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Nuías Silva. “Não há vontade política do governo para resolver as grandes questões do Fogo”
Entrevista

Nuías Silva. “Não há vontade política do governo para resolver as grandes questões do Fogo”

Nuias Silva, presidente da Câmara Municipal de São Filipe, vai concorrer a um segundo mandato nas eleições autárquicas deste ano para “dar continuidade ao processo de transformação” do seu concelho. Em entrevista exclusiva ao Santiago Magazine, o autarca aborda todos os temas sem tabu, fala das relações com o Governo, exige mais recursos para os municípios e contesta a ideia de regionalização.

Santiago Magazine – Vai concorrer a novo mandato na Câmara Municipal de São Filipe. Qual é a motivação desta recandidatura?

Nuías Silva- A grande motivação da nossa candidatura, ou melhor recandidatura, é continuar o processo de transformação que São Filipe sofreu nestes últimos três anos e meio de mandato efetivo. Hoje, os sãofilipenses e toda a diáspora foguense e mesmo Cabo Verde reconhecem que, de facto, a atual equipa camarária do PAICV aqui em São Filipe tem um forte engajamento e mobilização para realizações das necessidades do povo. Não é uma realização individual do presidente da Câmara Municipal, mas é de todo o coletivo camarário e de toda uma ilha, porque durante estes três anos e meio tivemos apoio de vários quadrantes da sociedade foguense.

Hoje há uma certa unanimidade das pessoas que visitam São Filipe, dos munícipes e da Diáspora que vêm para São Filipe que atualmente o nosso concelho está a viver bons momentos. Momentos de uma enorme transformação do xadrez urbanístico na cidade, mas também com obras espalhadas em todo o município de São Filipe, de Campanas de Baixo até a zona de Monte Largo e Queimadas. Esta é que é a grande motivação aliada a um grande amor a esta ilha que nos leva, obviamente, a aceitar este desafio do PAICV para recandidatar a um novo mandato no sentido de continuaro processo de transformação de São Filipe.

"Há pouco me viu assinar uns documentos e eram pedidos de medicamentos. E, assinamos sem ver a quem, basta chegar aqui com um parecer favorável do Gabinete de Inclusão, nós acudimos. Porque uma sociedade sem saúde e sem educação, não precisa de infraestruturas. Então temos de ter este equilíbrio, promovendo um desenvolvimento harmonioso e sustentável. Isto também tem de estar aliado ao turismo de uma cidade ou de uma ilha que é a reserva mundial da biosfera. Então estamos a assinalar alguns aspetos deste importante selo através da nossa rotunda da tartaruga e brevemente vamos arrancar com um grande projeto de sinalização turística do município, que já conta com financiamento."

Como é que conseguiu estes resultados?

Este processo de transformação é um processo pensado e estruturado. O PAICV tem dado provas em todos os municípios onde governa que tem uma agenda autárquica. Nós, quando ganhamos as eleições em outubro 2020 e tomamos posse em novembro de 2020, já sabíamos o que queríamos e o que íamos fazer, quer dizer já sabíamos ao que vínhamos. E tínhamos um plano bem estruturado em vários setores de atividade do que íamos fazeratravés de uma leitura atenta daquilo que era o desenvolvimento do nosso município e fizemos uma auscultação de quais eram os anseios dos munícipes. A ideia da grandeza do passado de São Filipe estava a perseguir o presente nesta ilha no sentido de voltar a ter um futuropróspero, de voltar a sonhar com um futuro grande. Este futuro passava pelo desenvolvimento de alguns pilares fundamentais de transformação, desde logo de uma ampla e vasta requalificação da cidade, transformando aquilo que é dita em vários sítios da mui nobre invicta cidade de São Filipe numa bela cidade para visitar, para viver e para amar. A cidade era bonita, mas estava mal cuidada.

Então o que é que fizemos? Cuidamos da cidade. Nós quisemos cuidar da cidade no aspeto urbanístico, no aspeto do investimento e da atração de novas centralidades, através do processo de arborização, de repavimentação, de criação de novas centralidades, cuidar dos monumentos e sítios e criando uma autoestima na ilha do Fogo ou de São Filipe como capital regional importante no Sotavento, em paralelo com a ligação e aproximação com a cidade da Praia que é muito forte.

Em segundo lugar, vimos que era também necessário desenvolver um forte programa social de apoio às famílias, sobretudo no meio rural para a realização dos seus direitos sociais, nomeadamente a educação condigna, acesso à saúde... Por isso a nossa câmara é uma câmara de rosto humano. Para além do processo de desenvolvimento que é visível, há uma parte invisível que envolve um grande investimento. Nós apoiamos milhares de jovens com transporte escolartodos os meses, apoiamos centenas de jovens no acesso ao ensino superior na Praia, porque entendemos que a educação é a chave do sucesso e temos reabilitado várias habitações, em três anos e meio de mandato, estamos a falar de cerca de 350 habitações intervencionadas ou construídas e entregues, para além das casas de banho. Isto é a realização daquilo que é a matriz desta câmara que é uma câmara de rosto humano. Em matéria de saúde, todas as pessoas que fizeram o seu pedido de saúde, apoiamos de imediato.

Há pouco me viu assinar uns documentos e eram pedidos de medicamentos. E, assinamos sem ver a quem, basta chegar aqui com um parecer favorável do Gabinete de Inclusão, nós acudimos. Porque uma sociedade sem saúde e sem educação, não precisa de infraestruturas. Então temos de ter este equilíbrio, promovendo um desenvolvimento harmonioso e sustentável. Isto também tem de estar aliado ao turismo de uma cidade ou de uma ilha que é a reserva mundial da biosfera. Então estamos a assinalar alguns aspetos deste importante selo através da nossa rotunda da tartaruga e brevemente vamos arrancar com um grande projeto de sinalização turística do município, que já conta com financiamento.

Resumindo e concluindo, este resultado que estamos a conseguir e que é unânime na boca de todo o mundo e que atualmente até o governo está a querer encostar à Câmara Municipal para dizer que a transformação de São Filipe é graças àssuas transferências.Isto é sinal de que estamos a fazer um bom trabalho, pois quando o governo está a querer encostar numa câmara é sinal de que o trabalho desta câmara está a sobrepor ao trabalho do governo naquele mesmo espaço territorial. Faço aqui um parenteses, para dizer que as transferências do governo são transferências de verbas consignadas que são direitos das câmaras. Portanto, o segredo que no fundo não é segredo é a matriz ideológica das câmaras do PAICV que é de trabalho, seriedade, transparência e boa utilização dos recursos públicos colocados à nossa disposição e uma grande mobilização de vontades.Vontades não só dos munícipes, mas vontade de todos para a realização do bem comum e que está à vista de todos.

Para a realização desta obra social e de infraestruturas físicas é necessário muito dinheiro. Qual é a saúde financeira do município?

A saúde financeira da Câmara Municipal é boa, mas não foi a mesma saúde que encontramos. Quando entramos, em novembro 2020, encontramos uma câmara municipal que era um caos. A câmara anterior do MpD não fez a passagem de pasta, à semelhança do que aconteceu na Praia. No dia em que estavamos a tomar posse o Presidente cessante transferiu da conta de uma associação – que era uma conta criada pela câmara, mas que recebia dinheiro de uma associação luxemburguesa para a reabilitação de escolas – todos os fundos que ali estavam para a conta da câmara, isto quando estávamos a tomar posse e a câmara não poderia executar nenhum tipo de despesas e ele fez pagamentos de despesas que não estavam orçamentadas. E por isso uma grande ilegalidade.

Foram quantos mil contos?

Foram cerca de 20 e tal mil contos só daquela ONG.

E como é que ficou?

Nós comunicamos ao Tribunal de Contas pedindo a sua intervenção, mas até o momento não tivemos nenhum resultado da denúncia que fizemos, mas também como as contas de 2020 foram submetidas com todas aquelas identificações, esperamos que quando forem julgadas, o Tribunal de Contas venha a responsabilizar os titulares dos cargos políticos que cometeram aquelas ilegalidades.

Veja, o grande segredo e grande salto que a política cabo-verdiana precisa dar é a responsabilização dos titulares de cargos políticos quando não fizerem o que deveriam ter feito. Por exemplo, aquilo que se ouve da Praia, do que se tinha cometido da gestão passada do MpD não pode ficar impune, mas a mesma coisa aconteceu aqui no Fogo. Pensamos que estes atos lesivos ao interesse público e às leis da República não devemficar impunes e que as autoridades devem investigar e separar o joio do trigo. Porque há presidentes de câmara e câmaras municipais que trabalham para acrescentar para o bem comum e para gerir a coisa pública com transparência e rigor e normalmente essas câmaras são acusadas e perseguidas e há outras câmaras do passado que cometeram ilegalidades vastíssimas em vários municípios e passam impunes. São essas omissões que desacreditam a política e desincentivam os jovens a participarem na vida política quando ninguém é condenado e ninguém paga pelos seus atos. Espero que o governo ou Tribunal de Contas ou outros tribunais possam a seu tempo analisar todas essas situações de ilegalidades que foram denunciadas, como forma de credibilizarmos o exercício de cargos públicos em Cabo Verde.

"...nós estruturamos o nosso projeto e fizemos uma reengenharia financeira e restruturamos a dívida através de um concurso público para os bancos; convidamos todos os bancos a nos apresentarem as suas propostas, renegociarmos a taxas e os prazos e com isso conseguimos um fluxo financeiro capaz de financiar as obras da Câmara. Antes a câmara pagava cerca de 5 mil contos por mês aos bancos e hoje com a reengenharia e com a mesma dívida nominal nós pagamos 2.500 contos"

Disse que não encontrou uma câmara de boa saúde. Quer dizer que  herdou uma Câmara falida?

Nós encontramos uma câmara com uma saúde financeira muito débil. Só em dívida com o sistema financeiro encontramos cerca de 300 mil contos. Mas, são dívidas que tinham sido contraídas para determinadas obras e que não foram realizadas, quer dizer sumiu o dinheiro, mas não havia obras. Por exemplo, foi feito um empréstimo de 150 mil contos em 2017 para realizar obras como o matadouro municipal e o Estádio 5 de Julho e nenhuma dessas obras foram feitas. Os 150 mil contos foram desembolsados em tranche única, à cabeça,e isso é ridículo, ninguém faz um empréstimo de 150 mil contos e é desembolsado na totalidade, sem execução das obras sem nada. O dinheiro foi utilizado em outras coisas e não houve obras.

Encontramos também cerca de 45 a 50 mil contos em dívidas com as casas comerciais: ferros, cimentos, verguinhas – materiais que foram distribuídos na campanha. Esta situação motivou-nos a trabalhar em primeiro lugar a saúde financeira da Câmara Municipal, caso contrário não consegueríamos ter realizações. Portanto, nós estruturamos o nosso projeto e fizemos uma reengenharia financeira e restruturamos a dívida através de um concurso público para os bancos; convidamos todos os bancos a nos apresentarem as suas propostas, renegociarmos a taxas e os prazos e com isso conseguimos um fluxo financeiro capaz de financiar as obras da Câmara. Antes a câmara pagava cerca de 5 mil contos por mês aos bancos e hoje com a reengenharia e com a mesma dívida nominal nós pagamos 2.500 contos. Para mostrar que as câmaras do PAICV têm um DNA muito diferente do MpD. O MpD gasta sem se preocupar com os resultados e as câmaras do PAICV poupam para realizar muito mais com pouco. E na dívida com terceiros nós conseguimos renegociar as dívidas e já temos quase todas essas dívidas pagas. O dinheiro que tinha sido mal gerido das ONG para as escolas, nós conseguimos contrair um empréstimo bancário, fizemos as escolas e já retomamos a boa relação com a ONG luxemburguesa.

Significa que foi endividar-se para resolver o problema com a ONG?

Exatamente. A ONG disse-nos que iria suspender a relação com a ilha do Fogo. A relação dessa ONG com a ilha do Fogo é muito importante porque ela financia cerca de 100 mil contos em cada quadra de 4 anos. Aliás, de cada três anos, financia mais de 100 mil contos para o setor da educação. Preferi ir buscar 25 mil contos ao banco e realizar a construção da escola e jardins, cujos fundos haviam sido desviados pela câmara anterior e foram utilizados para pagar subsídios de integração dos vereadores e despesas com as casas comerciais de comerciantes do MpD que tinhamdistribuídos cimentos e verguinhas durante a campanha, ou seja, pagaram essas faturas com o dinheiro da ONG, ao invês de construirem escola.

"mais de 17 mil contos que foram transferidos no dia da tomada de posse, bem como pagamentos no momento em que o banco já deveria estar fechado."

Fizeram isso no momento da transição?

No momento não, no dia da tomada de posse. O presidente cessante devia estar no ato de passagem…

Está a falar de quantos mil contos que foram transferidos naquele dia?

Estamos a falar de mais de 17 mil contos que foram transferidos no dia da tomada de posse, bem como pagamentos no momento em que o banco já deveria estar fechado. Houve instruções superiores para que o banco pagasse aqueles cheques mesmo fora da hora. A posse era às 5h da tarde  e a essa hora ainda a tesouraria da câmara estava a emitir cheques que foram levantados num determinado banco onde o governo tem algum poder de intervenção.

Do ponto de vista da prestação de contas, como é que avalia a prestação de contas da classe política em Cabo Verde?

O que eu posso falar é relativamente ao que eu conheço. A câmara de São Filipe é um exemplo de prestação de contas. Nós temos as nossas contas em dia.

Não, estou a referir em relação àquilo de que falamos há pouco, da responsabilização dos titulares dos cargos políticos e neste cenário de não passagem de pastas, de dívidas, de pagamentos no dia da tomada de posse.O Presidente não acha que está aqui algum défice na prestação de contas?

Sim, claro. Eu acho que quando um governo municipal fecha o seu ciclo e passa para outra equipa que vem substituí-lo, deve ser exigido por lei um termo de passagem muito claro.O Tribunal de Contas quando recebe denúncias deve intervir rapidamentepara poder marcar um ponto de início, na medida em que nós estamos a falar da gestão de uma câmara e quando a gestão é danosa ela deve ser nominada, deve ter um nome e é preciso exercer o poder de responsabilização sobre os responsáveis dessa administração espeficamente. Um presidente da câmaraque entra não devia responder pela gestão anterior em matéria de factos que são práticas lesivas ao interesse público e aqui eu penso que ao Tribunal de Contas devem ser criadas todas as condições para nos casos mais venha com auditorias forenses para detetar se de facto o interesse público foi lesado naquela gestão. Pode não ser no day after, mas tem que ser feito porque, muitas vezes, os municípios não têm condições e nem autoridade para recorrer a auditorias forenses externas.

"...nós temos todas as nossas atas em dia, mandamos sempre para o Ministério da Coesão Territorial e para o Tribunal de Contas os balancetes e outras informações. Temos uma boa relação com o Tribunal de Contas e outras instituições."

Neste caso, não acha que o Estado está a falhar?

A lei dos titulares dos cargos políticos deve ser clarificada ou então deve ter algum mecanismo para averiguar ou responsabilizar. Porque veja, por exemplo, nós já estamos a terminar o nosso mandato, mas as contas do mandato anterior ainda não foram julgadas. Nós vamos para as eleições agora, já prestamos todas as nossas contas, mas ainda não foram julgadas as contas do mandato anterior, nenhuma delas. Eu acredito que Tribunal de Contas faz o seu melhor, então a classe política tem de criar as condições para termos todas as ferramentas humanas e técnicas no tribunal para dar respostas em tempo útil porque pode ocorrer alternânciapolítica, fica-se com muitos problemas para saber o que se fez em cada etapa, sendo que muitas prevaricações podem até prescrever. E, isto é uma forma de esconder, de forma intencional, vários casos que não queriam que fossem julgados ou conhecidos. Na gestão anterior foram cometidos à luz da lei cabo-verdiana e do orçamento erros gravíssimos. Por exemplo, a lei do orçamento diz que nenhuma despesa que não esteja orçamentada deve pode ser executada, mas a câmara anterior pagou o subsídio de reintegração sem estar orçamentado. É um direito que eles tinham, mas quem deveria pagar o subsídio é a gestão da câmara que estava a entrar ou então devia estar orçamentado. Isto é uma ilegalidade grave. São esses aspetos que nós chamamos a atenção porque depois nós caímos no mesmo discurso de que os políticos são iguais, os políticos são todos corruptos, são todos ladrões. Nós os políticos devemos ser responsabilizados pelos nossos atos. Enquanto não houver julgamentos e publicações da gestão da coisa pública para ilibar ou para condenar, não vamos conseguir transmitir aquela confiança no seio dos eleitores e continuaremos a ter taxas de abstenção elevadas nos processos eleitorais por falta de crença nos políticos e na política.

Em São Filipe nós estamos a tentar reverter um pouco esta situação com uma comunicação mais transparente. Por exemplo, nós temos todas as nossas atas em dia, mandamos sempre para o Ministério da Coesão Territorial e para o Tribunal de Contas os balancetes e outras informações. Temos uma boa relação com o Tribunal de Contas e outras instituições.

E as relações com governo?

As relações com o governo são relações institucionais, mas que poderiam ser muito melhores. Não queremos falar de discriminação, nada disso, mas à Câmara de São Filipe só é transferido o que são direitos próprios da câmara, nem um tostão a mais. É claro, não permitimos que nem um tostão que a câmara de São Filipe tenha direito fique sem ser transferido. De modo que temos essa relação institucional com o governo, sendo certo que muitas vezes a boa taxa de execução da câmara de São Filipe decorre de processos aturados de luta para conseguir essas transferências.

A câmara anterior era do mesmo partido do governo. A taxa de execução era igual?

Não era igual porque a câmara anterior defendia muito pouco os interesses de São Filipe. Tinha direito a recursos do fundo do ambiente e do turismo que não chegou a tirar porque não submeteu os projetos ou não submeteu as contas. É basta ver o relatório do Fundo do Ambiente onde está lá citado que, por exemplo, para a orla marítima de São Filipe foram transferidos 11 mil contos para câmara anterior e não foi executado e nem justificado. A ANAS transferiu dinheiro para a construção do aterro sanitário para a deslocação da lixeira, não se fez nada, mas o dinheiro voou.

"...adquirimos novos camiões para recolha de lixo. Encontramos uma lixeira a céu dentro da cidade, mas construímos, em parceria com a associação dos municípios de Fogo e Brava, um aterro para toda a ilha, deslocalizamos a lixeira para o interior, reforçamos o número de contentores nas ruas."

Já que falou do aterro, do ponto de vista do ambiente e do saneamento como é que São Filipe está?

São Filipe é considerada uma das cidades mais limpas de Cabo Verde. Não obstante as boas regras de conduta, ultimamente tem sofrido algum declínio em relação àquilo que era o comportamento das pessoas. Mas nós temos investido, adquirimos novos camiões para recolha de lixo. Encontramos uma lixeira a céu dentro da cidade, mas construímos, em parceria com a associação dos municípios de Fogo e Brava, um aterro para toda a ilha, deslocalizamos a lixeira para o interior, reforçamos o número de contentores nas ruas. Nas épocas das chuvas temos um plano de reforço da varrição e reforço da limpeza das ribeiras e dos locais onde circulam as cheias. Temos feito o nosso trabalho. Estamos a construir um novo matadouro municipal para eliminar o abate de animais em casas ou nas ruas.

Isto está previsto para quando?

O novo matadouro já está em processo avançado de construção, estamos a contar que em novembro estará pronto. É um matadouro e um talho municipal. Estamos a falar de um investimento de cerca de 37 mil contos, e são financiados pela câmara e pelo Fundo do Ambiente. É um investimento que vai transformar o panorama daquilo que é a saúde animal aqui na ilha e o tratamento que damos às carnes e derivados.

"O caos que existe em termos de mobilidade interna de passageiros entre as ilhas, penaliza grandemente aquilo que é o turismo que se pode desenvolver na ilha. No Fogo, o nicho turismo está ligado ao ambiente, ao ecoturismo, etnoturismo, etc. um turismo ligado à natureza que é o selo e a própria certificação que a natureza confere ao turismo no Fogo. Mas, como eu disse, nós estamos com os pés e as mãos amarradas."

Fogo é uma ilha turística, uma ilha que tem muitas potencialidades e com imenso impacto turístico a nível nacional. Do ponto de vista de comunicação e transportes, qual tem sido o impactona economia da ilha do Fogo e de São Filipe em concreto?

A verdade é que a ilha do Fogo é uma ilha com uma potencialidade turística enorme, só que a ilha está com os pés e as mãos amarrados em termos de desenvolvimento turístico. Porque, apesar de ser uma ilha que é utilizada na capa de revistas nas feiras internacionais para a venda do turismo em Cabo Verde através do vulcão do Fogo, a tristeza é que a maior parte das pessoas que chegam a Cabo Verde ansiosos para conhecerem a ilha e o seu vulcão, são-lhes vedadas essa oportunidade por falta de transporte inter-ilhas. O caos que existe em termos de mobilidade interna de passageiros entre as ilhas, penaliza grandemente aquilo que é o turismo que se pode desenvolver na ilha. No Fogo, o nicho turismo está ligado ao ambiente, ao ecoturismo, etnoturismo, etc. um turismo ligado à natureza que é o selo e a própria certificação que a natureza confere ao turismo no Fogo. Mas, como eu disse, nós estamos com os pés e as mãos amarradas. Onde estão as mãos? É o aeroporto do Fogo e o comprometido deste governo em 2016 para a construção do aeroporto internacional da ilha do Fogo.

Nós já estamos a terminar o segundo mandato do governo e nem estudos se fizeram sobre o aeroporto internacional do Fogo. E os pés é o cais do Fogo que tinha uma segunda fase de ampliação, projetada e desenhada pelo governo do PAICV, e com a saída do PAICV este projeto caiu no esquecimento. O cais do Fogo e o calado do cais do Fogo não permitem o atracamento de navios que chegam com carga da Europa, os navios que param na Boa Vista, no Sal, na Praia e em São Vicente poderiam também vir para esta importante região que é o Fogo para descarregar os seus produtos e os comerciantes puderem importar diretamente da origem, com benefícios diretos para a população em termos de preços. Mas, também, os barcos de cruzeiros que aqui no Fogo grande parte dels fica ao largo porque não pode atracar devido ao calado do cais e quando é assim apenas menos de um terço dos turistas  é que fazem o transbordo nas pequenas embarcações, para saírem e para darem a volta à ilha. Já imaginou se a segunda fase da ampliação projetada pelo PAICV, nesses 8 anos, tivesse sido feitos?! Os pés da ilha estavam completamente desamarrados para recebermos barcos de cruzeiro e todas essas pessoas saírem, utilizarem os hiaces e outros transportes para irem em excursão para as salinas, para Chã das Caldeiras, para os Mosteiros beberem um café, para dentro da Cidade, movimentando os restaurantes, gerando e dinamizando a economia da ilha.

O governo tem dado alguma explicação para isso?

Tem dado a explicação de que é caro. Não existe caro para o desenvolvimento de um país. O caro para o desenvolvimento de um país é adiar processos estratégicos, isto é que é caro, adiar aquilo que hoje poderia trazer emprego, oportunidades, centralidades e investimentos para uma Região importante que é a Região Fogo-Brava. Daí que não se entende ou apenas se entende que é por falta de vontade política do governo em criar oportunidadespara a ilha do Fogo, porque sabe que se criar essas oportunidades para o Fogo muito do turismo que se faz nas outras ilhas ditas de sol e mar desviariam para também parao turismo da natureza que a ilha do Fogo oferece. É por isso que digo e repito estamos com as mãos e os pés amarrados.

E em relação ao cais?

É a mesma desculpa de sempre, é caro, tem outras prioridades. Mas, eu entendo que seja por falta de vontade política. O governo não tem vontade para com a ilha do Fogo; talvez porque a ilha sempre votou no PAICV, já na década de 90 tinham falado sobre “filho de dentro e filho de fora”, “pedra não joga com garrafa”. Há um xadrez mental no MpDrelativamente à ilha do Fogo,independentemente do líder que estiver lá,onde sobressai uma perceção clara de que esta ilha não é uma prioridade. Veja o anelrodoviário que não foi concluído, só se entende que é por maldade ou falta de vontade política. Não é uma obra do PAICV, é uma obra da ilha do Fogo. O anel rodoviário, em todas as eleições, é utilizado como arma de arremesso político. O MpD agora vai voltar com o mesmo discurso, vai refogar o discurso e vai apresentar o mesmo discurso de 2016, de 2021 , ou seja,vai dizer que o anel rodoviário do Fogo já colocou no orçamento para o próximo ano. São palavras, o estudo do aeroporto internacional do Fogo, o queijo do Fogo, o centro de transformação agroalimentar. Nenhuma proposta do governo do MpD feita em 2016 ainda está cumprida.Na área da saúde prometeram o Centro de Saúde construída de raiz em São Filipe, ainda não está cumprida; prometeram o centro de saúdeem Santa Catarina, ainda não está, embora este  centro de saúde já tinha o financiamento do fundo Kuwait, deve ter sido desviado para outros centros, tiraram do Fogo. A nível dos transportes prometeram ligações diárias de barco e de avião. Em 2016 tínhamos ligações diárias de barco, hoje temos três ligações por semana e dizem que estamos melhor. Como é possível se em 2016, a ilha do Fogo era ligada diariamente com barco que dormia na Brava; hoje o barco não dorme na Brava e temos ligações três vezes por semana e dizem que estamos. Em termos aéreos, tínhamos 16 voos por semana e hoje temos 10 voos por semana, e dizem que estamos melhor.

"O que querem pensar para o Fogo é um pensamento pequeno, é um pensamento que o Fogo não quer. O Fogo quer definir as suas prioridades, não é o governo a vir dizer de que nós não merecemos ou não temos potencialidade para isso ou para aquilo."

Acha que existe alguma decisão deliberada para prejudicar a ilha do Fogo?

Eu não posso dizer que é uma decisão deliberada. Mas, que gato escaldado tem medo de água fria como diz o ditado,  é verdade: não há vontade política do governo em resolver as grandes questões do Fogo. O que querem pensar para o Fogo é um pensamento pequeno, é um pensamento que o Fogo não quer. O Fogo quer definir as suas prioridades, não é o governo a vir dizer de que nós não merecemos ou não temos potencialidade para isso ou para aquilo. Não, nós temos sim.

Nós temos um Hospital Regional e veja que até ainda não foi implementada a Região Sanitária do Fogo. Está lá, tem a carta da região sanitária do Fogo, mas esta instituição não existe.Nós temos equipamentos de saúde de alto standing, mas no nosso hospital não temos recursos humanos e com isso perde-se milhões em evacuações de pessoas para o hospital Agostinho Neto que poderia hoje estar a ser melhor utilizado só para casos mais críticos se dotarmos a região Fogo-Brava de especialistas e uma cobertura médica secundária e de alto nível  nesta região, mas não há.

No caso das evacuações, a câmara tem sempre um papel a desempenhar?

Claro, acâmara municipal é que suporta todas as evacuações que não sejam do âmbito do INPS. Porque, na verdade,é aqui que as pessoas vêm pedir passagem para as consultas na Praia e nós gastamos milhares todos os meses.

Portanto, tocando nestas questões, como o Presidente Nuías classifica este processo de descentralização no país?

Eu acho que há muito marketing político sobre aquilo que é o relacionamento entre as câmaras e o governo. Não posso dizer que o relacionamento é ótimo, mas também não posso dizer que o relacionamento é mau. Há um relacionamento institucional,mas o quedeveria haver é uma abertura para se dialogar sobre as questões de transferências para os municípios. Os municípios,neste momento, estão sufocados e só com muita engenharia financeira e boa gestão é que se consegue fazer uma gestão saudável das finanças. Por exemplo, o Fundo do Financiamento Municipal, FFM, há muitos anos que não aumenta, encontraram em 10% e ainda está em 10%.

"Eu penso que devemos municipalizar determinados tipos de receitas para passarem a ser direitos próprios dos municípios e não benesses do governo. Por exemplo, o Fundo do Ambiente e Fundo do Turismo são receitas consignadas e tem aquela parte que diz respeito aos municípios e não se percebe porque é que o governo exige projetos e outras coisas mais para desembolsar o dinheiro se nós somos fiscalizados pelo Tribunal de Contas."

Falando do FFM eu notei que na nova proposta dos estatutos dos municípios a questão dos financiamentos não está lá. Não foi previsto...

Falar de descentralização é preciso dizer que há muito espaço ainda para a descentralização em Cabo Verde em termos do reforço do municipalismo. Mas, temos que clarificar, não podemos ter um governo que quando tem o maior número de câmaras executa os contratos programas através das câmaras, quando não os tem executa diretamente.Por exemplo, veja a questão das pequenas habitações e das casas de banho, temos de clarificar este aspeto, a questão das reabilitações das escolas. Eu penso que devemos municipalizar determinados tipos de receitas para passarem a ser direitos próprios dos municípios e não benesses do governo. Por exemplo, o Fundo do Ambiente e Fundo do Turismo são receitas consignadas e tem aquela parte que diz respeito aos municípios e não se percebe porque é que o governo exige projetos e outras coisas mais para desembolsar o dinheiro se nós somos fiscalizados pelo Tribunal de Contas. Deviam ser previstos, no Orçamento de Estado, diretamente que as receitas consignadas em regime de duodécimos ou outro tipo de regime para serem transferidos e nós executamos dentro de um determinado plano plurianual de acordo com as diretrizes e depois justificávamos diretamente ao Tribunal de Contas. Mas o Governo pede-nos, nas casas de banho que estamos a fazer, o nome e o número de telefone dos beneficiários e outras informações. Eu pergunto por quê e para quê é que o Governo quer o número de telefone de um beneficiário? Vai ligar um beneficiário para perguntar? Se quer fazer fiscalização, a Câmara é uma entidade de bem, você tem de acreditar e aquilo presume-se desconfiar da câmara municipal. É uma atitude de desconfiança. O governo transfere o dinheiro, a câmara executa as obras e se você quiser fiscalizar as obras, pede à camara, visita as obras e faz uma auditoria às obras.

Este sistema de financiamento, mesmo através de receitas consignadas, não está a pôr em causa a autonomia dos municípios?

Claramente. Tanto é assim que o governo atualmente está a fazer um livro “governo em ação” e em cada ilha o que apresenta são as obras da câmara. Por exemplo, perguntámos “o governo não fez o Presídio no Fogo”, “o governo não fez Cruz de Passos no Fogo”, “o governo não está a fazer as obras nas placas desportivas no Fogo”, não estou a falar só de São Filipe.

"O Governo pode dizer nós comparticipamos através do fundo do ambiente porque as placas todasda inauguração têm lá que são cofinanciadas pelo fundo de ambiente ou pelo fundo do turismo. Agora vir concorrer com as câmaras e dizer de que são obras do governo, de duas uma: ou é um grande reconhecimento da dinâmica da câmara ou então é a demonstração de uma grande fraqueza em termos de obras do governo naquele município, porque não tendo mais nada para mostrar, mostra aquilo em que coparticipou."

O governo está mostrando esses projetos que referiu como sendo obras suas?

Exatamente. Porquê? Porque tem transferido dinheiro para câmara para a realização destas obras. Mas esses fundos são da câmara, essas transferências ocorrem no âmbito de receitas que são das câmaras, do Fundo do Ambiente e do Fundo do Turismo que são receitas consignadas e quando você transfere esses recursos você não pode estar a dizer que transferiu para os municípios, você transfere o que é direito dos municípios. É como se o Banco Mundial estivesse a financiar, por exemplo, uma estrada e depois aparecer na publicidade a dizer “nós construímos esta estrada em Cabo Verde”, não vocês financiaram, o Governo de Cabo Verde é que construiu a estrada.

O Governo pode dizer nós comparticipamos através do fundo do ambiente porque as placas todasda inauguração têm lá que são cofinanciadas pelo fundo de ambiente ou pelo fundo do turismo. Agora vir concorrer com as câmaras e dizer de que são obras do governo, de duas uma: ou é um grande reconhecimento da dinâmica da câmara ou então é a demonstração de uma grande fraqueza em termos de obras do governo naquele município, porque não tendo mais nada para mostrar, mostra aquilo em que coparticipou. Inclusive o governo já caiu no ridículo de dizer que os serviços sociais que os clubes privados prestam foram suas obras. Por exemplo, como acontece com o clube Nô Pintxa e colocaram na revista como realizações nos Mosteiros a sede do Nô Pintxa, mas que deram 200 contos, que nem chega a um quarto do custo total. Para estas ações os emigrantes dão mais apoios à câmara municipal ou a associações.

Falando de emigrantes, qual é a relação que a câmara municipal tem com os emigrantes e a relação da ilha do Fogo com a emigração?

A relação da ilha do Fogo com a emigração é uma relação umbilical. Veja que nenhum presidente de câmara com juízo faz um programa de governação sem incluir a diáspora como parceiro. A diáspora é um dos maiores e melhores parceiros de desenvolvimento da Câmara Municipal de São Filipe, não só com a dinâmica da construção civil, mas através de aquisição de terrenos, construção de habitação, construção de hotéis e de guest house; mas também com o apoio que dão na área social, para as famílias, para os estudantes, para a questão da saúde, etc., são parceiros fundamentais. A Câmara Municipal de São Filipe vai anualmente à diáspora para apresentar as contas daquilo que tem sido o desenvolvimento do município,mas também para atrair-lhes para mais investimentos. E, veja que nós temos a diáspora como uma perspetiva de política interna, são envolvidos em tudo aquilo que nós fazemos. Por exemplo, nas festas têm um peso preponderante de participação, de envolvimento e de engajamento e a resposta tem sido sempre positiva. As minhas primeiras realizações na Câmara Municipal, foram com apoio dos emigrantes. Cheguei e São Filipe não tinha nenhuma ambulância e até agora o governo não conseguiu colocar uma ambulância na ilha, temos um Hospital Regional sem uma ambulância. Conseguimos mobilizar junto de uma família nos Estados Unidos da América verbas para comprar uma ambulância zero quilómetros e totalmente equipada e paralelamente a isso essa mesma família doou-nos verbas para adquirirmos uma viatura e a transformamos numa clínica móvel de saúde que dá consultas em todas as localidades da ilha. Estamos a falar de mais de 20 mil contos de apoio de uma só assentada e de uma só família. Por exemplo, o parque infantil que está em Cruz de Passos foi uma doação da diáspora. Os parques infantis que se encontram na maior parte das praças são doações de emigrantes. Requalificação de praças inteiras que foram feitas com o apoio dos emigrantes, mas muitas vezes pedem anonimato. A relação é muito boa e frutífera.

Quando começou a requalificação da cidade e da transformação, houve muitas críticas de que estava a beliscar a história da cidade. Como é que vê isso? Aconteceu mesmo?

Acho que hoje é consensual para todos que a melhor opção que se fez foi a solução apresentada e idealizada pela câmara municipal. Verdade seja dita, o projeto de requalificação não foi do governo, o projeto de requalificação é da câmara municipal anterior, a requalificação do centro histórico com calçadas.

Quando entramos entendemos que calcetar a cidade de São Filipe na sua totalidade não era o mais adequado, tínhamos de conciliar a história com a modernidade; aí é que estava a grandeza de poder beber no passado estando no presente e projetar um futuro próspero. Portanto, nós trabalhamos um projeto de asfaltagem de uma cintura que protege o núcleo histórico e este permanecia com calçada. Nós discutimos com o governo e este disse que havia abertura, discutimos com o IPC e conseguimos a autorização do IPC, trabalhamos o projeto e o socializamos na Assembleia Municipal. Houve vozes críticas na altura, mas a maioria, mais de 90%, estava de acordo e nós avançamos com esse processo. A Avenida Amílcar Cabral, a Rua de Madre Teresa e todas as outras, se não fosse a câmara municipal não estariam hoje asfaltadas.

"A ideia da regionalização como uma panaceia não iria resolver os problemas das ilhas tal qual foi apresentado. Talvez se tivesse tido uma socialização e um referendo, uma construção de baixo para cima podíamos ter chegado a um modelo de regionalização que servisse as ilhas ou as regiões ou agrupamento de ilhas. Mas regiões da forma como foi apresentada poderia mostrar ainda mais fragilidades que existem ao nível das ilhas numa coabitação entre poder municipal, o poder central e o poder regional. Imagina os três, se dois já tem atritos, imagina três ou mais."

Acredita que o processo de regionalização que Ulisses Correia e Silva tinha prometido iria trazer melhoria para a Região Fogo-Brava?

Eu não acredito. Eu acredito que nós devemos reforçar o municipalismo e até podemos chegar à regionalização se for este o interesse do país, mas fazer a regionalização por si só não resolve o problema das ilhas. O que as ilhas precisam é de aprofundarmos ainda mais o municipalismo, em termos de transferências de recursos aos municípios. Pois, já se provou nestes 31 anos de municipalismo que quando as verbas são canalizadas para os municípios e os municípios forem bem governados há desenvolvimento.

Ou seja, não pode haver poder local sem dinheiro, é isso?

Exatamente. Daí que nós temos espaço para aprofundar o municipalismo e o financiamento do desenvolvimento municipal através de receitas próprias do Estado de Cabo Verde e não do governo. Nós não devemos confundir o Estado com o governo. O governo é eleito para administrar de forma temporária os bens do Estado, agora os bens do Estado são bens do governo central e dos municípios e aquilo que é dos municípios deve ser passado.

Num momento posterior podemos sim falar de aspetos da regionalização e temos espaço para discutir isso. Mas, podemos aprofundar ainda os mecanismos de participação inframunicipal. Nós temos espaço ainda para o reforço do municipalismo, para reforçarmos as câmaras municipais e para iniciarmos um processo inframunicipal de participação das comunidades e das localidades naquilo que é um processo de descentralização e depois então podermos estar preparados para esse processo de transformar as ilhas ou os espaços das ilhas em regiões.

Mas, veja, é como se pegássemos numa organização que estivesse completamente desorganizada e dissesse a solução para isso é informatizar. Vamos informatizar essa organização e resolver todos os problemas. Mas, não é verdade, a verdade é que você vai ter o mesmo caos, só que um caos informatizado. A ideia da regionalização como uma panaceia não iria resolver os problemas das ilhas tal qual foi apresentado. Talvez se tivesse tido uma socialização e um referendo, uma construção de baixo para cima podíamos ter chegado a um modelo de regionalização que servisse as ilhas ou as regiões ou agrupamento de ilhas. Mas regiões da forma como foi apresentada poderia mostrar ainda mais fragilidades que existem ao nível das ilhas numa coabitação entre poder municipal, o poder central e o poder regional. Imagina os três, se dois já tem atritos, imagina três ou mais.

Se entre o central e local já existem problemas, imagina um poder intermédio que poderia ser utilizado como um poder para substituir o poder democraticamente eleito. O que eu defendo é aquilo que o PAICV defendeu na altura que é reforçar o processo de descentralização e autonomia dos municípios com foco no reforço do financiamento dos municípios e construir e dialogar assoluções alternativas de administração regional que pudesse não colocar em causa nenhuma proposta mas que pudesse discutir todas as propostas apresentadas: propostas de ilhas mas também propostas de agrupamento de ilhas para reforçar a ideia da complementaridade e da unicidade do território cabo-verdiano e não departamentalizar o território dividindo em fatiascom régua e esquadrocomo se fez no Tratado de Tordesilhas e de outros.Não podemos cometer esses mesmos erros de à régua e esquadro dividir Cabo Verde, mas num processo consensual podíamos decidir agrupar ilhas em regiões económicas. Muito mais do que regiões políticas nós precisamos de construir verdadeiras regiões económicas.

Na questão do reforço do municipalismo falamos sobre a questão do financiamento e seguriu a municipalização de algumas receitas do Estado. É uma ideia que quer continuar a defender?

Eu defendo, mas acho que o PAICV devia defender que algumas receitas deveriam ser “X” por cento municipalizadas e “X” por cento através de fundos.Por exemplo, veja a taxa rodoviária. Neste momento os municípios não beneficiam da taxa rodoviária porque é geridaa 100% através das estradas de Cabo Verde. Neste momento os municípios não recebem nenhuma contrapartida do fundo rodoviário, é se o Instituto de Estrada quiser assinar com a câmara que quiser contratos-programa é que assina.

"Não é justo que o Instituto de Estradas assine contratos quando entender para que a câmara possa reparar as estradas. Por isso que a maior parte das estradas dos municípios estão esburacadas."

Então considera que em relação aos fundos o país está a andar para trás?

Exatamente, andamos para trás. Neste momento com a transformação do Instituto de Estradas em empresa pública, essa receita ficou 100% lá para depois se discutir. E como é que tem vindo para os municípios, é através de contratos programa que assinam quando querem, depende da vontade de quem lá estiver. Por isso eu defendo que essa receita sendo cobrada nos municípios devia ser “X” municipal e “X” devia ser de âmbito nacional para a recuperação das estradas a nível nacional. As estradas que os carros percorrem não são apenas estradas nacionais, são também municipais. Então como é que nós deveríamos dividir isso? No território veríamos qual é a percentagem de estradas que são nacionais e qual a percentagem de estradas que são municipais e com base nisso dizer “olha, essareceita por cada “X” escudos que eu cobro por cada litro de combustível,e proporcionalmente uma percentagem ia para as câmaras para se poder reparar as estradas municipais e outra para o instituto de estradas para reparar e intervir na melhoria das estradas nacionais.

Não é justo que o Instituto de Estradas assine contratos quando entender para que a câmara possa reparar as estradas. Por isso que a maior parte das estradas dos municípios estão esburacadas. O fundo do ambiente e o fundo do turismo têm regras, mas o fundo rodoviário não tem diretivas e as câmaras não sabem como podem aceder a esse fundo. O fundo é dirigido diretamente por um conselho de administração que decide “olha vou apoiar São Miguel e não vou apoiar São Filipe, vou apoiar Praia e não vou apoiar Sal ou vou apoiar Sal e não vou apoiar Praia” e ali conhecemos a nossa realidade bipartidária e nem preciso lhe dizer que os municípios do PAICV têm visto muito de longe algum apoio disso. Nós assinamos no primeiro e no segundo ano, mas no terceiro e quarto não assinamos nada. Porque neste momento já não lhes interessa dar-nos dinheiro para reparar as estradas municipais. Às vezes municípios pequenos recebem 10 mil contos e municípios maiores como São Filipe recebe 3 mil contos, porque não há critério.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine

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