É psicoterapeuta de profissão, empresário e uma voz ativa na política cabo-verdiana e nos Estados Unidos da América. Sócio/gerente de uma empresa que trabalha com a inclusão familiar, tendo trabalhado na Aspire Health Alliance, uma organização sem fins lucrativos que lida com crianças e adolescentes que com problemas emocionais, comportamentais e de toxicodependência, seu nome está diretamente ligado ao ativismo social em prol da integração da comunidade cabo-verdiana radicada nas Terras do Tio Sam. Estamos a falar de Adriano Cabral, que em 2000 deixou Cabo Verde para seguir os estudos universitários e hoje levanta a bandeira de Cabo Verde numa luta pela inclusão, aceitação e igualdade dos crioulos nos EUA.
Santiago Magazine - Antes de tudo, fala-nos um pouco de si e de sua carreira. Quem é Adriano Cabral?
Adriano Cabral - Identifico-me como um homem cabo-verdiano, imigrado nos EUA e que através da profissão tem o prazer e a honra de ajudar as pessoas nas áreas da saúde emocional e social. Em Cabo Verde fui professor, formado pelo Instituto Superior de Educação, tendo lecionado por cerca de oito anos nos liceus de Santa Catarina e Domingos Ramos. Nos Estados Unidos também exerci a profissão de docente por mais dois anos. Quando vim para cá viver, eu tive de dividir o meu tempo entre trabalho e estudos. Estudei por oito anos até que concluí a minha licenciatura em Psicologia pela Bridgewater State College, hoje denominada Bridewater State University. Depois disso completei o mestrado em Psicologia e pós-graduação em Estudos Avançados em Saúde Mental pela Cambridge College e desde 2010, exerço como psicólogo clínico ou conselheiro de saúde mental. Desde 2015 sou diretor executivo da Inclusion Family Counseling Center, uma clínica de serviços sociais da qual sou um dos fundadores. Sou pai, esposo e faço serviço voluntário como minha contribuição na comunidade onde eu vivo.
Porque resolveu emigrar-se para os EUA?
É uma história longa, mas serei breve. Apesar de já estar a lecionar como professor, vi na emigração para os EUA uma oportunidade de apostar em mim mesmo, na minha carreira e no bem-estar da minha família. Vim para cá pela primeira vez, enquanto finalista do curso de formação de professores em 1996, fazer um intercâmbio de experiências na Anthioch College, no estado de Ohio. Vim com um grupo de outros 7 sete jovens finalistas. A experiência foi muito boa, e foi-nos prometido regressar para uma formação na área de ensino, ao nível de mestrado. O que nunca chegou a acontecer. Em 2000, após várias visitas aos EUA, e estando já a lecionar no liceu Domingos Ramos, decidi que seria o momento de tomar as rédeas do meu destino e vim para cá com o principal objetivo de continuar a tão desejada formação. E cá estou eu, em 2021.
Como foi a sua vida durante os primeiros anos nos EUA?
Bem, como tantas outras histórias muito cumum entre os imigrantes, foi muito difícil. Não foi fácil ter de conciliar a universidade e trabalho. Eu precisava estudar e manter-me economicamente, pois não tinha quem me apoiasse. Contudo, eu tinha ao meu favor o facto de dominar a língua inglesa. Daí que a minha adaptação foi acelerada, digamos assim. Após um ano, a minha família se juntou a mim nos EUA e vi-me obrigado redobrar os esforços para nos mantermos firmes e fortes. Mas eu me considero uma pessoa muito resiliente, pois aceitei os sacrifícios como um processo natural da minha decisão.
Formou-se em psicologia pela Bridegewtater State College. Porquê a escolha da psicologia?
Psicologia foi sempre a minha paixão. Eu acho que ganhei isso durante a minha formação como professor. A pedagogia envolve muita psicologia do ensino e do desenvolvimento da criança. Primeiramente, eu entrei na Bridgewater State College como estudante para a área de educação, pois era a minha intensão continuar a carreira de professor. Porém, logo após o meu primeiro ano na Universidade comecei a considerar a pssibilidade de residir nos EUA. Percebi que havia uma carência muito grande na nossa comunidade de profissionais na área de apoio socio-emocional. Comecei a trabalhar numa clínica e visualizei-me sendo muito mais útil a servir como um profissional neste ramo. Foi então que resolvi mudar de curso para Psicologia. Queria mesmo era ajudar as pessoas a lidarem com problemas emocionais e sociais sobretudo por causa dos problemas relacionados à integração.
É por causa dessa carência que resolveu criar nos EUA a Inclusion Family Counseling Center, uma empresa que trabalha diretamente com a inclusão familiar?
Para mim era exatamente um dos serviços que estava a faltar para uma comunidade com grandes carências de inclusão no ceio de uma sociedade com muitos desafios. Falo da comunidade imigrante. Nos meus primeiros anos nos Estados Unidos, enquanto frequentava a Universidade, trabalhei numa clínica como intérprete para cabo-verdianos. Percebi que a maioria destas pessoas tinham problemas de ordem emocional, mas faltavam-lhes profissionais que falassem as suas línguas e oferecessem o serviço de que precisavam. Na verdade, as clínicas prestavam serviços voltados para os falantes da língua inglesa, e não tinham, entre os seus quadros, profissionais com conhecimento da cultura e da língua dos imigrantes. Por isso, para a minha tese de mestrado fiz pesquisas exatamente voltadas para esta área de estudo, sobre problemas relacionados com a integração do cabo-verdiano nos EUA. Como conclusão, foram propostas algumas soluções, sendo que uma delas era a criação de serviços que fossem adequadas às necessidades específicas desta população, inclusivos e culturalmente sensíveis. Eu me propus então a iniciar este projeto e apresentei a proposta ao Estado de Massachusetts, atravêz do seu Departmaneto de Saúde Pública, que me exigiu apresentar as razões e as necessidades deste serviço naquela região e população. Não foi difícil porque eu ja havia estudado este grupo. Convidei alguns colegas cabo-verdianos, alguns deles juntarem-se a mim, e hoje somos uma equipa de 27 profissionais, a maioria dos quiais membro da comunidade cabo-verdiana.
Quer dizer que o centro trabalha diretamente com a comunidade cabo-verdiana radicada nos EUA.
Sim. Cerca de 70% a 80% dos atendidos pela clínica são de origem cabo-verdiana. Para além do inglês, os nossos profissionais falam o crioulo, espanhol, haitiano e português. Os nossos profissionais geralmente oferecem um serviço ao domicílio, nas escolas, na comunidade. Em 2020, apesar da pandemia que restringiu bastante a forma como trabalhamos, em torno de mil famílias cabo-verdianas procuraram os nossos serviços. Durante o ano passado, o Estado facilitou o processo e assim conseguimos oferecer serviços via tele-health (tele saúde numa tradução livre), através de videoconferência, para as famílias no seu ambiente e falando a sua língua. O programa foi desenhado desde 2007 e é supervisionado pelo Estado de Massachussets para atender a grupos diversos e mais vulneráveis em certas circunstâncias. Estes programas resultam de um estudo, através do qual o Estado de Massachusetts reconhece de que certas familias tinham alguma barreira em beneficiar de serviços que o estado oferece, por causa do estigma, nível de educação ou crenças. Após uma queixa contra o Estado, feita por um grupo de profissionais, mudou-se a forma de oferecer esses serviços sociais e de saúde emocional para as famílias. Isto é, os profissionais passaram a adequar os seus serviços, considerando os aspetos culturais, a pobreza, a educação, a dinâmica familiar. Daí que há uma grande parte da comunidade cabo-verdiana passou a beneficiar desses serviços, pela primeira vez. Falta muito para se fazer, mas vamos a passos largos e a conquistar novas famílias, que têm procurado e a beneficiado desses serviços, geralmente sem custo direto para elas. Com o objetivo de expandir para outras comunidades radicadas nos EUA, a clínica oferece incentivos para profissionais que falam outras línguas e aos que queiram formar-se nesta área. Apostamos ainda em programas educativos pela radio para sensibilizar pessoas que poderão precisar dos nossos serviços.
Como vê ou analisa a inclusão familiar dos cabo-verdianos nos EUA?
A inclusão do individuo e a familia é o nosso emblema. Partindo das evidências de que as famílias dos imigrantes são geralmente marginalizadas do sistema americano pelas circunstâncias óbvias: Tais as barreiras ou choques da língua, da cultura, dos valores, para além doutros problemas sociais como a pobreza e a dificuldade de acesso a bens básicos como a educação, a justiça, a habitação digna. São problemas que contribuem para a disintegração da familia, sobretudo entre a primeira e a segunda geração imigrante. Isto é, pais e seus filhos jovens nascidos aqui. Um elemento importante a considerar, tema cumum entre quase toda a familia de imigrantes, é a existência de uma brecha cultural entre estas duas gerações, que acaba colocando um risco crescente de problemas emocionais de toda a família, e daí resultam outros problemas como o insucesso escolar do jovem, desvios para a criminalidade, a replicação da pobreza e o sofrimento. Então, a nossa visão e o nosso trabalho é voltado para as questões de integração da familia com o sistema, apostando numa comunicação mais efetiva e oferencedo a elas meios, orientações, mediações, para se empoderarem a si mesmas e tornarem-se mais independentes.
Também foi psicoterapeuta no Aspire Health Alliance, uma organização sem fins lucrativos que trabalha sobretudo com crianças e adolescentes que lidam com problemas emocionais e comportamentais e uso de drogas. Fala-nos um pouco deste projeto e de seu trabalho voluntário.
Aspire Health Alliance é uma organização de serviço social onde eu ganhei a minha primeira experiência como terapeuta em 2009. Trabalhei por seis anos ali, enquanto ganhava mais experiência como terapeuta. Doravante, percebi em como continuava faltando uma visão e um programa mais pluralista e multi-étnico-cultural para uma comunidade como a nossa. Foi daí que eu parti para a criação da Inclusion Family Center em, 2015, que é uma clínica que oferece serviços terapeuticos mais sensíveis à nossa comunidade. Entretanto, Aspire Health Alliance presta serviços semelhantes à Inclusion Family.
Pode nos falar um pouco dos trabalhos que desenvolve nos EUA?
Sempre participei em atividades de carácter voluntário e comunitário desde a minha chegada nos EUA. Logo em 2001 estive ligado ao trabalho do empoderamento da nossa comunidade através de jornalismo, quando junto com o meu amigo, Alberto Pina, criamos o jornal online FORCV.com. O site serviu como ponte entre a diáspora cabo-verdiana nos EUA e na Europa com Cabo Verde, através da análise e divulgação de questões políticas e sociais. Um dos objetivos da página era unir cabo-verdianos espalhados pelo mundo à volta da nossa cultura, bem como em torno dos assuntos afetam diretamente a diáspora. O jornal dava grandes destaques também com às figuras da política cabo-verdiana através de entrevistas durante as suas visitas aos EUA. Por causa disso, fui convidado para ser membro de federação da mídia cabo-verdiana, uma iniciativa do promovida pelo Consulado de Cabo Verde em Boston. A organização, na minha opinião, falhou seus objetivos, e acabou por implodir, talvez por causa de fragilidades internas da organizacao e outras questoes ligadas a interesses individuais de membros. Mas voltamos a nossa atenção para política americana e, com a colaboração de Júlio de Carvalho e Agnelo Montrond, liderei dois fóruns cujo objetivo era estimular os crioulos a ter mais participação nas atividades políticas americanas. O primeiro encontro da comunidade cabo-verdiana com a classe política local aconteceu em Brockton e o segundo fórum foi realizado no Consulado em Quincy. Estes eventos, realizados em 2013, despertaram os cabo-verdianos para o seu importante papel no processo político nos EUA. Organizaram-se e deram vitória eleitoral a um candidato com forte ligação com a comunidade cabo-verdiana, o Bill Carpenter, que inclusive reconheceu que a sua vitória deveu-se à fortíssima participação dos cabo-verdianos. Aliás durante o seu mandato, ele manteve uma relação estreita com a nossa comunidade, convidando até muitos cabo-verdianos a participarem da sua dministração. Através de um convite vindo diretamente de Bill Carpenter fui membro da Comissão Para a Diversidade.
Adriano Cabral é uma figura presente na vida política, tanto americana como cabo-verdiana. Porque o interesse pela política?
O meu interesse por questões políticas é mais pelo empoderamento da massa, não necessariamente para o exercício de cargos políticos. Me sinto confortável ali, continuo a zelar pela ascenção dos cabo-verdianos seja Cabo Verde ou na diáspora, a sua integração social e crescente participação na vida política, influenciar as políticas públicas, etc. Nesta dinámica, eu sinto satisfeito. Temos hoje, três representantes da comunidade cabo-verdiana em cargos políticos, sendo que dois membros do Conselho Legislativo e um membro no Comité Escolar. Foram eleitos por causa duma importante participação dos cabo-verdianos no processo de votação. O candidato a Mayor 2019, posição semelhante à de um presidente de Câmara Municipal, não passou. Mas vamos continuar a ter mais candidatos nas próximas eleições. Portanto, a minha participação no processo político é, sobretudo, na organização da nossa comunidade no processo político e nas intervenções nas políticas públicas, onde eu vivo.
Para si, qual é o atual estado da Política cabo-verdiana?
Sem parecer pretensioso de que estou completamente ciente de toda a dinâmica da política cabo-verdiana, mas posso dizer que sigo com alguma atenção a vida política em Cabo Verde. Acho que a política cabo-verdiana caminha numa direção satisfatória se considerarmos a idade do país em ralação ao seu crescimento social e económico, liberdades individuais e as igualdades e justiça sociais. Ainda há insuficiências flagrantes, que carecem de um amadurecimento das consciências coletivas da população. Eu diria não somente da parte dos detentores do poder. Sem intensão de ofender, penso que o sistema e o povo cabo-verdiano ainda não estão amadurecidos no seu processo político. O sistema político não oferece meios adequados para permitir que a fiscalização do poder seja efectiva. O interesse da classe no poder está acima de tudo e de todos e a verdade é que a massa, aquela que realmente deve governar, ou não está preparada para o fazer, ou então se sente refém da classe do poder. De resto, acho que como país global, Cabo Verde tem uma perspectiva muito boa de crescimento, sobretudo se se aproveitar melhor todos os recursos que estão disponíveis de forma estratégica, como a contribuição imigrante. Os cabo-verdianos ainda vêm os seus emigrados como provedores de recursos básicos, como as remessas e apoio direto às famílias. Mas podem contribuir muito e não estão sendo aproveitados com inteligência.
Já cogitou alguma vez candidatar-se a algum cargo político em Cabo Verde ou nos EUA?
Não. Alguém já brincou disso, mas eu me sinto muito bem estando ao lado da massa. No contexto EUA, o processo democrático é mais participativo. O poder não está centralizado em um grupo muito restrito e a communidade é convidada a participar nas decisões de questões que lhes dizem respeito, ou as questões não são sempre necessariamente de natureza politico-partidárias, as leis são específicas quanto ao funcionamento e operacionalização dos orgãos de decisões, dentro de suas competências. Daí que mesmo não exercendo o poder político, as pessoas têm vozes durante o exercício do poder. Só para comparar, em Cabo Verde o processo de intevenção de políticas públicas é reservado a pessoas com cargos políticos, e o povo só participa de cinco ou quatro anos, durante as eleições, e é dispensado durante todo o processo de governação. Em certos casos, a narrativa e direcionada para uma dicotomia quase que absurda do tudo ou nada, partido A ou B, a favor a mim ou contra mim, etc. Sabemos que as coisas nunca funcionam assim. Faço um apelo à Comunicação Social cabo-verdiana a desempenhar o papel de influenciar o empoderamento popular.
Isso quer dizer que, caso for convidado por algum partido, daria um redondo não
Não tenho ambição de cargos politicos. Eu me sinto muito bem com as responsabilidades que tenho.
É figura do empresariado com representatividade no seio da comunidade cabo-verdiana nos EUA. O que isso representa para um emigrante, que vai para um país em busca de estudos?
Não me considero uma grande figura do empresariado nos EUA. Sou um individuo que imigrou nas circunstâncias parecidas com a maioria dos imigrantes, mas eu previligiei a educação neste país e que, enquanto isso, a iniciativa empresarial surgiu como uma forma de procurar soluções para problemas que eu fui encontrando. Eu uso a minha pessoa como modelo para os mais jovens que vou encontrando pelo caminho, incentivando-os a acreditarem em si mesmos. Servimos de ponte para os novos imigrantes, ajudando-os a se integrarem no sistema educativo. Eu faço parte de uma geração de imigrantes que não quer somente o dinheiro pelo trabalho duro. Uma geração de imigrantes, que começou sobretudo no início dos anos 2000, e que não foi para as fábricas ou foi transitoriamente, que escolheu ir para as universidades e hoje tem um emprego melhor ou participa mais ativamente no tecido económico dos EUA.
Pensa alguma vez investir em Cabo Verde? Se sim, em que área ou ramo de atuação?
Penso com certeza. Tenho uma visão muito boa para Cabo Verde e na hora certa eu irei procurar oportunidades para participar no desenvolvimento económico do meu país. Não queria restringir à minha área de actuação, mas se me perguntar o que eu poderia mais de imediato participar, diria no desenvolvimento de serviços profissionais em Cabo Verde na área do apoio socio-emocional. Gostaria também de, numa perspetiva filantrópica, colaborar com organizações com fins parecidos com a nossa.
A pandemia não poupou e nem poupa ninguém. Como tem lidado com esta crise sanitária? Tem afetado os seus negócios?
A crise, como é sabido afectou tudo e todos. Nos EUA, as mortes superaram quase todos os países. A comunidade cabo-verdiana sofreu bastantes perdas de vidas, empregos, crise de habitação e poder de compras, juntamente com outros problemas da saúde mental, violência doméstica, etc. Por sermos uma empresa de saúde mental, os nossos serviços não foram descontinuados, e estivemos sempre presentes na vida de muitas pessoas atrevessando estas dificuldades. Como empresa, a pandemia nos afetou mais no sentido da nossa adaptação às novas circunstâncias, mas continuamos a progredir e a ajudar as pessoas regularmente.
E no que diz respeito a saúde mental, já que trabalha diretamente com pessoas sofreram alterações comportamentais decorrentes da pandemia?
Pois, o hábito e a forma viver, de trabalhar, de relacionar mudaram. Pessoas perderam entes queridos e não podem dar ou receber um abraço aos amigos e familiares. Pessoas despediram-se um do outro no dia que foram fazer testes e nunca mais se viram. Pessoas continuam sem poder visistar um ao outro. Isto é verdadeiramente traumático para além da constante ansiedade dos riscos que continuam presentes. Nós estamos aqui para fazer a nossa parte para não só nos proteger a nós mesmos e às nossas famílias, mas também cuidar de pessoas que passam por dificuldades enormes. Os nossos profissionais encontram-se com as familais regularmente, na maioria por videoconferência. As pessoas estão vivendo uma verdadeira crise de saúde emocional e económica. Neste momento servimos cerca de mais de 200 familias e a pandemia é o fator central.
Em Cabo Verde, a pandemia levou muitas famílias ao desemprego e consequentemente, espera-se que índice da pobreza venha a elevar-se muito nos próximos anos. Como o nosso país deve agir para apoiar psicologicamente estas famílias?
Olha, eu sempre acredito que os cabo-verdianos são muito resilientes. Nós somos um povo que atravessou a fome, a opressão colonial, a desigualdade social e, mesmo assim, continua com um sorriso no rosto. Uma sociedade pequena como a nossa, onde as pessoas se comunicam com muita facilidade, medidas coletivas têm um efeito muito grande. O Governo terá um papel muito importante neste aspeto. Dar informações corretas à pessoas é muito essencial ou oferecer apoios básicos também serão necessários. Mas eu acredito que o governo actual contornará isto com sabedoria.
O que falta ao nosso país em termos de políticas voltadas à assistência e acompanhamento psicológico?
Cabo Verde carece de recursos para oferecer aos seus cidadãos todo o apoio emocional ou social que eles precisam de forma individualizada. Há setores em que os programas de grupo podem ser perfeitamente explorados. Cito como exemplo o apoio nas escolas ou programas pós-escolar, para judar os jovens a encontrar soluções durante o seu processo de desenvolvimento e fazer uma ligação entre escola e a famãlia. As famílias precisam de guias e de apoios para poderem orientar os seus filhos. O que eu penso é que o país precisa desenvolver programas extracurriculares de formação para a cidadania dos jovens através das instituições do ensino, das organizações não-governamentais ou comunitarias e que estejam ligadas a programas de socialização pelas práticas desportivas, recreativas, ou que disponham de técnicos como psicólogos ou profissionais afins. Vários estudos apontam que isto custa muito mais barato do que combater o crime e a pobreza. Mas há também a parte “clínica” do apoio, quando há patologias e problemas psicológicas. Há necessidade de serviços onde as pessoas podem procurar acompanhamento psicológico, por forma a superarem as circunstâncias difíceis, resolver os problemas de transtornos emocianais ou de desenvolvimento, e ou virado ao crescimento pessoal.
Enquanto cabo-verdiano, qual o seu maior sonho hoje?
Assim de repente, eu diria desenvolver um programa multicultural abrangendo 500 jovens radicados nos EUA ou mais, para promover intercâmbio com outros grupos de jovens em Cabo Verde. Eu sei que Cabo Verde tem importado problemas dos países onde os cabo-verdianos estão emigrados, como os EUA. Isso quer dizer que muitos dos nossos jovens que não foram bem sucedidos nos EUA, acabam por regressar a Cabo Verde precisando de ajudas ou, até mesmo, levando problemas para lá. Acho que precisamos desenvolver grupos de jovens que poderão contribuir com outros valores para desenvolvimento de Cabo Verde.
Para finalizar, em apenas uma frase, o que é ser um crioulo emigrantes?
Ser um crioulo imigrante é ser alguém que sai fisicamente de Cabo Verde, mas deixa a alma. E durante a caminhada nunca pára em busca de sua alma crioula, não importa o tempo que fique longe do seu país.
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