
Famílias de vários bairros da cidade Praia, queixam-se de não receber água da rede, nalguns casos, há meses, apesar de continuarem a pagar faturas mensais à empresa de abastecimento.
"Há três meses que estamos sem água. Compro um barril [de 200 litros] e não dá nem para dois dias porque somos sete em casa. Nem lavo a roupa, uso para cozinhar e para as crianças tomarem banho, antes da escola", disse à Lusa Solange Vieira, 44 anos, enquanto vende tomate, cebola e outros produtos numa rua do bairro de São Pedro.
Cada barril de água custa 320 escudos (2,9 euros), o equivalente às vendas durante meio-dia, ao sol, à espera de quem passe.
Nas faturas da empresa Águas de Santiago (AdS) veem-se duas cobranças: uma referente a uma taxa fixa e outra por consumo, que nalguns casos é mínimo (um metro cúbico), um sopro na tubagem sem água, totalizando 527 escudos (4,78 euros).
"Há dias em que nem tomo banho. Dou banho às crianças e pronto. Já chegámos a estar quatro meses sem água", refere.
Também Sónia Vaz, 43 anos, vendedora no mesmo bairro e mãe de seis, está há dias sem lavar roupa, uma forma de se adaptar a três meses sem uma gota.
"Houve um dia em que os meus filhos nem foram à escola — não havia água para se lavarem", conta.
Nas varandas da casa, alinham-se garrafões e barris à espera de qualquer gota.
Há relatos semelhantes de falta de água, desde julho, noutros bairros, como Achada São Filipe.
Cada qual adapta-se como pode.
No bairro de Eugénio Lima, Quimtiliano Pires, 78 anos, reformado, senta-se num banco, em frente a casa, à espera que os filhos regressem com baldes de água.
"Hoje, ainda não fiz as minhas necessidades [fisiológicas], desde que acordei”, queixa-se, a meio da manhã.
“Há um mês que não vejo água a correr nas torneiras", conta.
Na mesma rua, Maria Gomes, 72 anos, doméstica, espera junto à estrada pelos autotanques que abastecem o bairro: “compro sempre duas toneladas, mas não dura. O dinheiro dava para outra coisa, mas as faturas continuam a aparecer", lamenta.
No bairro de Ponta D’Água, Jardel Barros, 45 anos, comerciante, recorda o dia em que recorreu ao mar para tomar um banho.
"Até trouxe um garrafão de dez litros para me lavar depois. Já passei mais de um mês sem água em casa e continuo a pagar as contas. Num país democrático, isto não está nada bem", critica.
Em Achadinha, Arlindo Ortet, 80 anos, reformado, mostra uma dezena de garrafões de cinco litros guardados para quando a água aparece — mas, neste caso, o problema é que não tem pressão.
"A água corre nas ruas, mas a casa chega sem força. O Governo devia investir mais em dessalinização, o mar nunca fica seco", sugere.
Um dos condutores de autotanques confirma que os bairros de São Pedro, Achada São Filipe e Eugénio Lima são aqueles onde atende mais pedidos.
O presidente da Associação para Defesa do Consumidor de Cabo Verde (Adeco), Nelson Faria, disse à Lusa que tem recebido várias queixas informais, mas poucas reclamações formais.
"O consumidor precisa de ser mais proativo. Há muita indignação, mas falta formalizar as queixas. Ainda assim, estamos muito preocupados, não só com a falta de quantidade, mas também com a qualidade da água", afirma.
Há relatos de "água turva e de consumidores que continuam a pagar taxas fixas, mesmo quando não há abastecimento. Essa cobrança constante deve ser revista", defende Nelson Faria.
A Adeco tem mantido canais abertos para receber queixas — por correio eletrónico, redes sociais ou presencialmente — e promete agir junto da AdS e da Autoridade Reguladora Multissectorial da Economia (ARME).
"Água e luz não podem faltar. Quando faltam, é um transtorno enorme para as pessoas e para a economia", sublinha.
A Lusa fez vários contactos com a empresa AdS para tentar obter esclarecimentos, mas não obteve respostas.
A falta de água tem sido um problema recorrente na Praia, transversal a todos os bairros da capital, com 145 mil habitantes.
Noutras ocasiões, a AdS tem-se queixado de uma dificuldade crónica de não conseguir cobrar mais de metade da água da rede, devido a ligações clandestinas, perdas nas tubagens e outros problemas no sistema.
C/Lusa
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