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A estatística ao serviço da propaganda
Entrelinhas

A estatística ao serviço da propaganda

A ideia do ministro da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social é evidentíssima, como noutro lado, já havia sublinhado o embaixador Manuel Rosa: criar a perceção geral de que o combate à pobreza está a ser um sucesso. No entanto, o estudo do INE oculta quantas pessoas foram, de facto, subtraídas à pobreza extrema e/ou absoluta. E a pergunta que nos ocorre é esta: quantas famílias o ministério do assistencialismo retirou da pobreza (extrema e absoluta)?

Vou citar a história de memória, mas aconteceu, mais coisa menos coisa, assim: um amigo do escritor brasileiro Ariano Suassuna, sabendo do seu receio em andar de avião, atirou-lhe com dados estatísticos comprovando serem raros os acidentes com aviões e gigantescamente superiores os acidentes de viação. Suassuna, usando da ironia que lhe era peculiar, assim lhe perguntou: quantas pessoas morrem por acidente de aviação e quantas falecem por cada acidente de viação?

Suassuna quis, dessa forma, relativizar o rigor das estatísticas e sustentar que o importante são os números reais. Isto é, a vida real.

Vem isto a propósito dos Resultados da Estimativa de Pobreza 2023, da responsabilidade do INE (Instituto Nacional de Estatística), tornado público, em conferência de imprensa, pelo ministro Fernando Elísio Freire.

Como Suassuna, tenho sérias dúvidas sobre a verdade factual deste e de outros estudos, as mais das vezes, parecendo ser de encomenda e ao serviço da propaganda do governo.

Estudos de encomenda

A ideia do ministro da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social é evidentíssima, como noutro lado, já havia sublinhado o embaixador Manuel Rosa: criar a perceção geral de que o combate à pobreza está a ser um sucesso.

No entanto, o estudo do INE oculta quantas pessoas foram, de facto, subtraídas à pobreza extrema e/ou absoluta. E a pergunta que nos ocorre é esta: quantas famílias o ministério do assistencialismo retirou da pobreza (extrema e absoluta)?

O argumento da crise pandémica, da seca e da guerra na Ucrânia tem sido recorrente para o governo justificar as dificuldades do país e as reiteradas promessas nunca cumpridas. Mas, neste caso, pese a crise tripla, Cabo Verde (segundo o estudo e o ministro), por um passe de mágica, teria ultrapassado na eficácia e nos resultados países da Europa, bem mais desenvolvidos, no combate à pobreza.

Alguém de bom-senso e não movido por fanatismo partidário poderá acreditar que tal seja possível?

Critérios e metodologia duvidosos

Para falsear dados e utilizar o estudo para fins propagandísticos é recorrente que, de estudo para estudo, os critérios e a metodologia sejam alterados, alinhando-os com as necessidades conjunturais do governo. E isso é bem evidente, o que não abona a imagem de uma instituição – o INE – que deveria pautar-se pela independência em relação aos poderes de plantão (seja este ou outro qualquer governo)!

O estudo, por exemplo, como, ainda – e muito bem! -, é sublinhado por Manuel Rosa, nada esclarece sobre a desigualdade social, isso, sim, um elemento verdadeiramente importante.

Ademais, as prestações sociais, contabilizadas, mais coisa menos coisa, em 219 escudos diários, em que medida poderão retirar da pobreza uma família? Alguém de bom-senso acredita ser possível?!

A mágica da descida do desemprego

Outro dado surpreendente, anunciado ontem, é que, ainda segundo o INE, o desemprego terá descido para 8,8 por cento (%), no segundo trimestre deste ano, correspondendo a cerca de 19.000 pessoas.

De novo, a metodologia do INE apresenta-se atamancada, já que este estudo considera empregado quem tenha 15 anos (ou mais) e exercido uma atividade económica por intermédio de um pagamento ou com vista a um benefício ou ganho familiar, em dinheiro, em bens ou em géneros.

Ou seja, qualquer pessoa que, no dia em que foi inquirida, tenha recebido por pagamento de um serviço, por exemplo, um quilo de batatas e dois quilos de pernas de galinha, é considerada empregada.

Além da desfaçatez, esta malta não tem mesmo a noção do ridículo!

 

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