A Câmara Municipal da Praia muitas vezes enxerga, mas não vê; ouve, mas não percebe; sabe, mas não fala. A Câmara Municipal da Praia precisa de um choque de realidade, para passar a ver e a enxergar, a ouvir e a perceber, a saber e a falar.
Uma parcela considerável de terrenos, situada em São Martinho pequeno, concretamente em Lém Dias, continua sendo chacinada por “predadores” que a assaltaram com construções clandestinas, entre as quais constam o deputado Emanuel Barbosa, para além de altos funcionários do Estado, oficiais da Polícia, jornalistas, entre outros.
São mais de 30 mil metros quadrados de terrenos ocupados com construção de casas, quintas e outros investimentos de luxo, na ausência de qualquer documento, seja licença de construção, título de propriedade, contrato de compra e venda, ou lá o que for. Nada! Tudo ao gosto do freguês…e á margem da lei e regulamentos.
A Câmara Municipal da Praia (CMP) sabe tudo, mas nada faz, tendo inclusive tentado abafar o problema, até que a 6 do passado mês de julho, Santiago Magazine publicou uma peça sob o título “Construções clandestinas em São Martinho Pequeno. Cumplicidade ou incompetência da CMP?”
Tal peça tinha por objetivo obrigar a CMP a tomar uma posição pública sobre este caso inédito e inadmissível num estado de direito.
Entretanto, até ao presente momento, nenhuma ação se viu ou se percebeu de que a autarquia capitalina tenha feito alguma coisa para repor a ordem, ou esteja sequer na eminência de fazer.
E esta inação da Câmara liderada até a semana passada por Óscar Santos, hoje candidato à sua própria sucessão, tem criado forte mal-estar na sociedade capitalina, abrindo espaço para muitas especulações, sendo certo que a equipa que há 12 anos vem dirigindo o município mais populoso do país, não goza de boa fama quando a conversa é a gestão dos terrenos na zona urbana e peri urbana da cidade e do concelho.
Neste quadro, muitas vozes, outras bem autorizadas, especulam que a CMP não tem tomado as medidas que se impõem, por causa de interesses e cumplicidades instalados, e aqui naturalmente o nome do deputado Emanuel Barbosa surge em primeira linha, qual não seja pelo seu duplo papel de político e legislador, logo, o primeiro a cumprir a lei e a dar o exemplo de lisura, ética e respeito pelas instituições da República.
Com efeito, muitos argumentam que a CMP esteja numa tentativa ilegal e antiética de proteger um deputado do sistema ventoinha, violando de forma flagrante a lei de solos, o código de posturas e demais regulamentos e planos de desenvolvimento urbanos aprovados.
Esses argumentários ganham cada vez mais força, quando se sabe que a CMP está na posse de um Acórdão do Tribunal de Relação de Sotavento, de 24 de julho de 2019, que dá provimento ao seu despacho de 31 de dezembro de 2018, no sentido de se demolir as construções clandestinas em São Martinho Pequeno. De notar que tal Acórdão acabou transitando em julgado na medida em que os visados não recorreram da decisão para instância superior, pelo que nada explica a inação dos responsáveis municipais.
Por outro lado, uma fonte municipal confidenciou ao Santiago Magazine, sob anonimato, que a CMP tem conhecimento de que os terrenos ora “assaltados” com construções clandestinas têm donos, e que inclusive esses proprietários têm cumprido com o pagamento dos impostos e taxas municipais anuais cobrados pelos serviços municipais de administração fiscal.
E mais! Muitos questionam, onde está a eficiência da CMP que em pleno estado de emergência foi tão eficiente e eficaz com as construções clandestinas do Alto da Glória, ao ponto de se socorrer das forças militares para fazer valer as leis e a autoridade municipal? A mesma Câmara que face ao acórdão do Tribunal de Relação de Sotavento, dando provimento à continuação das obras da praça de Palmarejo, impugnada pelo Partido Popular com apoio de um grupo de cidadãos, não esperou nem um dia sequer para retomar os trabalhos e cumprir a decisão judicial.
Na verdade, tudo indica que se está perante uma Câmara Municipal que usa pesos e medidas diferentes para situações análogas, criando graves problemas sociais e descredibilizando as instituições do estado.
Num estado de direito, onde em regra não pode existir cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, a CMP está impedida legal e eticamente de se fazer de surda e muda perante factos que conhece, sabe e vê, e que devem ser por ela, e só por ela, resolvidos e solucionados.
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