Cabo Verde é membro da OIT? Aqui trabalha-se 24 horas seguidas
Ponto de Vista

Cabo Verde é membro da OIT? Aqui trabalha-se 24 horas seguidas

Até aos anos 80 do século passado, tinha por mim, que a data do 1º de Maio era uma data religiosa/Católica, dia de São José Operário. E na lhaneza da minha meninência, só era comemorado em Renque Purga, aldeia onde nasci e pela qual tenho «big» estima. Mesmo quando fui-me instalar em Achada Fátima, mais no centro da freguesia de Santiago Maior, aos meus 6 anos de idade, não dispensava a minha presença naquela festa por um único ano sequer.

Nas décadas de 60 e 70, não existia qualquer aparelho de gravação ou de reprodução áudio no interior da ilha de Santiago. À noite, a festa de São José Operário era animada, sobretudo, ao som das «txabétas» orquestradas pelas batucadeiras que armavam o terreiro nas ruas da maioria das casas daquela aldeota. O «badju-gaita» [baile de gaita] era a atração da juventude e até de alguns cotas em qualquer festa. Codé de Dona, o pupilo do Antão Barreto de Achada Ponta, era praticamente o único tocador que todos os anos animava aquela funçanata com «badju-gaita». Com o boom da emigração para Portugal, a partir de 1968, os familiares ficaram a receber encomendas como radiogravador e gira-discos com os quais passaram a animar as festas. E o baile dado com esses aparelhos era denominado «Picapada», e o género da música que tocavam era a morna e a coladeira, sem desmerecer o respeito pelo «badju-gaita» e pelo «batuque».

Mais tarde, em Paris, Carlos Alberto Silva Martins, Katxás di Nhu Lelenxu, incrementou um ritmo «ardigado» e introduziu letras baseadas nas tradições orais crioulas, executando-as a partir das cordas do seu violão. E gravou um LP com músicas «rapikadas», acompanhado pelo conjunto Broda. O ritmo, ou a velocidade com que dançavam essas músicas, equiparava à dança do «badju-gaita». E como não se podiam dizer que as músicas executadas a partir de violas, bateria, tumba, órgão e instrumentos de sopro tinham a ver com «badju-gaita», optaram por chamar-lhe «funaná», por causa do som emitido pela gaita. Pois, quando se abre uma gaita e se fecha sem premir nos botões, ela emite um som «Fuuuuuu»; se a abrirmos com os botões premidos, faz um som «Náaaaa»; e se voltarmos a fechá-la com os botões ainda premidos, faz novamente o som «Náaaaa». Daí o termo «fu-na-ná», tendo o nome «badju-gaita» atulhado na gavetão do olvido.

Muito mais tarde, este meu estereotipado imaginário veio a dissipar-se e passei a saber que a 1º de Maio do ano de 1886, ocorreu uma greve geral dos trabalhadores nas ruas de Chicago, no Norte dos Estados Unidos, em protesto contra as condições desumanas de trabalho. Os trabalhadores eram explorados e sofriam abusos desmesurados. Chegavam a trabalhar entre 12 e 18 horas por dia, sem o mínimo de condições! Havia já algum tempo que os reformadores sociais, os que propunham mudanças na sociedade, defendiam que o dia devia ser dividido em três períodos: 8:00 para trabalhar, 8:00 para dormir e 8:00 para o resto.

Não obstante ter havido mortos, feridos e prisioneiros nessa manifestação, quatro dias depois, houve uma nova manifestação. Mais uma vez, a polícia virou-se contra os manifestantes e acabou por prender 8 pessoas, 5 das quais foram condenadas à forca! Mas, em 1888, os presos foram libertados por um júri que reconheceu que os trabalhadores estavam inocentes. Em 1889, o Congresso Internacional em Paris decidiu que o dia 1º de Maio passaria a ser o Dia do Trabalhador. Mas só um ano depois, em 1890 é que os trabalhadores americanos conseguiram alcançar a sua meta de 16 para 8 horas de trabalho diárias.

Cabo Verde, como era colónia portuguesa, e Portugal ter sido uma ditadura até o 25 de Abril de 1974, não sabíamos o significado do 1º de Maio. A partir daí, passou a comemorar esse dia como o Dia Internacional dos Trabalhadores. Os trabalhadores cabo-verdianos ganharam um Código de Trabalho sancionado pela Constituição da República.

No entretanto, sendo Cabo Verde um Estado de direito democrático, subscritor da OIT – Organização Internacional do Trabalho –, organismo internacional que estabelece o horário de trabalho em 40 horas semanais, 8 horas diárias e 5 dias por semana, vem violando deliberada e sistematicamente todas as directrizes e recomendações da OIT. As Empresas e até Instituições Públicas praticam escravatura e injustiça desenfreadas debaixo do olhar conivente das autoridades, mormente, a Inspeção-geral do Trabalho.

A Universidade de Cabo Verde – UNICV é um exemplo gritante. Não paga os professores, ameaça-os, despede-os e faz contrato direto com amigos incompetentes para lecionarem disciplinas que não fazem parte dos seus currículas formativos.

Mas antes de terminar quero fazer uma denúncia triste, tão triste que me tira a importância e o significado do 1º de Maio em Cabo Verde.

Conheço «N» casos de trabalhadores em Palmarejo que, há quase 14 anos, vêm trabalhando 12 horas por dia, todos os dias e, semana sim, semana não, trabalham 24 horas e ganham 20.000$00 por mês, sem Contrato de Trabalho nem descontos para o INPS. Nestes quase 14 anos nunca gozaram férias nem fim-de-semana. Mesmo estando doentes têm que sacrificar. E nesta conjuntura de confinação em que vivemos, trabalham todos os dias.

Afinal, qual é o papel da Inspeção-geral do Trabalho?

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