...é fácil de perceber que o Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro surgiu não para valorizar o mérito, mas para salvaguardar os tachos dos amiguinhos e compadres. Pois, senão vejamos: num concurso denominado público e externo, cujos métodos de avaliação e seleção são, normalmente, três etapas, após a Triagem curricular, ou seja, Prova de conhecimentos, Provas de avaliação de competências, motivações ou aptidões e Entrevista de seleção. Entusiasmado, o candidato prepara-se com rigor para a Prova de conhecimentos na esperança de ser o melhor dentre os candidatos. Mais entusiasmado ainda fica, quando vê que teve a melhor classificação, e claro, renasce a esperança de conseguir uma vaga no dito concurso. Do mesmo modo, segue a etapa seguinte e, com o mesmo rigor prepara-se para ter a melhor classificação e estar entre os melhores. Ora bem, não é assim que o nosso Decreto-lei determina. Pois, destas etapas todas, a que prevalece é a última, segundo o artigo 58º deste Decreto-lei: “A classificação e ordenação final provisória dos candidatos são efetuadas de acordo com a classificação obtida na aplicação do último método de seleção”.
No Programa do Governo da IX Legislatura, estipulou-se como modelo de governação “a realização de uma ampla reforma da administração pública” e “uma administração pública, eficiente, célere, simplificada, de qualidade, que premeie o mérito e os resultados alcançados e que tenha o foco nos cidadãos e nas empresas”.
I
De quando em vez quando surge um concurso público externo, sim quando surge, pois, quase todos os dias deparamos, no BO (Boletim Oficial), dezenas de funcionários que foram para aposentadoria e fica a sensação de que a Administração Pública ficou privada de recursos humanos, ou então estavam lá por causa do seu compadre que lhe fez um jeitinho e tinha que lá ir. Que remédio!? Não é tão mau assim, visto que no final do mês tinha uma gratificação. Mas qual é o problema, se eles supostamente entraram via concurso público? Sim, supostamente porque o esquema concursal está viciado ou manipulado. De quem é a culpa? Na hora de assumir a culpa não há muitos candidatos. É a velha expressão tão utilizada pelos cabo-verdianos, “é ka mi ou nka sabi”, pois aqui também acontece a mesma coisa.
II
Na tentativa de tornar o concurso público menos teatral e dando-lhe mais seriedade, já que os responsáveis não podiam mais ouvir tantas reclamações por falta de transparência desses concursos, eis que inventaram o Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro, com apenas único objetivo, enganar os cabo-verdianos. Sim, com este Decreto-lei, para além de não trazer mais transparência e privilegiar o mérito, trouxe ainda mais camuflagem, continuando a prevalecer o amiguismo e “compadrenhismo”.
Este Decreto-lei, com os seus extensos 82 artigos, é uma forma de fazer uma ilusão ótica aos leitores, na tentativa de criar impressão que foram analisados todos os itens a pente fino, ou então para dar espessura textual. Na lógica de, quanto mais extenso for o texto maior é a sua credibilidade. Mas não vamos entrar por este caminho. Nesta reflexão queremos apenas verificar a praticabilidade deste Decreto-lei nos concursos públicos promovidos pela Administração Pública cabo-verdiana.
III
O exercício que se faz da teoria para prática requer sempre grandes esforços e sobretudo serenidade e consistência. A materialização de um Decreto-lei é o objetivo fundamental para a sua realização. Do que vale escrever e não pôr em prática? Penso que não é o caso do Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro. De certo modo, está mesmo a vigorar a 100%, pois, está a materializar os seus densos artigos no que tange aos concursos públicos. Não é o nosso objetivo esmiuçar os 82 artigos deste Decreto-lei, mas apenas evidenciar alguns dos mesmos, para no final verificarmos se privilegiam ou não o mérito dos candidatos.
IV
Um concurso público externo, normalmente requer “obrigatoriamente” os seguintes métodos de seleção dos candidatos: Triagem curricular, Provas de conhecimentos, Provas de avaliação de competências, motivações ou aptidões e Entrevista de seleção. Segundo o Decreto-lei em análise, esses métodos são eliminatórios. Se realmente são eliminatórios é porque cada uma das etapas faz parte integrante do processo concursal. Tendo em conta o mesmo Diploma, a Prova de conhecimentos “visa avaliar os conhecimentos académicos e ou profissionais dos candidatos”, torna-se assim, um instrumento relevante no processo de seleção dos candidatos, até porque segundo o Diploma em estudo, é garantido o anonimato dos candidatos de modo a não influenciar no momento de correção das provas. Do mesmo modo, as Provas de avaliação de competências, motivações ou aptidões “permitem avaliar e comparar os diversos candidatos nas competências comportamentais, aptidões e motivações exigidas ou desejáveis para o desempenho da função”. Pois, consideramos este método mais subjetivo sendo que poderia ter uma ponderação menor em relação ao método anterior. Com isso, não queremos dizer que não seja importante no processo de seleção dos candidatos. Por fim, a Entrevista de seleção. De acordo com o nosso Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro, este é o método preponderante, menosprezando as outras duas etapas anteriores.
V
No artigo 44º nº 2 do Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro, afirma-se que “a entrevista de seleção é obrigatória e exclusivamente realizada pelo júri do concurso a todos os candidatos que reúnam o perfil mais ajustado ao que foi previamente definido, tendo sido pré-selecionados pelos métodos de seleção prévios”. Ora, nesta fase, pelo que podemos perceber, não se avalia os conhecimentos cientifico-profissional e nem os comportamentos dos candidatos, mas centra-se apenas naqueles que “reúnam o perfil mais ajustado”. O que se entende por perfil mais ajustado? O texto diz-nos que foi previamente definido. Por quem? Ah, talvez fosse pelo os dois métodos de seleção anteriores. Sim, porque para chegar à Entrevista de seleção é preciso aprovar nas outras duas provas anteriores. Não deixa de ser estranho ou mesmo injusto para com os outros dois métodos que antecederam este último.
VI
De facto, não se pode falar da injustiça, se pensarmos que este modelo de seleção é apenas para camuflar e enganar aos demais e dar livre acesso aos amiguinhos e compadres, privilegiando a mediocridade em detrimento de meritocracia.
Todo o processo de seleção é feito sob o anonimato dos candidatos, inclusive a Entrevista de seleção, isto segundo este Decreto-lei. Mas como é possível fazer uma entrevista presencial sob o anonimato? Confesso que não consigo perceber esta forma de anonimato entre duas ou três pessoas fechadas numa sala cara a cara…. Enfim! Partimos da ideia de uma Entrevista de seleção sob formato do anonimato. A pergunta é: porquê que este último método é que defina o resultado final? Como já vimos, nesta etapa não são avaliados os conhecimentos científicos ou legais, estes são para a Prova de conhecimentos que pelos vistos, para este Diploma, não conta para nada, ou seja, apenas para transitar de uma para outra etapa. Se contasse, talvez os compadres e amiguinhos não teriam muitas chances, tendo em conta que muitos deles talvez não tenham competências para lá chegarem. É por isso que muitos, quando lhes são dados esses tachos, vão para lá para fazer uma mão cheia de nada.
VII
Agora é fácil de perceber que o Decreto-lei nº 56/2019 de 31 de dezembro surgiu não para valorizar o mérito, mas para salvaguardar os tachos dos amiguinhos e compadres. Pois, senão vejamos: num concurso denominado público e externo, cujos métodos de avaliação e seleção são, normalmente, três etapas, após a Triagem curricular, ou seja, Prova de conhecimentos, Provas de avaliação de competências, motivações ou aptidões e Entrevista de seleção. Entusiasmado, o candidato prepara-se com rigor para a Prova de conhecimentos na esperança de ser o melhor dentre os candidatos. Mais entusiasmado ainda fica, quando vê que teve a melhor classificação, e claro, renasce a esperança de conseguir uma vaga no dito concurso. Do mesmo modo, segue a etapa seguinte e, com o mesmo rigor prepara-se para ter a melhor classificação e estar entre os melhores. Ora bem, não é assim que o nosso Decreto-lei determina. Pois, destas etapas todas, a que prevalece é a última, segundo o artigo 58º deste Decreto-lei: “A classificação e ordenação final provisória dos candidatos são efetuadas de acordo com a classificação obtida na aplicação do último método de seleção”.
De facto, isso parece contraditório ao próprio Diploma quando afirma que “… uma prova de conhecimentos é, como único método obrigatório, claramente insuficiente e ineficaz para assegurar a qualidade dos candidatos, pois outros fatores, como a avaliação das suas qualificações, competências e motivações, são métodos de avaliação mais adequados, e que fazem aumentar a qualidade do processo e seleção”
Ora, se o amiguinho ou o compadre tiver 10 valores na Prova do conhecimento e outros 10 valores na etapa seguinte antes da Entrevista de seleção, já tem praticamente um lugar garantido. Pois, só basta ter um mínimo exigido para passar a fase seguinte. É o que chamo da cultura de mediocridade. Aliás, isto contradiz o próprio Diploma no seu artigo 15º quando afirma que o princípio do mérito “visa necessariamente a escolha, pelo mérito demonstrado, do melhor candidato ou dos melhores candidatos”. Tendo chegado à Entrevista, que como já dissemos difícil percebê-la sob anonimato e, tendo em conta que esta se realiza presencialmente, o amiguinho ou compadre pode sair com a nota máxima, isto é, 20 valores. Dos 10 valores anteriores aos 20 valores, sendo que esta última será a nota final do concurso. Isso é dizer, “da besta ao bestial”. Como isso é possível? O júri simpatizou-se com o amigo ou compadre, ou já tinha indicações prévias para o beneficiar com a nota máxima? Porquê que não teve uma nota mais alta nas outras etapas? Ah, porque as outras Provas eram em anonimato, e para chegar ao menos aos 15 valores teriam mesmo que estudar a sério, como os outros candidatos que não são amiguinhos ou compadres.
Se analisarmos de outra forma, aí sim, poderíamos falar de uma injustiça. Imaginemos, de acordo com o que já foi exposto, um candidato que obteve 18 valores na Prova de conhecimentos e 15 valores na Prova de avaliação de competências, motivações ou aptidões, mas que por um infortúnio no dia da Entrevista teve 10 valores…. Podemos elencar várias razões por este facto. Pode ser até um simples nervosismo. Diante deste cenário, este candidato termina o concurso com 10 valores mesmo tendo nas etapas anteriores 18 e 15 valores respetivamente, ou seja, de nada lhe serviu as etapas anteriores que dependia exclusivamente do candidato. Sim, exclusivamente do candidato porque a Entrevista depende exclusivamente do júri, como o próprio Diploma salienta: “de todos esses métodos apenas a entrevista de seleção é da competência exclusiva do júri de concurso, reunido no seu plenário”.
Essa exclusividade do júri dá-lhe carta branca para escolher quem bem ele entender, independentemente da competência do candidato. Basta ser amigo ou compadre que o tacho será reservado.
Portanto, nos nossos concursos ditos públicos, de público não tem nada. Pelo contrário, são licenças para legitimar os tachos dos amiguinhos e/ou compadres.
Não subestimem a inteligência dos cabo-verdianos!
Transparência ou licenças para garantir “tachos” aos amiguinhos sob camuflagem do concurso?
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