A Procuradoria da Praia deduziu acusação, desde novembro de 2022, contra a antiga presidente do Conselho de Administração do INPS, Leonesa Fortes, o então administrador Antonino Nogueira e o advogado Amadeu Oliveira, na altura assessor na instituição, por crime de peculato por suspeitas de terem desviado 23 mil contos da Previdência, verba que em teoria era para pagar os serviços supostamente prestados por um advogado português, Luis Rodrigues, também arguido. Sucede que das várias pessoas envolvidas (indicamo-los neste texto) às quais Rodrigues enviou dinheiro para depois transferirem para as contas de Amadeu Oliveira e de Leonesa Fortes, o nome de Carlos Santos não consta em nenhuma parte do processo. O agora ex-ministro é suspeito de lavagem de capitais e o seu processo é da Procuradoria do Sal e não da Praia, dando a entender que se tratam de processos distintos. Contamos toda a história aqui.
A notícia de Santiago Magazine de que o ministro do Turismo e Transportes foi constituído arguido, que resultou no pedido de demissão de Carlos Santos do governo, vem suscitando reacções diversas, com alguns, confundidos ou mal-intencionados, a quererem juntar a investigação ao desvio de dinheiro no INPS ao actual processo que indicia o ex-ministro do Turismo e Transportes por lavagem de capitais.
Santiago Magazine foi investigar e conseguiu obter o processo relativo INPS e revela agora a gravidade deste caso e os envolvidos, assim como a sua relação ou não com o dossier Carlos Santos, que coincidência ou não foi constituído arguido por factos ocorridos entre 2014 e 2016, mesmo período em que as autoridades estavam a investigar Leonesa Fortes.
De acordo com o despacho de acusação (autos de instrução nº 08/2018/19), Leonesa Fortes, na altura PCA do INPS, Antonino Nogueira, então administrador, e Amadeu Oliveira, assessor, “planearam o desvio do montante de 215.439.00 Euros” da Previdência. “Os arguidos Leonesa Fortes, Amadeu Oliveira, Antonino Nogueira e Luis Rodrigues, em conjugação de esforços, visaram e conseguiram desviar e locupletar-se no montante de 215.439.00 Euros”.
Como aconteceu? Em 2001, os governos de Cabo Verde e de Portugal assinaram uma Convenção sobre Segurança Social, mas a Comissão Mista técnica para avaliar as despesas e o acerto de contas só viria a ser criada em 2008, através de um Acordo Administrativo, e já com Leonesa Fortes na gestão. Fortes entra como PCA do INPS em Julho desse ano e menos de dois meses depois contrata o gabinete de advocacia de Amadeu Oliveira para prestação de serviços, com uma avença de 165.000$00.
Segundo a acusação do MP, cuja magistrada titular foi a procuradora Killy Fernandes, a Leonesa Fortes “incumbiu o arguido Amadeu Oliveira a resolução dos diferentes dossiers pendentes, entre os quais a dívida decorrente da Convenção sobre Segurança Social acordada entre Cabo Verde e Portugal”.
Será nessa condição que Oliveira estabelece contacto com o Gabinete de Advogados – Dr. Luis Emílio Rodrigues, para as devidas démarches em solo lusitano. Pouco tempo depois, Antonino Nogueira foi nomeado administrador executivo.
Ora, diz o MP que a primeira reunião da Comissão Mista ocorreu em finais de Setembro de 2009, em Lisboa, tendo a parte cabo-verdiana sido representada por Marcelino Monteiro, administrador do INPS, Maria José Vera-Cruz, director de prestações e Rita Libânia Tavares, gestora das Convenções. Ali, chegaram à conclusão de que existia um crédito favorável a Cabo Verde no valor de 9.731.483,63 euros (quase 10 milhões de euros, cerca de um milhão contos).
“Em data não concretamente apurada, mas que se presume ser antes dos dia 8 de Setembro de 2009, os co-arguidos Leonesa Fortes, Amadeu Oliveira, Antonino Nogueira e Luis Rodrigues acordaram fazer deles parte dos 8.617.542,05 euros (equivalente a 950 mil contos) que o INPS recebeu em decorrência da convenção sobre Segurança Social”, revela a Procuradoria, acrescentando: “...engendraram um plano para apoderar-se e integrar no património deles a quantia de 5% de 8.617.542,05 euros. O plano delineado, após devidamente consensualizado, consistia em elaborar e simular um contrato de prestação de assessoria diplomática e de representação junto das autoridades portuguesas”.
Portugal transferiu para a conta do INPS esses 950 mil contos em Janeiro de 2012 e, após várias adendas e acertos, em Maio de 2014, o português Luis Rodrigues envia a factura a cobrar pelos serviços prestados: 2,5% do valor pago por Portugal, ou seja, 215.439 euros, mais de 23 mil contos (23.755.332 de escudos).
Dinheiro para lá e para cá
Assim, no dia 11 de Junho de 2014 o dinheiro entra na conta de Luis Rodrigues. Sete dias dias, 18 de Junho, Rodrigues começa a efectuar uma série de pagamentos para diversas contas em datas diferentes. Por exemplo, nesse dia o advogado português faz um pagamento cheque de 15.000 euros e horas depois Amadeu Oliveira depositaria na conta de Leonesa Fortes no banco Barclays, exactos 15 mil euros. Acto contínuo, Rodrigues, conforme consta do despacho de acusação, faria nesse mesmo dia 18 de Junho outro pagamento cheque no valor de 7.500 euros e horas depois Amadeu Oliveira depositaria 7.500 euros na sua conta no Barclay’s.
Luis Rodrigues faz no mesmo dia uma tranferência para a sua conta no Millenium BCP no valor de 25 mil euros, com a descrição “Sinal Comp Viv Murdeira IS”, montante esse que seria depois transferido para uma conta no BCP.
Dois dias depois de o dinheiro entrar na sua conta, Leonesa Fortes viaja para Lisboa e regressa dois dias depois, 23 de Junho. Enquanto isso, Luis Rodrigues emitia ordens de pagamento no valor de 35 mil euros a favor de Helena Maria Pereira Matos, como “sinal de compra de terreno lote nº 10, Alto Santa Filomena”, e outra a favor de Manuel Vaz Costa, como “sinal de adiantamento de pagamento de terreno”.
Rodrigues transferiu, no dia 3 de Julho, 28 mil euros para a conta de Ondina Abreu Baptista e no dia 8 ela transferiu 2.700 euros para a conta de Amadeu, diz o MP.
No dia 3 de Julho de 2014, Luis Rodrigues transfere 40 mil euros para Amadeu Oliveira, com designação “honorário Air Luxor Cabo Verde”. Oliveira receberia várias tranches, e também pagou 50 contos a Carlitos Fortes (irmão da Leonesa), com referência “Cred Carlitos Fortes” e 2 mil contos a favor de Aristides Dias Pereira.
Amadeu Oliveira, de acordo com o despacho de acusação do MP, adquiriu no dia 16 de Julho de 2014, por 5 mil contos, o título do tesouro designado CVOTEEOPJ008. Dois anos depois recebe na sua conta 2 mil contos com referência “Aquisição de obrigações”, mas que o MP cita como de proveniência desconhecida.
As movimentações e transações entre Luis Rodrigues, Amadeu Oliveira, Manuel Vaz Costa e Leonesa Fortes continuaram pelo menos até 2019, ano em que se dá início à investigação. Antes, em Fevereiro de 2017, seria depositado um cheque de 44.800 euros na conta de Leonesa Fortes no Bankinter, em Portugal, para “cartão de crédito único gold Free for Life”. E em Outubro recebe novo depósito, desta de 2.200 contos que coloca numa conta a prazo no BCN.
O mais caricato e até mais grave nesse imbróglio, é que, segundo a procuradoria da Praia, Luis Rodrigues, pivot da trama, “nunca prestou qualquer serviço de assessoria ao INPS, quer em Cabo Verde, quer em Portugal. No site da Ordem dos Advogados de Portugal não existe quaisquer registos da inscrição de Luis Rodrigues”, e tão-pouco existe um escritório Dr Luis Rodrigues e Associados.
Em todo o processo, em nenhum momento aparece o nome de Carlos Santos, agora ex-ministro. O MP deduziu acusação apenas contra Leonesa Fortes, Amadeu Oliveira e Antonino Nogueira por crime de peculato e ao Luis Rodrigues por co-participação em crime de peculato.
De referir que durante a investigação, a procuradoria ouviu dezenas de testemunhas com destaque para José Maria Neves, Madalena Neves, Marcos Oliveira, António Neves, Arnaldo Andrade Ramos, Orlanda Ferreira, Sidónio Monteiro, entre outros.
O MP, na altura, pediu Termo de Identidade e Residência aos arguidos, mas “com a alteração e republicação desse Código (CPP), aprovado pela Lei nº 122/IX/2021, de 5 de Abril, o TIR deixou de fazer parte do rol de medidas de coação pessoal, como se poderá constatar no artigo 272º do CPP”.
Carlos Santos de fora?
O processo relativo a Carlos Santos parece ter outra origem, tanto mais que só foi notificado na semana passada e por outras razões. É que, a investigação, ao contrário da do INPS, foi desencadeada na ilha do Sal e tem por objecto “lavagem de capitais”, crimes que os visados no caso INPS não incorrem.
Entretanto, coincidem no modus operandi e nalguns envolvidos: Amadeu Oliveira e Luis Rodrigues. Sim, como está no Auto de Constituição de Arguido e referido pelo próprio Santos na conferência aos jornalistas, ele terá recebido 25 mil euros de Luis Rodrigues e depois transferido para Amadeu Oliveira, situação que o ex-ministro achou normal.
Mas o MP alega, e está no ACA, que Carlos Santos recebeu os 25 mil euros e transferiu mais de metade para a conta de Amadeu Oliveira, que foi investir “parte desse dinheiro em títulos obrigacionistas junto a um banco nacional, o que lhe tem rendido bastantes juros, o que indicia a prática de crime de lavagem de capitais”.
Comentários
Casimiro centeio, 1 de Fev de 2025
Muita confusão, esta relacionada com a movimentação de dinheiro e envolvimento de vários sujeitos.
O grave do nosso sistema de justiça é que passado pouco tempo, a gente fica sem o conhecimento do desfecho, tal como aconteceu com a célebre " MEGA -BURLA" dos terrenos do Estado, na Praia.
Tomara que este novo caso tenha o destino diferente !
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Joaquim carvalho, 1 de Fev de 2025
Afinal...a estória é outra e vou ter que fazer outro exercício, se se mostrar necessário.
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Zé P., 1 de Fev de 2025
Eu nunca entendi bem essa questão do Amadeu Oliveira, mas não aparenta ser nenhuma "virgem" em todos esses casos, caso vierem a se confirmar. Põe em questão se as suas acusações anteriores à justiça não são no fim, apenas, acusações interessadas de modo a 'justificar' possíveis ações judiciais contra ele como perseguição. Enfim, tudo muito estranho.
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