“Um dos principais desafios prende-se com a necessidade de mobilização de recursos financeiros para financiar o desenvolvimento sustentável de Mosteiros”, começa desde logo por constatar Fábio Vieira, presidente da Câmara Municipal dos Mosteiros, que vai concorrer a novo mandato nas eleições deste ano. Neste exclusivo ao Santiago Magazine o autarca afirma que o atual estatuto dos municípios está desfasado no tempo e, como tal, precisa ser adequado. Mas, adverte, “o novo estatuto dos municípios não deve apenas se centrar na transferência de mais competências e poderes às autarquias locais, mas também contribuir para o aprofundamento da descentralização e do princípio de subsidiariedade”. Dos Mosteiros, quer um concelho moderno, que atraia investimentos, sobretudo de emigrantes, nos sectores-chave.
Santiago Magazine – Um político é um visionário, um sonhador e construtor do futuro. Desenha para os leitores deste diário o Concelho dos Mosteiros do futuro.
Fábio Vieria - Um Mosteiros moderno, desenvolvido, atrativo, competitivo, seguro, inclusivo e ambientalmente sustentávele com os melhores indicadores de desenvolvimento social e económico de Cabo Verde.
- Como é liderar um município como o de Mosteiros?
- É uma tarefa árdua e muito desafiante, por se tratar de um município de fraca base tributária e com enormes desafios de desenvolvimento. Tenho dito aos meus colaboradores que administrar um município com as caraterísticas de Mosteiros é administrar sobretudo impossibilidades. Portanto, somos desafiados permanentemente a (re)inventar soluções para responder às demandas contextuais, o que nos torna mais eficientes e eficazes na formulação e implementação de políticas públicas.
- Quais são os grandes desafios que enfrenta nesta empreitada?
- Um dos principais desafios prende-se com a necessidade de mobilização de recursos financeiros para financiar o desenvolvimento sustentável de Mosteiros. Apesar de Mosteiros integrar o rol dos municípios com melhores indicadores de desenvolvimento socioeconómico do país, de acordo com dados do INE, ainda nos confrontamos com vários desafios, nomeadamente (i) no domínio da habitação social, ainda lidamos com um elevado défice habitacional; (ii) no domínio da requalificação urbana, precisamos continuar a investir, no sentido de melhorarmos as acessibilidades e tornarmos o município mais atrativo e competitivo do ponto de vista turístico; (iii) no domínio da educação, há necessidade de requalificação de todo o parque escolar municipal; (iv) no domínio do desporto, a requalificação e modernização das infraestruturas desportivas constituem um imperativo de contexto; (v) no domínio das finanças locais, urge alargarmos a nossa base tributária, por forma a aumentarmos a nossa capacidade de arrecadação de receitas fiscais; (vi) no domínio da agricultura, a mobilização de mais água para a agricultura, a transformação de produtos agropecuários são estratégicos e impreteríveis para o desenvolvimento de uma agricultura que quer ser de mercado e de alto valor acrescentado para a nossa economia; (vii) no setor das pescas, o desenvolvimento da fileira das pescas pressupõe intervenções nos domínios da requalificação das infra-estruturas de pesca, formação dos operadores de pesca e introdução de barcos de médio porte para podermos aumentar a nossa capacidade de captura e gerar mais riqueza; (viii) em matéria do fomento da competitividade económica municipal, promovendo um ambiente de negócio que atraia investimentos privados, sobretudo dos emigrantes, nos setores-chave de desenvolvimento de Mosteiros.
- O que lhe dá mais gosto no exercício do cargo de presidente de uma Câmara Municipal?
- A oportunidade de servir as pessoas e de abrir novos horizontes e novas perspetivas de desenvolvimento do nosso município, que fomentam a transformação de Mosteiros num município moderno, competitivo, inclusivo, seguro e com oportunidades iguais para todos os seus munícipes.
- Já tem algum tempo na gestão municipal. Quais os pontos fortes e fracos do poder local em Cabo Verde, as suas oportunidades e impedimentos no contexto global do desenvolvimento do país?
- Todos estamos de acordo que o poder local constitui uma manifestação importante do poder democrático e uma destacada forma de gerir o interesse público em Cabo Verde, assim como deu um grande impulso para o desenvolvimento do país. No que concerne aos pontos fortes, ressalto a estabilidade político-governativa do país, assente num quadro jurídico-legal e institucional robusto que tem permitido, por um lado, a renovação das elites locais, através da realização de eleições autárquicas regulares, livres e democráticas e, por outro, o funcionamento das instituições. Relativamente aos pontos fracos, sou da opinião que a fraca capacidade financeira das autarquias locais, a falta de quadros qualificados nos municípios, bem como alguma instabilidade e picardia na relação entre o governo e os municípios, constituem, na minha ótica, alguns dos principais entraves para que os municípios cabo-verdianos cumpram cabalmente a sua missão.
Neste sentido, considero que uma efetiva aposta na formação e qualificação dos recursos humanos a nível das autarquias locais, o reforço da cooperação entre o governo e os municípios, o alargamento dos espaços de participação cidadã na vida pública do seu município, bem como o reforço da autonomia financeira dos municípios, através de um novo quadro de financiamento municipal, afiguram-se oportunidades estratégicas para a afirmação e consolidação do poder local em Cabo Verde.
Na atual conjuntura de governação do país, toda a confusão que se instalou sobre a natureza e aplicação dos recursos públicos e a paternidade das obras que são realizadas nos territórios municipais é, no meu entender, uma das maiores ameaças para a afirmação do nosso poder local, que se quer, cada vez mais, autêntico, forte, democrático e autónomo.
- Como avalia o processo de descentralização em Cabo Verde?
Na minha modesta opinião, penso que o processo de descentralização em Cabo Verde, não obstante alguns condicionantes, tem sido satisfatório, na medida em que tem promovido um quadro jurídico-legal e institucional salutar para o funcionamento da nossa democracia, bem como o desenvolvimento social e económico do país.
Contudo, parece que estamos todos de acordo da necessidade e urgência de aprofundarmos a descentralização, no sentido de superarmos algumas inconstâncias e acidentes de percurso e garantirmos um quadro de desenvolvimento mais justo e equilibrado do país. Toda e qualquer estratégia de descentralização deve ter como fim último a promoção do bem comum e a melhoria das condições de vida das populações.
E sou da opinião que as reformas que se impõem em matéria da descentralização devem sobretudo favorecer um quadro jurídico-institucional transparente, estável e previsível de parceria, ou seja, defendo que a relação entre o governo e os municípios deve ser institucional e nunca dimanar em função das cores partidárias ou do alinhamento político-ideológico.
- Está na forja um novo estatuto dos municípios. Considera que o atual modelo está ultrapassado?
Reconheço que o atual estatuto dos municípios está desfasado no tempo e, como tal, precisa ser adequado ao novo contexto social e político emergente e sobretudo aos novos desafios do mundo global. Portanto, o novo estatuto dos municípios não deve apenas se centrar na transferência de mais competências e poderes às autarquias locais, mas também contribuir para o aprofundamento da descentralização e do princípio de subsidiariedade, promover um quadro jurídico-institucional mais estável e transparente de relação entre o governo e os municípios, reforçar a autonomia financeira dos municípios, fortalecer a governança, gerando mecanismos de governabilidade que garantam uma efetiva participação de todos os stakeholders e, principalmente, dos cidadãos na vida pública do seu município.
- Tem sido quase consensual de que a questão do financiamento aos municípios é um grande problema ao processo de desenvolvimento do país. Que mudanças acha que devem ocorrer nesta vertente em concreto?
- É amplamente aceite que o desenvolvimento acontece nos territórios municipais, porém a fraca capacidade financeira dos municípios constitui o principal handicap para o seu desenvolvimento social e económico. Daí a necessidade e urgência de dotarmos as autarquias locais de um novo regime financeiro, que mais do que reforçar a autonomia financeira dos municípios, deve primar não só pela promoção de um quadro estável e de maior previsibilidade na transferência dos recursos consignados, com especial enfoque para o Fundo do Ambiente e o Fundo do Turismo, mas também pela diversificação de fontes de financiamento, aumento do FEF, criação de mecanismos de discriminação positiva para com os municípios de fraca base fiscal, promovendo, em última análise, uma efetiva descentralização fiscal ajustada à realidade macroeconómica do país.
- O município dos Mosteiros tem tido acesso aos recursos públicos que o seu processo de desenvolvimento demanda?
- Não.
- Porquê?
- Por um lado, porque os montantes disponibilizados são irrisórios e não chegam para concretizar investimentos públicos estruturantes para o município e, por outro, porque não há previsibilidade e muito menos concomitância temporal na transferência desses recursos, o que acabam por influenciar negativamente e condicionar o cumprimento das agendas e do programa de governação.
Na mesma linha de raciocínio, penso que se deve rever a lógica de repartição e alocação dos recursos públicos aos municípios, que do meu ponto de vista só têm contribuído para ampliar ainda mais as assimetrias, penso que se deve alocar mais recursos aos municípios de fraca base fiscal, no sentido de poderem realizar os investimentos necessários e inadiáveis ao seu desenvolvimento social e económico. Portanto, Mosteiros não só tem contado com muito pouco recurso deste governo para financiar o seu desenvolvimento, como também tem labutado com várias situações e tentativas de bloqueio do seu normal processo de desenvolvimento, que são do conhecimento público.
- Já agora, como avalia o comportamento do atual governo em relação ao poder local? É um relacionamento saudável?
- Tem sido um relacionamentomuito conturbado, tenso, tóxico e muito nocivo ao nosso sistema democrático. Estamos perante um governo que no discurso politicamente correto propala ser um governo amigo dos municípios, mas na prática faz tudo contrário, age com dois pesos e duas medidas, ou seja, com as câmaras do MpD desenvolveum modelo de relacionamento que visa incentivar e facilitar os processos governativos, enquanto com as câmaras lideradas pelo PAICV mantem um outro tipo de relacionamento, o de perseguição, ataque, bloqueio e condicionamento de processos de governação. Este modus operandi tem sido, a meu ver, um dos grandes entraves de desenvolvimento do país.
Por isso mesmo, defendo que a relação entre o governo e os municípios deve ser uma relação estritamente institucional, cujos fundamentos, princípios e valores em que se assentam esta relação devem estar plasmados na constituição e nas demais leis da república, por forma a evitarmos que o alinhamento político-partidário e ideológico interfira nesta relação que constitui, a meu ver, um dos pilares fundamentais para o bom funcionamento da nossa democracia.
- Sendo candidato a mais um mandato, qual é a sua maior motivação em continuar à frente dos destinos de Mosteiros?
- A minha maior motivação é continuar a projetar Mosteiros para novos patamares de desenvolvimento social e económico, elevando os padrões de qualidade de vida da sua população.
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