a sua situação financeira. E aqui incluem-se a maioria dos emigrantes que, como eu, tiveram que construir de raiz a sua nova vida.
A Madeira, território que tem muitas mais ligações com Cabo Verde do que a maioria de nós imagina. No estudo ‘História da emigração caboverdeana: Uma visão cruzada nas composições musicais’, do investigador em Sociologia Aplicada, Júlio Rosanroch, ele refere: “A moderna corrente de migração caboverdeana data dos primeiros anos do século XX (1900). Os registos estatísticos, por anos, segundo os países ou territórios de destino, apontam o estabelecimento de redes migratórias históricas, a partir de 1900, para os Estados Unidos, o Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Chile, Dakar, a Gâmbia, Lisboa, os Açores e a Madeira, a Guiné, Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, entre outros países.”
Aqui fica claro que houve caboverdianos a emigrar para a Madeira há mais de 100 anos. O inverso também já acontecia, tanto é que se encontra nas nossas ilhas muitas semelhanças, não só nos nomes das localidades e sítios, como na disseminação da agricultura.
No estudo ‘AS ILHAS, A CANA DEAÇÚCAR E A HISTÓRIA DO MEIO AMBIENTE’, do historiador ALBERTO VIEIRA, do Centro de Estudos de História do Atlântico, escreve-se: “A cana-de-açúcar poderá ser considerada como a cultura agrícola mais importante da História da Humanidade, pois provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade humana, económica, comercial e ecológica. (…) A Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago foi, assim, o centro de irradiação dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. Daqui resultou para a Madeira o papel fundamental de difusão das culturas existentes na Europa e que tinham valor para assegurar a subsistência ou a exportação. Depois com a revelação de novos espaços do Atlântico e Índico tivemos o retorno de novas culturas e produtos que vieram enriquecer o cardápio europeu. E de novo as ilhas da Madeira e Cabo Verde voltaram a assumir papel disseminador. (…) A cidade do Cabo, pelas ligações às rotas comerciais, foi o centro de divulgação no espaço Atlântico e de forma especial na Madeira. Tenha-se ainda em conta idêntico papel das ilhas de Cabo Verde para as espécies de ambos os lados do Atlântico. Deste modo poderemos afirmar que as ilhas foram jardins e que os jardins continuam a ser o encanto dos que a procuram, sejam turistas ou cientistas. Foi o Oriente que descobriu a doçura [da cana de açúcar], tendo a Papua Nova Guiné como Berço. Os árabes fizeram-no chegar ao ocidente e foram os principais arautos da sua expansão. Genoveses e venezianos encarregaram-se do seu comércio e Europa. Mas é nas ilhas que ela encontrou um dos principais viveiros da sua afirmação e divulgação no Ocidente: Creta e Sicília no Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé no Atlântico Oriental Puerto Rico, Cuba, Jamaica, Demerara (…) nas Antilhas.
Para já, o actual primeiro-ministro de Cabo Verde ainda não veio cá, mas quando lemos uma notícia como esta http://www.expressodasilhas.sapo.cv/legislativas-2016/item/47165-recenseamento-eleitoral-chega-aos-acores, quem vive na Madeira, mesmo que fosse só eu, fica com muitas perguntas por fazer.
Numa entrevista ao Diário de Notícias da Madeira em meados de Setembro de 2015, o anterior primeiro-ministro José Maria Neves, salientava que as “relações económicas com a Madeira são muito importantes”, mas quando questionado sobre esta proximidade geográfica e o facto de não haver muitos caboverdianos nesse arquipélago, a resposta foi elucidativa: “Antigamente terá havido uma presença forte de madeirenses aqui em Cabo Verde, os nomes de vários municípios e várias localidades são iguais. Há empresas portuguesas e portugueses em Cabo Verde, mas não consigo quantificar quantos madeirenses. Na Madeira, a comunidade é muito pequena, residual.”
Ainda mais recentemente, o actual ‘número 2’ do Governo Regional da Madeira esteve em Cabo Verde. Foi em meados de Novembro do ano passado. Sérgio Marques, o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus “completou a visita de Cooperação a Cabo Verde com uma série de reuniões, com destaque para os encontros com o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Presidência do Conselho de Ministros e do Desporto, Fernando Elísio Freire, em representação do Primeiro-Ministro, bem como com o Presidente da Câmara Municipal da Praia, Óscar Santos.”
Resultados práticos, muito provavelmente vão surgir. Para já, o actual primeiro-ministro de Cabo Verde ainda não veio cá, mas quando lemos uma notícia como esta http://www.expressodasilhas.sapo.cv/legislativas-2016/item/47165-recenseamento-eleitoral-chega-aos-acores, quem vive na Madeira, mesmo que fosse só eu, fica com muitas perguntas por fazer.
Mas quando nem se sabe quantos conterrâneos (nascidos ou descendentes) vivem nas duas ilhas do arquipélago da Madeira (inclui a ilha do Porto Santo), como se pode querer fazer mais pelo estreitar das relações noutras frentes? Esta é a pergunta que deixo aos governantes de Cabo Verde. Angola, por exemplo, enviou recentemente representantes do Consulado em Lisboa à Madeira para fazer um levantamento e apoiar no que for preciso, documentação inclusive, os seus conterrâneos. Mas há mais.
Quando será feita essa ‘ponte’ que nos aproxime? Quando deixarão os caboverdianos na Madeira de ser apenas número incógnito? Quando terão direito a tratar dos seus documentos sem ter que ir até Lisboa? Sim, para conseguir recuperar a nacionalidade (com ‘papel passado’) têm de ir à ‘capital do império’? Dizem no site da Embaixada em Lisboa que um dos serviços de apoio consular é o Centro das Comunidades Madeirenses, entidade sediada no Funchal, mas a verdade é que é ‘só de boca’. Para quando uma efectiva solução para os caboverdianos na Madeira poderem readquirir a ligação à sua terra natal?
Francisco José Cardoso
Jornalista
(Em Funchal, Madeira)
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