"Herdámos uma dívida pesadíssima na CM da Praia, mas estamos a preparar uma revolução a nível da gestão para sair desse estrangulamento"
Entrevista

"Herdámos uma dívida pesadíssima na CM da Praia, mas estamos a preparar uma revolução a nível da gestão para sair desse estrangulamento"

Entrevista exclusiva com o presidente do maior município do país. A crise política na Câmara Municipal da Praia, herança da gestão anterior, os desafios que tem pela frente e as contas de gerência. Francisco Carvalho fala de tudo e sobretudo da revolução que quer empreender a nível da gestão camarária de modo a recuperar a saúde financeira do município. Sim, porque segundo Carvalho "no momento derradeiro no período antes da eleição houve uma forte movimentação no sentido de esvaziar o cofre da Câmara. A Câmara estava muito endividada por um lado e, por outro, houve uma série de pagamentos astronómicos que foram feitos nos últimos meses antes das eleições e imediatamente depois das eleições". Esta é a primeira parte de um extensa entrevista com Francisco Carvalho. Na segunda parte, abordaremos a questão das construções clandestinas, saneamento, entre outros temas caros ao município da Praia.

Santiago Magazine - Está à frente da Câmara Municipal da Praia desde Novembro de 2020. É uma experiência nova. Quais são os principais desafios e constrangimentos que tem enfrentado até aqui?

Francisco Carvalho - Considero que o maior desafio na Câmara Municipal da Praia é em termos de mentalidades. Porque encontramos na Câmara uma forma de pensar enraizado. Partindo disso, deparamos com um conjunto de outros problemas e desafios.

Essa mentalidade traduz uma determinada ideia sobre o que é municipalismo em Cabo Verde. Ela traduz uma determinada ideia sobre qual é a primeira função de uma Câmara Municipal, como esta deve funcionar e qual é o seu papel na sociedade. Essa definição do que é o municipalismo tem sido o maior desafio.

Partindo disso, por exemplo, constatamos um grande desafio que é responder a essas questões: a Câmara Municipal deve existir para responder às necessidades e anseios de munícipes ou para dar respostas às necessidades e anseios de um grupo específico, não de toda a sociedade? O foco dos funcionários deve ser dirigido a quem? A todos os munícipes de forma igual ou de forma diferenciada? Isso é um grande desafio.

Os recursos que existem dentro da Câmara Municipal devem servir para quê? Para promover o desenvolvimento global de todo o município, para que possamos sentir que estamos promovendo igualdades de oportunidades para todos os munícipes ou deve servir para a promoção de um não desenvolvimento, mas uma evolução de determinados grupos em detrimento de outros que ficam para trás? Este é que é o grande desafio de fundo. A partir disso encontramos um conjunto de outros problemas permanentes no município da Praia.

- Esses desafios é uma acusação contra funcionamento e desempenho da Câmara anterior ou é apenas uma constatação circunstancial do Presidente de Câmara?

Temos notado uma narrativa de que a gestão anterior era uma grande gestão, uma gestão extraordinário. O que constatamos é totalmente ao contrário. A gestão do município da Praia ao longo dos últimos 12 anos tem sido danosa, temos vários elementos que a comprovam. É preciso clarificar os munícipes o que é uma boa gestão e o que é uma gestão danosa. Ao longo dos últimos 12 anos tivemos uma gestão danosa que foi vendida para fora como excelente. Muitos munícipes acreditaram.

- Essa gestão danosa que fala se traduz no quê em concreto?

O que aconteceu na Câmara da Praia não é um caso à parte, é fruto de uma perspectiva liberal da realização de gestão da coisa pública. Sublinho que um traço fundamental é utilização da Câmara Municipal, utilização dos seus recursos para promover o enriquecimento de grupos de interesses fora da Câmara. Isso é uma forma que temos constatado.

Estes usam recursos do Estado e transferem para enriquecimento de grupos e interesses de fora de Estado e sociedade enquanto todo e isso era o objetivo inicial. Um exemplo: A Câmara Municipal da Praia tem funcionários que são pagos todos os meses para fazer cobranças, entretanto contratam-se empresas para realizar a mesma cobrança e recebe certa percentagem por isso. Trata-se de uma forma de usar recursos de Estado para o enriquecimento de grupos fora da Câmara Municipal que fica cada dia mais pobre.

- Já disse por diversas várias vezes que não ouve passagem de pasta. Tem sentido dificuldades para engrenar na CMP?

A não passagem de pasta provoca um atraso na implementação de uma nova visão de gestão na Câmara. Normalmente, o antecessor deixa um conjunto de alertas para evitar perdas de tempo nos dossiês. Se o antecessor tiver o cuidado de sublinhar os pontos cruciais e identificar o que é determinante, e os pontos onde é preciso ter cuidado, ganha-se tempo. Com a omissão do nosso antecessor, fomos obrigados a mergulhar nos dossiês, tempo que deveria ter sido utilizado na implementação da nossa visão para o Município.

A não passagem da pasta tem um outro elemento que é crítico. É que você pensa já ter um certo conhecimento do município e de repente aparece um processo ou uma cobrança e isso perturba o normal funcionamento da instituição. Aconteceu já várias vezes. Temos um conjunto de processos de dossiês e cobranças que continuam a surgir, precisamente porque não tivemos passagem da pasta, que tem de ser um processo físico de entrega de um conjunto de elementos físicos e o mais importante de tudo passa a ser entrega de uns sublinhados, de resumos, de alertas e de chamadas de atenção que permite conhecer os processos todos de forma mais aprofundada e tomar medidas de forma antecipada.

De facto, a não passagem de dossiês como manda a lei é um problema democrático profundo. Na Democracia, depois das eleições ele é obrigatório é uma obrigação ética e moral, e um sinal de total respeito pela democracia, pelos resultados, pelo posicionamento de eleitores. A entrega condigna e correcta da pasta garante aquilo que é fundamental para Democracia, ou seja a continuidade do Estado depois das eleições, sem interrupções ou suspensão de Estado temporariamente.

Nós entendemos que não passar a pasta é um sinal extremamente preocupante e grave, que demostra claramente que temos um longo percurso a ser feito até atingirmos a maturidade Democrática na Sociedade Cabo Verdiana e no município da Praia particularmente.

- Procurou os serviços de tutela (Tribunal de contas, Inspeção geral de Finanças) para repor a legalidade alegadamente violada por seu antecessor?

É evidente que sim! Nós procuramos e pedimos ao Tribunal de Contas para realizar um trabalho de auditoria e recusaram o pedido. Pedimos precisamente porque o Tribunal de Contas é um pilar fundamental de Estado em Cabo Verde e é um pilar fundamental da Democracia. É preciso sublinhar de forma bem clara que o objetivo era fazer o retrato do município, ou seja, o objectivo pura e simplesmente obter um diagnóstico.

Não temos nenhuma perspectiva de perseguir ninguém ou perseguir qualquer Instituição. Nós consideramos que perseguição é perda de tempo, o mandato é curto de uma duração de 4 anos, pelo que deve ser aproveitado de uma forma mais positiva e mais produtiva.

- O que alegou o Tribunal de Contas para rejeitar o pedido da Câmara Municipal da Praia?

- A justificação era de que a Câmara não pode pedir e sim é o TC que decide de acordo com a sua planificação. É o Tribunal de Contas, conforme advoga, que decide e planifica para onde ir e não em função de um pedido da Câmara Municipal, o que é de facto muito complicado, sobretudo quando falamos da capital de Cabo Verde e da maior Câmara do país. E há vários estudos já feitos em que a Câmara Municipal de forma permanente aparece sempre no top três das Instituições mais corruptas do país.

- Disse em outra ocasião que encontrou uma pesada dívida na Câmara Municipal. Até que ponto essas dividas poderão comprometer o seu programa de governação?

- Herdamos uma dívida pesadíssima na Câmara da Praia. Inclusive no momento derradeiro no período antes da eleição houve uma forte movimentação no sentido de esvaziar o cofre da Câmara. A Câmara estava muito endividada por um lado e, por outro, houve uma série de pagamentos astronómicos que foram feitos nos últimos meses antes das eleições e imediatamente depois das eleições, Nós constatamos que este movimento foi propositado, porque demostra que houve um volume de pagamento superior comparado com o que foi feito durante todo o ano.

Só no período de dois e três messes antes das eleições, a anterior gestão camarária fez pagamentos equivalentes ao resto do ano, portanto um movimento claramente com a intenção de estrangular o funcionamento da Câmara Municipal.

Apesar de tudo isso, nós vamos conseguir fazer uma revolução em relação às dívidas. Aliás, vai haver revolução em várias áreas. Vamos introduzir inovações, porque desde o início o nosso posicionamento foi de inovar, revolucionar, cortar as más práticas e introduzir as boas práticas que têm sido utilizados m várias partes do Mundo.

Temos de pensar fora da caixa, temos soluções fora da caixa, totalmente inovadoras a nível da gestão, em relação às dívidas, etc., para que possamos ultrapassar todos os estrangulamentos e assim possamos implementar de forma cabal todos os nossos programas que previmos e que apresentamos aos munícipes.

Soubemos que do período das eleições de 25 de Outubro até à data de posse a Câmara cessante pagou cerca de 500 mil contos de dívidas acumuladas.

- Confirmou se esse montante é real?

Sim! É isso que estamos a falar e é este valor astronómico de pagamentos que foram feitos nos últimos dois/três meses, ou seja, antes das eleições até a tomada de posse. Estranhamente os pagamentos foram feitos depois das eleições e depois de os resultados das eleições terem sido publicados e conhecidos, mesmo assim continuaram a realizar os pagamentos de forma acelerada.

Dívidas

- Já agora, qual é a capacidade de endividamento da CMP?

-Nós encontramos uma Câmara altamente estrangulada e com dívidas astronómicas que nos complica a vida. Encontrarmos a Câmara com um volume de dívida que ultrapassa os 2 milhões de contos. Apesar disso, temos em marcha uma saída inovadora, uma saída que nos permitirá revolucionar essa situação altamente complexa que encontramos, para que possamos implementar programas de forma cabal para a satisfação de todos os munícipes.

- Em algumas ocasiões, falou em contratos lesivos aos interesses dos praienses. Quais são esses contratos e se referem a quê?

Por exemplo, criar uma empresa que funciona dentro da Câmara Municipal para venda de terrenos, enquanto a Câmara tem toda a estrutura que pode perfeitamente realizar esse trabalho. Não há necessidade de ter uma empresa criada dentro da Câmara que leva percentagem sobre vendas que são realizadas e fazer vendas de terrenos, não há necessidade nenhuma. Esta é sem dúvida uma medida lesiva dos interesses da Câmara Municipal e dos praienses. Um outro exemplo concreto: como é possível a anterior equipa camarária não equipar devidamente e não se estruturar como deve ser a Câmara Municipal para que possa dar uma resposta em matéria de saneamento e recolha de resíduos sólidos, mas contratam empresas fora da Câmara para prestar esse serviço? A população da Praia tem estado a aumentar e com isso aumenta o lixo, mas Câmara cessante não aumentou a capacidade de resposta. Isto é claramente um contra-senso e uma medida lesiva aos interesse da Câmara Municipal.

Outra medida lesiva é que a Câmara tem uma estrutura montada para realizar cobranças, mas abdicou dela para contratar uma empresa privada para fazer essas cobranças. Também, algo que é extremamente grave é que se há uma deliberação que fixa um determinado preço como é que dentro da Câmara pratica-se preços inferiores ao que foi deliberado, lesando a Câmara Municipal.

- O mercado do coco é um grande cemitério financeiro herdado da Câmara interior. Qual é o seu plano com essa obra?

É preciso esclarecer que há um relatório técnico que mostra que o mercado do Côco representa perigo para as pessoas que estão nela. Trata-se de um relatório que foi elaborado por engenheiros que dizem que seria uma grande falta de responsabilidade colocar pessoas lá dentro, pelo que estamos obrigados a demolir aquele mercado.

Na verdade, desde do início já sabíamos que o mercado não tinha condições, tem erros graves no processo de construção. Tenho que ser sincero, aquilo é um grande barracão de metal, nós assumimos de uma forma clara já que o projeto inicial e aquelo que existe hoje não tem nada a ver. Por isso, decidimos transformar o mercado do Côco num grande espaço verde para os praienses, pois é fundamental e de maior importância salvar aquele espaço que restou; é fundamental transformá-lo num espaço verde atrativo, convidativo, onde os munícipes podem ir passear, espairecer, fazer uma leitura, uma caminhada. Aí está mais uma revolução, nesse caso uma revolução que tem a ver com a criação de espaços verdes e uma revolução ambiental que vamos trazer para o município da Praia (o actual mercado do Côco e futura zona verde vai ligar com outro espaço e com a transformação do Parque 5 de Julho, que também vamos transformá-lo e devolver ao munícipes outra vez).

Temos neste momento um conjunto de serviços que estão a funcionar e vamos retirá-los e vamos construir lá dentro um único edifício que será a casa das associações aqui no município da Praia. Todos os outros espaços onde temos diferentes serviços a funcionar vamos transformá-los num espaço verde. O objectivo é criar uma mancha verde que começa no esqueleto do mercado Côco e vai prolongar e ligar com o parque 5 de Julho, Sucupira e a paragem dos Hiaces.

O que constatamos no município da Praia é que houve uma movimentação de todos os pedaços de terrenos que restaram para construir prédios em cima, uma transformação da Praia em grande floresta de concreto. Neste momento estamos a fazer um percurso inverso, recuperando espaços onde é possível salvaguardar e transformá-los em espaços verdes .

- Esse projecto que o presidente está a falar terá a ver com o projecto Praia Verde, em conjunto com a FAO?

Precisamente. É que Praia tem na forja um conjunto de iniciativas relacionadas com a questão ambiental. Herdámos um projecto denominado Green Cities (cidades verdes), que nos vai permitir apresentar projectos a nível da florestação urbana e peri-urbana. Vamos apostar na platação de árvores fruteiras, espalhadas por toda a cidade. Aliás, o projecto Green Cities já começou a ser implementado, nomeadamente a nível das intervenções feitas na Achada Grande Frente e na encosta do Liceu Domingos Ramos.
Mas a nossa ideia é expandir a arborização frutífera a toda a cidade e criar jardins verdes em todos os bairros. Ainda este ano vamos criar o primeiro parque ecológico de Cabo Verde, um projecto de grande importância que não se vai limitar a passeios, já que terá uma vertente pedagógico de sensibilização.

O parque ecológico da Praia vai ter, por isso, uma programação anual, em que todas as escolas (do pré-escolar ao 12º ano) terão oportunidade de levar jovens e crianças a estar em contato com a natureza e poderem conhecer de perto as plantas endémicas do país, saber quais são as plantas medicinais plantas . Mas não é só plantas, o Parque var ter exposição de diferentes tipos de animais de Cabo Verde, sobretudo aves.

No início desta entrevista falei que um os grandes desafios que tive pela frente quando cheguei à CMP foi a mentalidade. Ora, só conseguiremos fazer uma revolução em termos de mentalidade se pudermos sensibilizar, trazer exemplos e práticas concretas de modo a engajar as pessoas, desde crianças a adultos. O Parque Ecológico da Praia é um investimento pensado a longo prazo e com com esse tipo de aposta que conseguiremos, de facto, mudar mentalidades.

- Agora, voltando ao tema Mercado do Coco. No quadro do Orçamento Geral do Estado, o Governo anunciou no ano passado um financiamento de mais 350 mil contos para a conclusão da obra. Qual o posicionamento da CMP? As obras estão a decorrer?


Temos antes que reanalisar a situação do Mercado de Coco para podermos assumirmos um posicionamento sério e responsável sobre a paralisação das obras. Quer dizer, o nosso próximo passo em relação ao mercado do Côco é paralisar tudo de forma definitiva e dar início ao seu desmantelamento.

- E em relação às obras financiadas pelo PRRA? Consta que muitas dessas obras, herdadas da gestão anterior, estão paradas. O que se passa afinal?

Bom, é preciso sublinhar e destacar primeiro que logo após as eleições autárquicas, houve empresas que decidiram pura e simplesmente parar os trabalhos. Em nenhum momento esta Câmara pediu a qualquer empresa para parar os trabalhos ou suspender as obras.

Neste momento já entregamos ao Governo um conjunto de justificativos e devemos nos reunir proximamente para discutir precisamente em que pé se encontram os desembolsos desses justificativos. Isso também é válido para as obras do PRRA. Estamos à espera desses desembolsos para podermos dar continuidade às obras. Bom, devo sublinhar, por outro lado, que há outras empresas que já retomaram as suas obras, as quais decorrem dentro da normalidade.

Aliás, durante estes últimos meses temos estado constantemente a fazer pagamentos a empresas que não colocaram sequer um pedra de calçada. A nosso pedido, demos início a um processo de pagamento para ficar claro que respeitamos as dívidas que encontrámos na MP e que agimos de boa-fé e temos boa-vontade para lidar as empresas.

Até agora já pagámos cerca de 80% de dívida que encontramos e são dívidas avultadas. Por exemplo, empresas com dívida de 24 mil contos por receber da CMP foram liquidadas em 80 por cento, mas as com menor valor a receber já pagamos a 100 por cento. É uma forma também de mostrar como se gere o Estado, mostrar que respeitamos os contratos celebrados.

- Se há a possibilidade de algum desbloqueamento das verbas destinadas ao PRRA significa que as obras vão ser retomadas, pois não?

Sim. A ideia é retomar todas as obras de forma mais rapidamente possível.

Conflitos internos

- Nos últimos tempos a CMP parece ter entrado numa crise política sem saída aparente, envolvendo directamente o presidente e dois dos seus vereadores. Como é que está a gerir esse conflito?

Em relação a este assunto, há dois aspectos importantes a sublinhar: dentro das instituições é normal haver crises momentâneas, porquanto existem pessoas com percursos diferentes, concepções diferentes, próprio das relações humanas.

Por outro lado, ficou claro quais as reais motivações de fundo por detrás dessa crise. Veja, nós estávamos numa encruzilhada, em termos daquilo que assumimos para ser a Câmara Municipal da Praia.

Sempre defendemos que, após as eleições de Outubro, a CMP tinha que ser uma Câmara transparente, que pugnasse por princípios e valores muito claros. Este é o motivo por detrás dessa crise. Estávamos perante duas concepções distintas em termos de gestão da Câmara Municipal. Eu assumo o papel de guardião da Câmara Municipal de Praia, fui eleito para isso, para defender os interesses da CM e dos praienses e não para defender perspetivas individuais que apenas traga vantagens pessoais.

No fundo, estamos metidos num grande combate, em que temos de comprovar que é possível fazer política de forma correcta, exemplar. Temos de resgatar a crença na política, nos políticos e nos partidos políticos. Mas só resgataremos essa crença através de boas práticas na gestão da coisa pública. É isso que esteve na origem da crise na CMP. Nós optamos por defender a transparência, enquanto princípio, enquanto valor. Entretanto, tínhamos determinados elementos na Câmara que não se reviam nesses princípios. Felizmente, ficou claro para os praienses o que esteve em causa nessa disputa interna

- Que medidas de transparência de gestão os vereadores Samilo Moreira e Chissana Magalhães incompatibilizaram?

Há duas medidas concretas: primeiro tem a ver com criação da Unidade de Gestão das Aquisições. Decidimos, dentro da Câmara, que todas as aquisições, seja serviços, seja bens materiais, tem de ser objecto de concurso, não deve ser feita por escolha directa. Durante a campanha eleitoral acusámos a Câmara anterior de ter usado e abusado de adjudicações directas. Repare, a adjudicação directa não é uma prática ilegal, mas deve ser exceção.

Criticámos a gestão anterior, porque a adjudicação directa era a prática dominante, mais de 80 por cento das contratações efectuadas foi por essa via, ou seja, chama um amigo e lhe entrega uma obra.

O segundo motivo para a tal crise tem a ver com a melhoria da gestão da coisa pública, da gestão do dinheiro público. Ou seja, fazermos poupança nos gastos que a frota da CMP representa. Tem um peso grande no orçamento da câmara as despesas com combustível, e nós devemos encontrar todas as formas para reduzir gastos que seriam canalizados para investimentos lá onde terá impacto na melhoria da vida das pessoas.

Para além disso, há várias anos que a sociedade cabo-verdiana reclama da utilização indiscriminada de viaturas de chapa amarela. É uma crítica forte da sociedade cabo-verdiana que denuncia sempre situações em que viaturas do estado são vistos a circular nos fins de semana, na praia de mar, na porta de discotecas...

Daí a CMP ter decidido pela colocação de GPS nas suas viaturas para termos um melhor controlo nos gastos com combustíveis, além de garantirmos uma melhor gestão das viaturas da autarquia, tudo dentro de um quadro maior que é poupança para termos recursos disponíveis para investir onde tem impacto na vida dos praienses.

- Mas será possível ainda recuperar as relações com os dois vereadores descontentes?

Nós estamos abertos para recuperar tudo o que é bom nas relações com todos os vereadores da CMP, independentemente da cor partidária. Estamos abertos e temos todo o interesse que as relações entre o presidente e os vereadores sejam as melhores possiveis para podermos trabalhar para o desenvolvimento do concelho da Praia.

Há expressão muito utilizada que diz que nós todos somos poucos para a dimensão da tarefa que é promover o desenvolvimento do concelho da Praia. Precisamos de mais braços, mais cabeças, mais ideias, mais contribuições, mais engajamento de todos, sobretudo dos vereadores eleitos, mas também sociedade civil, ONGs, empresas, todos.

Estamos, portanto, abertos para trabalhar com os vereadores que entraram em confronto com a gestão da CMP, mas desde que se respeite os princípios de transparência, num quadro de boa gestão dos recursos do Estado.

- Numa conferência de imprensa a abordar este assunto, o senhor disse que foi eleito apenas um presidente e não nove. Estará a insinuar que há vereadores a querer disputar o poder consigo?

Tive necessidade de fazer essa afirmação, porque fui confrontado om interpretações diversas a considerar, por exemplo, que o presidente é mais um vereador como os outros, há sim necessidade de dizer que existe um presidente que foi eleito. É um sinal evidente de desconhecimento que o presidente em si é um órgão.

Quando somos confrontados com declarações de que a câmara tem apenas dois órgãos, a Câmara enquanto órgão colegial, e a Assembleia Municipal, temos sim de referir que há um terceiro órgão que é o próprio presidente da Câmara, conforme está definido nos Estatuto dos Municípios. O presidente tem poderes próprios para gerir, executar e representar a Câmara Municipal.

Nesta matéria sentimos um grande défice de participação da sociedade civil cabo-verdiana. Temos especialistas, ONGs, etc. com capacidade para opinar e posicionar em relação àquilo que aconteceu na CMP. Tivesse esse posicionamento, essa participação, esse debate seria mais esclarecedor para a opinião pública.

- Os dois vereadores desavindos denunciaram que o presidente da CM não se dá bem com as pessoas e que foi por causa disso que a vereadora Dúnia Duarte, que era número dois na câmara, pediu para sair.

A saída da vereadora Dúnia Duarte tem a ver somente com razões pessoais que a levou a pedir a suspensão do seu mandato. Não houve qualquer conflito, pelo contrário houve construção de engajamento no projecto de desenvolvimento da Praia.

Eu compreendi a sua necessidade para sair da CMP, é legítimo da sua parte. Não posso dizer detalhes da vida pessoal dela, sei que ela tinha motivos plausíveis para pedir a sua suspensão de mandato durante um ano. Espero que ela volte no fim desse periodo.

- Com a saída da Dúnia Duarte o senhor redistribuiu os pelouros e acabou desprofissionalizando os  vereadores desavindos e profissionalizando dois vereadores do MpD, seu adversário, a meio tempo, mas também atribui pelouros a todos eles. Em que pé se encontra esse processo?

Este é outro assunto que merecerá uma profunda análise. Atribuímos pelouros aos quatro vereadores do MpD, com proposta de profissionalização de dois deles, a meio tempo, e eles recusaram formalmente através de carta endereçada ao presidente da câmara. É uma questão que vou ter de retomar, porque é contraditório. Estamos a falar de pessoas que dizem ter grande amor para Praia, entram numa lista para serem eleitos vereadores e foram, dá-se-lhes pelouros e entretanto recusam.

A breve trecho, este assunto terá de ser profundamente analisado e merecerá uma tomada de posição, porque, tanto quanto sabemos, os pelouros não podem ser recusados. Esses vereadores do MpD, tal como todos nós, na tomada de posse fizeram juramento em como serviriam o município.

- Que argumentos apresentaram para recusar os pelouros?

- Um conjunto de argumentos, desde motivos pessoais a compromissos profissionais.

- Com esta recusa pode-se deduzir que não estão disponíveis para assumir os compromissos com o município.

Lá está. Em princípio os pelouros não podem ser recusados. E há a questão primária na política que é o princípio da coerência. É preciso referir isso, onde fica a coerência, a contribuição para a elevação da política e os compromissos com os eleitores? Quem jurou servir o município e os munícipes, quando for chamado não pode recusar essa missão.

- Por causa desta crise na CMP, muitos aventam a hipótese de a Câmara cair. Já pensou nessa hipótese?

Já ouvimos essa ideia da queda da Câmara. Estamos tranquilos, serenos e temos todas as condições para continuar a funcionar da melhor maneira possível. A queda da Câmara Municipal não é tão fácil assim. mesmo aqueles que estiveram a propalar que a CM iria cair já tomaram fé de que não será assim fácil.

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