O melhor e o pior de 2019. Segurança no ralo, Morna no auge
Política

O melhor e o pior de 2019. Segurança no ralo, Morna no auge

A (in)segurança falou mais alto em 2019, mas no fim acabou por ser a Morna a pôr todo o país a cantar e a dançar com a sua elevação a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Justiça, Sociedade, Cultura, Política e Economia são os sectores mais em destaque no país, no ano em que a seca voltou a massacrar o mundo rural. Ah, também elegemos a figura do ano.

Agora que estamos prestes a entrar com os dois pés em 2020, vale fazermos um rewind ao ano findo e recordar o que de melhor e de pior aconteceu em Cabo Verde em 2019. Confira a selecção de Santiago Magazine.

Economia

2019 fecha com o anúncio de que a economia cabo-verdiana cresceu 6,7% no terceiro trimestre e que o desemprego no arquipélago baixou para 10,7%, segundo dados divulgados pelo INE. Vale referir aqui o papel da Pro-Empresa, entidade que operacionaliza as políticas do Governo em matéria de promoção do sector privado, particularmente na concessão do financiamento. Os mais de 1 milhão de contos de financiamentos foram por intermédio dos programas da Pro-Empresa.

O ano, todavia, começou com a implementação da Taxa de Segurança Aeroportuária (TSA) no valor de 3.400 escudos nos voos internacionais, juntando-se aos 150 escudos nas viagens domésticas. Os cidadãos dos 28 países da União Europeia e de outros estados europeus, designadamente Andorra, Islândia, Liechtenstein, Mónaco, Noruega, Reino Unido, Suíça, San Marino e Vaticano passaram a beneficiar da isenção de vistos de curta duração (30 dias) de entrada no território nacional.

Mas a seca, pelo terceiro ano consecutivo, quis ser a protagonista, afectando cerca de 200 mil cabo-verdianos sobretudo no meio rural das principais ilhas agrícolas. Para amenizar o problema, o Governo aprovou um programa de 566.722 mil contos para combater a seca e o mau ano agrícola no País, com incidência nos concelhos de Porto Novo, em Santo Antão, e nos municípios do Tarrafal, São Miguel e Santa Catarina, na ilha de Santiago. Isto porque o ano que ora finda ficou conhecido como mais um de seca severa, que assola o país desde 2016, tendo o Governo declarado, neste sentido, que o arquipélago está a passar por uma das piores secas nos últimos 40 anos.

Para piorar o quadro (falta de chuva, atrelando escassez de pasto para os animais que começaram a definhar e morrer), chegou a praga de gafanhotos que tomou conta da pouca palha e alguma cultura de sequeiro que ainda havia. O Governo aprovou mais um programa de mitigação para fazer face a situação, tendo o ministro da Agricultura, Gilberto Silva, assegurado que o executivo estava a trabalhar no sentido de mitigar os efeitos do mau ano agrícola e, acima de tudo, assegurar a produção agrícola no país. Revelou, entretanto, que o país irá precisar de cerca de dez milhões de euros para fazer face à seca, ao mau ano agrícola e terceiro ano consecutivo de seca.

O arquipélago esteve em destaque lá fora com o Prémio Internacional “Terras Sem Sombra” com o seu Jardim Botânico, conquistado pelo Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA) na categoria de Salvaguarda da Biodiversidade, devido ao seu Jardim Botânico.

Em Novembro, o Tribunal de Contas não homologou as contas de gerências do Fundo do Ambiente referente ao ano 2012 a 2014, alegando “muitas ilegalidades e irregularidades” nos processos. No relatório concluiu-se que houve uma “má gestão” do Fundo de Ambiente, sendo que em 2012 houve um desfalque de 28 mil contos, 2013 de 128 mil contos e 2014 de 344 mil contos, perfanzendo um total de cerca de 500 mil contos por repor.


Sociedade

A segurança (ou a falta dela) esteve no centro das conversas durante o ano inteiro. Tudo por causa de uma notória escalada de crimes sobretudo na capital que quase diriamente fizeram manchete na imprensa cabo-verdiana. Logo no início do ano, o presidente da Câmara Municipal da Praia foi vítima de um atentado a tiro na porta do ginásio onde treina que quase o deixava com sequelas irreparáveis no braço esquerdo onde a bala atingiu. Foi a primeira vez que um dirigente político sofre um atentado desse calibre e o mais grave é que volvidos onze meses após o ocorrido as autoridades ainda não descobriram os autores materiais e eventuais mandantes deste crime. Com as muitas mortes por assaltos e principalmente depois desse episódio envolvendo o presidente da principal autarquia do país, a Embaixada dos Estados Unidos emitiu um alerta aos seus cidadãos a se mantiverem longe das zonas de risco e evitarem sair à noite.

A onda de homicídios atingiu novo patamar com a morte do agente da PN, Hamylton Morais, no bairro de Tira-Chapéu, na sequência de um suposto tiroteio. Semanas depois, e com o país inteiro a exigir a cabeça do ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, e do director nacional da PN, Emanuel Estaline, a PJ viria a deter um agente da PN de ser o suposto autor do disparo que vitimou o seu colega. Mesmo com o processo em segredo de justiça e sob investigação, o director naciojnal da PN veio a público afirmar que se tratou de um disparo acidental, o que motivou repúdio da sociedade, uma vez que Estaline não só confirmou tardiamente que a bala que matou Hamylton saiu da pistola de um outro agente da polícia como apontou como sendo acidental o disparo, quando as investigações ainda prosseguem. O ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, considerou que algum “mediatismo” e “exploração política” estão a aumentar o sentimento de insegurança da população além do pico de ocorrências nas últimas semanas na Praia.

Em Outubro, outro caso chocante mexeu com as estruturas da PN. Agentes de serviço no Comando regional em Santa Catarina teriam violado dentro da cela uma detenta, tendo um dos policias suspeitos sido preso preventivamente.O Governo, através do Ministério da Administração Interna, mandou abrir um inquérito que aguarda seu desfecho. Nota: esse caso não aconteceu numa esquadra qualquer, ocorreu numa cela de um Comandio Regional, o que agrava a situação. Num outro caso, o MAI mandou aposentar compulsivamente o ex-director da escola de Polícia por indícios de favorecimento nos concursos para progressão na corporação. Paulo Rocha apresentou queixa contra o superintendente Manuel Spencer na Procuradoria Geral da República por suspeitas de práticas passíveis de acção criminal.

A Polícia Judiciária apreendeu, em Janeio, cerca de 10 toneladas de cocaína no Porto da Praia, no interior de um navio cargueiro internacional. Nesta que foi a maior apreensão de sempre realizada no país foram detidas 11 pessoas, todas de nacionalidade russa. E em Agosto, a Polícia Judiciária apreendeu mais duas toneladas de cocaína no interior de uma embarcação no Porto da Praia, numa operação conjunta com a Guarda Costeira, baptizada de “Operação Constância”.

O embaixador de Cabo Verde em Lisboa, Eurico Monteiro, reafirmou no dia 3 de Dezembro, na abertura da 2ª Conferência Económica do Mercado da CPLP, que aconteceu no Porto, que “há um consenso” para que esteja concluído em Julho de 2020 um modelo para supressão de vistos dentro da comunidade, reforçando a mobilidade interna.

Justiça

A Justiça voltou a estar na berlinda em 2019. Tudo por causa do julgamento do advogado Amadeu Oliveira, acusado de 14 crimes de injúria e difamação contra magistrados judiciais e do Ministério Público. Esse julgamento, que de mediático virou um flop rapidamente, foi suspenso porque em plena sala de audiência o causídico levantou suspeitas sobre a parcialidade do juiz indicado, que acabou ele mesmo por pedir escusa do processo por falta de condições. E mais uma vez, a Justiça, de que Amadeu Oliveira tanto reclama de ser instransparente e parcial, saiu chamuscada com as suas posições assertivas.

Em Setembro, outro escândalo abalou o país: Arnaldo Silva, advogado, antigo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro na década de 1990, e ex-bastonário da Ordem dos Advogados fora detido pela Polícia Judiciária, no seguimento de um mandado do Ministério Público por suspeita de crimes burla, falsificação de documentos e associação criminosa. A Procuradoria da República da Comarca da Praia identificou mais seis suspeitos no caso de aquisição e venda de terrenos na Praia. O Tribunal da Comarca da Praia aplicou a Silva, como medida de coação, o Termo de Identidade e Residência, interdição de saida do país e proibição de contactos com os demais envolvidos no processo.

Política

Janira Hopffer Almada foi reconduzida em Dezembro no cargo de presidente do PAICV, num processo eleitoral que ficou marcado pelas posições radicais do chamado Grupo de Reflexão que apontou o dedo à actual direcção com acusações de alteração dos cadernos eleitorais e outras fraudes. Entretanto, José Sanches, o candidato dessa ala paicvista, acabou por desistir da corrida permitindo a JHA concorrer sozinha, tendo obtido mais de 90 por cento dos votos dos militantes que se dirigiram às assembleias de voto.

Do lado do MpD, houve mudanças na liderança do Grupo Parlamentar, com a escolha da deputada maiense Joana Rosa, para presidir a bancada ventoinha, em substituição de Rui Figueredo soares, que foi chamado para integrar o Governo, como miniustri Adjunto do Primeiro-Ministro e da integração Regional, pasta que estava com Júlio Herbert, que faleceu em Outubro.

Destaque também para a entrada em vigor do novo Regimento da Assembleia Nacional, que obriga o primeiro-ministro a comparecer mensalmente ao Parlamento para debates com os deputados. Em declarações à Inforpress, Ulisses Correia e Silva fez um balanço “muito positivo” sobre esses debates. “É um figurino que nos permite debater muito e faz todo o sentido que o Governo esteja presente ao nível do primeiro-ministro, para discutir temas de interesse nacional”, precisou o chefe do executivo, acrescentando que os outros membros do seu elenco governamental também se apresentaram ao Parlamento na dupla perspectiva da “fiscalização da actividade governativa e, também, criar espaço e condições favoráveis para um bom debate”. Na sua perspectiva os debates mensais com o chefe do Governo sobre diferentes assuntos têm contribuído para a melhoria da governação.

Por sua vez, o líder do grupo parlamentar do PAICV, Rui Semedo, disse àquela agência noticiosa que os debates com o chefe do Governo foram “momentos importantes” para os sujeitos parlamentares discutirem os problemas que dizem respeito ao país.

De notar também que, mesmo prometiudo desde a campanha eleitoral, o Governo pediu formalmente o “cancelamento” da proposta de lei da regionalização, o PAICV “não ficou surpreso” com a decisão, enquanto a UCID diz que “não foi a melhor solução “. Por outro lado, a proposta de lei que cria o Estatuto Especial Administrativo para a Capital deu entrada no Parlamento no ano findo.

Outro momento alto no Parlamento foi a aprovação por maioria qualificada dos parlamentares, da Lei da Paridade, tendo o MpD e PAICV com 35 e 27 votos a favor, respectivamente, enquanto a UCID teve 3 votos contra. Facto que levou a presidente do Instituto Cabo-verdiano para Igualdade e Equidade do Género (ICIEG), Rosana Almeida, a considerar esse passo legal como uma “grande vitória".

Água

A Cidade da Praia acolheu em Março o primeiro Fórum Internacional sobre a Escassez de Água na Agricultura. Num país ainda com claras necessidades de água sobretudo para rega, o director do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) aproveitou para apelar para uma intervenção contra a escassez de água, advertindo que, “se nada for feito”, em 2025 haverá 3,5 mil milhões de pessoas afectadas.

O ministro Gilberto Silva disse depois, na VII reunião do Comité Regional de Pilotagem do Programa Hidrológico para a África, realizada também na Praia, que Cabo Verde tem de investir 634 milhões de euros em 20 anos, para fazer face à demanda do sector económico e para que cada cabo-verdiano tenha acesso a um mínimo de 40 litros de água por dia. E anunciou que o Governo vai investir cerca de 72 mil contos para a investigação agrária.

Ainda no âmbito dos eventos internacionais promovidos no país pelo actual Governo, foi realizado em Outubro, na capital do país o 14º Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Portuguesa, sob o lema “25 anos construindo a comunidade da água da CPLP”.

Transportes

A Binter Cabo Verde foi condenada, em Novembro, a pagar uma multa de 4 mil contos e o piloto da companhia aérea foi condenado a um ano de prisão com pena suspensa no caso da recusa de evacuação de um homem que tinha sido baleado e esfaqueado na Boa Vista. O caso remonta a 14 de Maio de 2018, quando o rapaz, de nome Nasolino, foi baleado e esfaqueado no abdómen, na ilha da Boa Vista, durante a madrugada, junto a uma discoteca local, tendo a delegação local de saúde solicitado a evacuação médica para o Hospital Agostinho Neto, a qual foi recusada pela companhia por falta de documentação. O tribunal assim não entendeu e condenou a Bionter e o comandante da aeronave.

E deu que falar o caos vivido no sector de transportes marítimos no país com a entrada em funcionamento da nova operadora, a Cabo Verde Interilhas, com a qual o Estado estabaleceu contrato de concessão da exploração das linhas marítimas, tem sido uma “não-solução” para o país, particularmente para a região Fogo e Brava, no dizer da oposição. A situação melhorou nos últimnos meses com a chegada do navio San Gwan, ainda assim com problemas devido a uma avaria. O "Chiquinho" que era para chegar em Dezembro, deve aportar no Mindelo este mês, segundo garantiu o ministro da Economia e Transportes, José Gonçalves.

A Cabo Verde Airlines já conta com cinco aviões e, em 2019, abriu novas rotas para Brasil e Nigéria. O Governo vendeu metade das acções da Cabo Verde Airlines que tinha reservado para os trabalhadores. Das 50 mil disponíveis foram vendidas 25.350 a 91 trabalhadores da empresa. Estado, pela venda, recebe cerca de 31 mil contos.

Cultura

Foi a notícia mais impactante do ano: a Morna foi declarada Património Imaterial da Humanidade, com a aprovação do dossiê em Bogotá, Colômbia, durante a reunião do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, sem nenhuma objecção dos presentes. Uma rica prenda natalícia, a ponto de pôr todo um país a celebrar, feliz, e esquecendo-se, por momentos, dos problemas que afligem o quotidiano dos cabo-verdianos. Sim, esta foi sem dúvida a melhor notícia de 2019.

Governo

Mais do mesmo. Ou quase isso. Tirando o ministro da Cultura, que evoluiu politicamente - principalmente porque soube, enfim, estar nas redes sociais e a conter opiniões pessoais que beliscam a governação - 2019 voltou a ser um ano em que toda a estrutura governativa esteve suportada por um único ministro: Olavo Correia. O vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças confirmou no ano findo que é a principal figura do Governo, o esteio de Ulisses Correia e Silva, cada dia mais Chairman - as pastas directamente sob a sua batuta não descolam, como descentgralização, regionalização e integração regional - do que Chief Executive, missão claramente à mercê de Olavo, seu homem-de-ferro.

Os números da economia (pois, não são façanhas do ex-super ministro José Gonçalves) evidenciam o seu peso, em contraponto com os sectores sociais que dão sinais de alguma estagnação. Saúde, Educação, Justiça, Agricultura, Solidariedade Social, Infra-estruturas andaram em ritmo muito mais lento do que o expetável num país que se gaba de crescer a 6,7%.


Figura do Ano

Amadeu Oliveira

Irreverente, assertivo, destemido e sem papas na língua, Amadeu Oliveira teve um ano prenhe. Primeiro foi o seu "pseudo-julgamento", em que está acusado de 14 crimes de injúria e calúnia, e que acabou sendo suspenso porque em plena sala de audiência - e com muito público a assistir - voltou a levantar o dedo indicador contra o juiz indicado para o julgar. Nem precisou apresentar uma queixa no Tribunal da Relação e Alcides Tavares já tinha pedido escusa do processo de falta de condições. Demorou um dia e meio esse "pseudo-julgamento" e foi suficiente para revelar o quão podre está o sistema judicial. As suas posições e intervenções não deixam ninguém indiferente, pelo contrário têm sido uma luz para os muitos cabo-verdianos que, sem a sua sapiência e conhecimento jurídico, se autocensuram na hora de exigir mais e melhor Justiça.

Mais importante ainda, é que, com as suas denúncias e combatividade, o l'enfant terrible santantonense conseguiu libertar da cadeia dez individuos que estavam presos ilegalmente, por crimes que não cometeram ou por crimes que, como afirma Amadeu Oliveira, o sistema quis lhes impingir pela via da introdução fraudulenta de provas nos processos. Ora, ganhar ao próprio sistema que ele acusa e que o quer julgar por essas verdades insofismáveis já vale um troféu.


Perdas

O bispo emérito de Santiago, Dom Paulino Évora, faleceu no dia 16 de Junho na residência das Irmãs Franciscanas em Achada Santo António, na Cidade da Praia e completaria, no dia 22 do mesmo mês, 88 anos de idade e 44 da tomada de posse da Diocese de Santiago de Cabo Verde em 1975.

O ministro Adjunto do Primeiro-Ministro para Integração Regional, Júlio Herbert, foi encontrado sem vida no seu escritório no Palácio do Governo. A autopsia realizada concluiu que Júlio Herbert morreu de um “enfarte agudo do miocárdio”. Dia 21 de outubro.

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