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As Relações Perversas entre o Gestor Público e os Eleitorados Periféricos
Ponto de Vista

As Relações Perversas entre o Gestor Público e os Eleitorados Periféricos

A gestão pública jamais foi uma tarefa fácil, porém não podemos confundi-la com a gestão das nossas casas, em que, às vezes, para agradar os nossos filhos basta colocarmos um dinheirinho no bolso que dá para comprar doces e salgados na escola ou no domingo quando vão à missa, já é suficiente para o problema. Este tipo de gestão é medíocre e não gera transformações, porque depois de acabar os trocados e os filhos crescerem, pergunta-se: como será o futuro dessa criança cujo pai preocupou-se apenas em resolver os problemas de curto prazo ou saciar a sua vontade.

Quando queremos que nossos filhos sejam alguém na vida (conquistar espaços no mundo acadêmico e ter independência financeira) precisamos ensinar-lhes que livros, cadernos e outros materiais que possibilitam a sua ascensão, são muito mais importante de que dinheiro para comprar rebuçados. É preciso mostrar-lhes que educação é um investimento de longo prazo e que ao terminar o ensino secundário (médio) eles precisam conquistar uma vaga nas Universidades, que futuramente lhes trará condições para comprar doces, salgados entre outros produtos que durante a infância podiam não ter em todos os momentos que queriam.

Trago o exemplo dos chefes de famílias para tecer críticas aos gestores públicos que em diversas circunstâncias têm pautado pelas políticas assistencialistas que não geram transformação nem na vida da pessoa que recebeu e muito menos no desenvolvimento daquela comunidade assistida. O assistencialismo é o maior inimigo do desenvolvimento porque em vez de ajudar o João, a Maria, o Paulo, a Ambrósia e as suas comunidades a superar as carências, faz deles eternos dependentes dos poderes políticos. Entretanto, o assistencialismo é nada mais nada menos do que um sistema de aliciamento político dos grupos ou classes menos favorecidas através de doações ou prestação de favores e serviços.

Quando formos escolhidos como lideres ou gestor público devemos ter em mente que todas as ações desenvolvidas em prol do bem-estar da população ou dos nossos eleitorados, não são favores ou caridades, mas sim estamos apenas a responder pelas tarefas que nos foram atribuídas. Portanto, não podemos chegar nos eleitores com o nosso ego elevado cobrando votos ou quaisquer outras exigências. Somos servidores públicos como qualquer outro funcionário público. Então senhores eleitores nunca se sintam na obrigação de votar no fulano e beltrano porque no dia X do ano Y ele deu a você e sua família um saco de arroz, os remédios quando sua filha esteve doente ou porque ajudou seus filhos com transportes escolares ou pagamento de mensalidades (os ditos propinas como chamamos). O gestor público tem como obrigação garantir a vossa seguridade e o bem estar social. Efetivamente, parlamentaristas não prestam favores aos eleitores por isso não devemos cair nas armadilhas chantagistas elaboradas por eles através de um discurso tendencioso e obscuro, tentando ganhar votos com os serviços prestados.

Enquanto administradores públicos, para ajudar a Maria, o João e suas comunidades devemos além de criar políticas públicas que favorecem o acesso aos serviços básicos, como a saúde e a educação, também é preciso estabelecer políticas que geram empregos e que no futuro as famílias assistidas possam ter o seu trabalho com a mensalidade fixa e puder satisfazer as suas necessidades essenciais. É preciso criar condições que facilita o autodesenvolvimento dos nossos cidadãos. Enquanto não conseguirmos fazer isso só estamos adiar o problema e perpetuar a dependência dessas famílias ao assistencialismo político.

Ademais, a assistência social não é o assistencialismo, mas sim um conjunto de políticas públicas criado por um determinado governo para garantir a seguridade social dos seus cidadãos. Portanto, todo o cidadão que em algum momento beneficiou destas políticas devem recebê-las como um direito que cada cidadão ou munícipe tem. Por isso, essas iniciativas não são ofertas ou ações solidárias que fulano e fulana ofereceu ou uma prestação de favores do partido A ou B para a sua família.

A governança pública não é disponibilizar milhões para as festas de romarias e muito menos organizar churrascos entre os colegas de trabalho para falar de temas aleatórios, utilizando os bens públicos, como carros e espaços e condenar as classes desfavorecidas à pobreza e misérias. Também não é construir obras de fachadas com tempo indeterminado para o seu término ou então iniciadas nas vésperas de campanhas. Não é criar postos de trabalhos apenas nos últimos meses do mandato, não é criar empregos e projetos fantasmas, não é usurpar os recursos públicos para o auto-enrequecimento e muito menos tornar a reeleição uma obsessão em detrimento do bem estar social dos eleitores.

Quando pensarmos em proporcionar o desenvolvimento da nossa comunidade, cidade, município ou Estado, precisamos ser cautelosos e criar insumos que garantem o bem estar social das massas populares. É preciso fazer ajustes sociais na qual as populações de centros e das periferias possam gozar dos mesmos direitos. Ambas precisam ter estradas de qualidade, postos de saúde e hospitais de qualidade, escolas e sistema educativo inovadoras, todos precisam ter acessos aos instrumentos tecnológicos públicos, aos serviços de transporte público disponibilizados pelo governo e aos empregos, seja nas funções públicas ou em outras instituições.

O eleitorado periférico precisa de voz e oportunidades do poder da mesma forma que os eleitorados dos centros urbanos. Por isso, enquanto lideranças não podemos transformar o centro em modelo de sociedade, coberto de infraestruturas da última geração, enquanto banalizamos e condenamos as periferias e suas populações aos descasos e misérias. O desenvolvimento neoliberal é um processo desigual, porém nós podemos fazer mais e consequentemente fazer com que os dois polos cresçam juntos e que todos gozem do mesmos direitos, porque não faz sentido falar de direitos iguais se nem todos beneficiam desses serviços básicos.

O povo da periferia já não suporta esperar, ser humilhada e estar sempre no segundo plano. Então, gestores públicos, precisamos refletir sobre as desigualdades de poder e oportunidades, utilizá-las ao nosso favor e fazer do desenvolvimento coletivo uma realidade. Precisamos respeitar as cartas magnas e cumprir com as atribuições defendidas por elas, tratando todos da mesma forma e garantir que as comunidades periféricas saiam da margem da sociedade. Não é mudar suas geografias, mas sim fazer com que as políticas públicas cheguem até elas. Acreditamos que não existe uma única forma de administração, mas temos certeza de que esta não é a melhor forma de fazê-la, porque o privilegiado continua com seus privilégios mesmo quando o gestor é nascido e criado na periferia.

Ademais, precisamos voltar atrás e, junto às comunidades tradicionais, tentar aprender uma forma de gerir baseada em comunitarismo e princípios de igualdade, em que os lideres procuram garantir que todos tenham no mínimo três refeições por dia. Estes que na maioria das vezes são da periferia, e além das tarefas supracitadas, conseguem liderar uma comunidade fazendo com que todos tenham acesso ao mínimo de recursos captado por elas. O gestor público precisa ter em mente três princípios básicos a saber: a humildade, a vontade de aprender e o desejo de fazer as coisas de maneira correta e transparente para que possa gerir os recursos públicos de forma inteligente e estratégico. Sabemos que as necessidades humanas são insaciáveis e que os recursos não são suficientes, mas é importante que consigamos geri-los de forma inteligente para agradar a todos ou pelo menos a maioria. Consequentemente, isso nos leva ao crescimento econômico e posteriormente ao desenvolvimento econômico e à sustentabilidade. Cumprido esses pormenores a reeleição será apenas uma das consequências positivas da nossas gestão.

[1] Graduado em Relações Internacionais Pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB e Graduado em Humanidades pela mesma universidade. Atualmente é Mestrando em Economia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Contato: danilsonivandro@gmail.com

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SOBRE O AUTOR

Redação