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Alex Saab pode apanhar prisão perpétua ou pena de morte nos EUA, segundo especialista americano
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Alex Saab pode apanhar prisão perpétua ou pena de morte nos EUA, segundo especialista americano

O processo de extradição de Alex Saab para os Estados Unidos está profundamente ferido de má-fé, pelo facto de a promessa do Governo de Washington de apenas manter uma das acusações não poder ser cumprida, o que significa que lhe poderão ser imputadas novas e mais gravosas acusações conducentes, eventualmente, à pena de morte, caso Cabo Verde insista em atender ao pedido dos americanos.

Esta é a conclusão que ressalta do parecer jurídico recentemente emitido por Daniel Fridman, advogado, antigo procurador dos Estados Unidos e conselheiro governamental, além de actual CEO da firma Fridman Fels & Soto, um dos mais conceituados escritórios de advogados daquele país.

O especialista direcciona a argumentação jurídica em que assenta o seu parecer para essa leitura, que considera clara e óbvia, e deita por terra a promessa feita, pelos EUA ao Governo de Cabo Verde em nota diplomática datada de 8 de Setembro de 2020, de apenas levar Alex Saab a tribunal por uma única acusação de lavagem de capitais (punível com 20 anos de prisão), deixando cair as restantes seis (o total daria uma pena de mais de 160 anos de prisão).

Tal garantia, segundo o citado jurista, não tem fundamentos sérios nem pode ser mantida, uma vez que, tratando-se de processos judiciais num Estado de Direito e com separação de poderes como o americano, quem decide nunca é o Governo mas, sim os tribunais.

Promessa dos EUA é enganosa

Por isso, a promessa feita pelo Governo dos EUA através da sua embaixada na cidade da Praia é irrelevante, na óptica de Fridman, para quem o executivo americano não está em condições de garantir que Alex Saab não será condenado a prisão perpétua ou a pena de morte se for extraditado, o que constituiria uma violação da Constituição e das leis da República de Cabo Verde.

Esta interpretação já tinha sido, aliás, claramente feita pelo eminente jurista e académico cabo- verdiano, Bartolomeu Varela, que em entrevista a Notícias do Norte (NN), afirmou que “ninguém garante que possam ser descobertos novos factos conducentes a novas acusações que impliquem a condenação do extraditando, por exemplo, à pena de morte”.

“O suposto compromisso dos Estados Unidos da América para com Cabo Verde não protege totalmente os direitos do Sr. Saab, a menos que seja ratificado por um tribunal dos EUA”, argumenta Daniel Fridman, para quem a promessa feita na nota diplomática “não é e não deve ser considerada suficiente para garantir que [o Governo dos Estados Unidos] está proibido de acrescentar acusações contra o Sr. Saab após a sua extradição”.

O advogado cita, de seguida, mais de uma dezena de casos recentes em que os Estados Unidos não cumpriram garantias idênticas dadas a outros países, como por exemplo, a Grã-Bretanha, a Espanha e a Colômbia, entre outros.

O facto de não existir qualquer Acordo de Extradição entre os dois países é outro argumento avançado por Daniel Fridman para Cabo Verde não aceitar a oferta e para recusar a extradição do diplomata venezuelano para os EUA, uma vez que a ausência de um compromisso bilateral claro “torna Cabo Verde incapaz de contestar uma violação dessas garantias”.

Arguido sem garantias essenciais

A explicação é que, só com um acordo o país que entrega pode decidir conceder a extradição apenas para as infracções abrangidas pelo tratado, ao abrigo da Regra da Especialidade, segundo a qual a nação que receba “só pode julgar o arguido pelas acusações para as quais a outra nação concedeu a extradição”.

Em caso contrário, Cabo Verde, e tão pouco o extraditando, nada podem fazer em caso de violação das garantias dadas, pois só existindo um Acordo de Extradição o país que entrega pode levantar uma objecção nos tribunais dos Estados Unidos e, caso não o faça, essa acção poderá ser despoletada pelo arguido, embora num caso destes, a iniciativa do estado extraditante tenha mais força do que a da pessoa.

No caso em apreço, a extradição está a ser solicitada nos termos da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (UNCTOC – sigla em inglês) e seus Protocolos Complementares, não existindo quaisquer compromissos específicos nesta matéria entre os EUA e Cabo Verde.

Assim, sem um Tratado de Extradição em vigor, “é altamente improvável que Cabo Verde possa apresentar um recurso perante o Tribunal do Distrito Sul da Flórida (onde decorre o processo crime contra Alex Saab) no caso de o Governo dos EUA violar as garantias dadas ao acrescentar acusações adicionais ou não respeitar os compromissos assumidos ao abrigo da Nota Diplomática”.

Elemento de acusação insuficiente

Outro ponto abordado no parecer em análise tem a ver com o facto de, na interpretação de Daniel Fridman, o elemento único de acusação de conspiração deduzida contra Alex Saab ser insuficiente para que os Estados Unidos tenham jurisdição contra o diplomata venezuelano.

É que, segundo o jurista, que relata casos de jurisprudência envolvendo tribunais americanos que sustentam os seus argumentos, para condenar o arguido, os EUA devem demonstrar “que houve um acordo ilegal entre duas ou mais pessoas para cometerem branqueamento de capitais, e que o Sr. Saab se tornou consciente e intencionalmente membro da conspiração (…) com consciência dos seus objectivos e propósitos ilegais”.

Aqui, o jurisconsulto considera que não há qualquer evidência que aponte no sentido descrito e que a acusação “é extremamente débil e insuficiente”, acrescentando por outro lado que os tribunais americanos não têm jurisdição sobre Alex Saab.

Jurisdição inaceitável

O diplomata venezuelano não se enquadra em nenhum dos perfis previstos na lei que serve de base à acusação de branqueamento de capitais, a saber a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA – sigla em inglês), que se aplica a classes específicas de indivíduos e entidades nas quais Alex Saab não se enquadra, nomeadamente:

“Cidadãos americanos, nacionais e residentes (…), empresas americanas (…), agentes, empregados, funcionários, directores e accionistas de empresas americanas e pessoas estrangeiras presentes no território dos Estados Unidos.”

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