“A justiça cabo-verdiana está a viver a maior crise de sempre” afirma Bastonário da Ordem dos Advogados
Política

“A justiça cabo-verdiana está a viver a maior crise de sempre” afirma Bastonário da Ordem dos Advogados

O bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde fez hoje, 14, duras críticas ao sistema, apontando para o "imobilismo" na aplicação de leis, com "falta de respeito" para com os advogados, que entram numa sala de audiência e "não distingue o juiz que julga, do procurador que acusa". Hernani Oliveira fez estas e mais afirmações acusatórias na cerimónia de inauguração do Campus da Justiça, onde aproveitou para dizer que a justiça cabo-verdiana está a viver a maior crise de sempre desde a instauração da República.

A justiça atravessa hoje, em Cabo Verde, momentos particularmente agitados que são a evidência de uma crise profunda, sem dúvida a mais grave desde a instauração da República”, afirmou sublinhando que as suas causas têm, sobretudo, a ver com a incapacidade de se realizarem reformas que a adaptassem às necessidades da sociedade e às exigências do desenvolvimento.

Hernâni Oliveira adiantou que o modelo judiciário herdado em Cabo Verde ficou de certa forma imóvel perante as mudanças do século XX e, sobretudo, perante as transformações democráticas, económicas, sociais e tecnológicas decorrentes da enorme revolução digital a ocorrer neste século XXI.

Em Cabo Verde fazem-se leis progressistas e generosas em matéria de direitos e garantias individuais, de entre as quais emerge, naturalmente, a Constituição da República que já conta com 30 anos celebrados com pompa e circunstância, mas as suas concretas aplicações esbarraram sempre com o imobilismo do sistema e sobretudo com a incapacidade deste em assimilar o sentido progressista e humanitário dessas leis” apontou.

Como consequências desta acção apontou a sobrelotação das prisões com pessoas oriundas, principalmente, dos sectores mais desfavorecidos da população, para concluir que a pobreza e a exclusão social são as principais causas dessa “triste realidade”.

Hernâni Oliveira frisou que a justiça em Cabo Verde tem merecido muitas críticas da sociedade pela sua lentidão que, muitas das vezes, desespera os cidadãos.

Neste sentido salientou que, mais do que procurar culpados, é dever de todos encontrar soluções.

Todos sabemos que num País onde a justiça funcione mal, nada funcionará bem… E está visível que os enormes investimentos feitos anualmente no sector da justiça não têm tido o impacto desejado".

O Bastonário afirmou que os advogados, enquanto detentores da função constitucional do patrocínio forense, têm cada vez mais dificuldades em exercer a sua missão, sobretudo, porque falta o respeito ao Estatuto da Ordem dos Advogados.

Um problema que urge resolver é o de que se entra numa sala de audiências em processos crime e quase não se distingue o juiz que julga, do Procurador que acusa. Uns e outros estão sentados lado a lado como se fossem uma mesma entidade”, criticou.

Apesar das críticas, Hernâni Oliveira enalteceu as novas instalações que vão albergar o Tribunal da Comarca da Praia, afirmando que “hoje é um dia de enorme significado para a Justiça e em especial para a Cidade da Praia”.

“Praia passa a dispor a partir de hoje de uma das melhores estruturas a nível nacional, situado num dos importantes bairros da capital do nosso País. Esta infra-estrutura, absolutamente essencial, é, pois, um local comum às três principais profissões forenses: juízes, procuradores da república e advogados”, disse.

O novo Campus da Justiça, alojado nas antigas instalações da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), no Palmarejo, ocupa uma área total de 1.638 metros quadrados (m2), distribuído por três pisos, comportando, entre outros serviços, um balcão único de atendimento que prestará apoio aos utentes, uma zona de espera com capacidade para 16 pessoas, duas secretarias cíveis e seis secretarias da família e menores.

Dispõe de três salas de audiências, secretarias do Ministério Público, três salas de Magistrados Cíveis, duas salas de magistrados da Família e Menores, duas salas de Procuradores, uma sala de Advogados, duas salas de audiência de crianças, que segundo o Governo representa um investimento global de mais de 47 milhões de escudos.

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