Mesmo com um elefante na sala (investigação a um ministro por suposto envolvimento num alegado homicídio que decorre no Ministério Público) o Governo e o MpD descontraidamente bebem chá e deixam o animal à solta, com a desculpa de que se trata de imaginação da imprensa. Não, não é ficção e os próximos dias irão provar quem anda a enganar os cabo-verdianos.
A táctica é antiga: ao mínimo ruído que ponha em xeque a suposta honestidade de alguma instituição ou pessoa que lhe é próxima, o Governo jorra garganta fora comunicados que, quase sempre, são uma mão cheia de nada. Apenas para deitar areia nos olhos dos cabo-verdianos e galvanizar “a boiada de serviço” (como diria Olavo Correia) nas redes sociais.
Hoje, o Executivo repetiu a dose vitamínica injectando-se a si próprio por meio de um comunicado de auto-ajuda que visa defender a honra do ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, envolvido numa investigação de um suposto crime de homicídio, mas sobretudo tentar safar-se deste imbróglio com vista a garantir a sua aparência idónea e honesta. Só que atinge outras esferas e aí é que o Governo, qual paráclito de Paulo Rocha, pode sair esturricado.
Para já, e isso é bem relevante, o comunicado não desmente a investigação. Pelo contrário, diz até que “espera que a verdade dos factos seja sumamente apurada, para que a suspeição não perdure e para que os responsáveis sejam devidamente punidos”. Entretanto, diz que “o primeiro-ministro mantém total confiança na pessoa do ministro da Administração Interna, dr. Paulo Rocha”, de resto, sua grande preocupação, quando em causa está a própria instituição Polícia Judiciária, onde o governante em referência era director-adjunto e agente operacional no dia em que Zezito denti d’Oru, tido pela judiciária como o autor material do assassinato da mãe da inspectora Kátia Tavares, em 2014, trabalho que teria feito a serviço de Paulo Pereira, condenado por narcotráfico no processo 'Lancha Voadora'.
Ou seja, é toda a instituição, ou melhor o grupo operacional criado na altura por Paulo Rocha para esse fim, que está indiciado da prática de “homicídio agravado”, investigação que corre seus trâmites no Ministério Público da Praia e que Santiago Magazine deu a conhecer no dia 28 de Dezembro, levando o PAICV a levar o assunto ao Parlamento na sessão de ontem, quarta-feira, 5.
Creio crer que se ficasse só pela investigação do jornal, o Governo continuaria mudo e calado, mas como o tema ganhou repercussão no debate parlamentar de ontem, o Executivo veio hoje emitir esse desajustado comunicado, que, mais do que defender o seu ministro, propõe-se avulsamente a atacar o órgão – Santiago Magazine – que deu a notícia, como, aliás, já o tinham feito os deputados do MpD, João Gomes e Emanuel Barbosa.
Este texto não liga aos epítetos dos dois pseudo-deputados (se o fossem estariam a defender o país e o povo que os colocou lá), surge em reacção à esdrúxula nota do gabinete do primeiro-ministro, tirada para gastar papel e tinta.
Todavia, embora vazio no sentido pedagógico, é assaz intimidador essa postura governamental, tanto para a liberdade de imprensa, quanto, e sobretudo, para o Estado de Direito Democrático, que fica profundamente beliscado.
Porque há uma investigação, assumida pela PGR, contra agentes da PJ por alegado homicídio agravado, mas que, sete anos depois, continua sem que ninguém tenha sido ouvido, constituído arguido ou sequer arquivado o processo, conforme descaradamente admitiu o Ministério Público numa reacção à notícia de SM.
Deprimente. Esconde-se o gato, mas o rabo dança forçosamente cá fora. Num Estado de Direito democrático, 'comme il faut', um membro do Governo da República deve sempre estar acima de qualquer suspeita, ou, dito de outro modo, não deve pender sobre si nenhuma suspeita, quanto mais relacionada com homicídio e cujo titular seja, por ironia, a tutela da Polícia Nacional.
"As acusações de Manuel Alves e Elias Silva, ambos antigos altos responsáveis da PN, hoje na reforma, são por demais graves para a imagem do país”, disse um magistrado ao jornal A Nação desta quinta-feira, 6, que aborda este assunto, com declarações de Paulo Rocha a negar ter estado na "cena do crime", mesmo havendo depoimentos de inspectores da PJ, ouvidos pelo MP, a dizer o contrário.
Enfim, o Governo esquece-se, pois, que a força do direito deve superar o direito da força, por isso dá início à descontrução do estado de direito democrático, cada vez que tenta desviar o cerne da questão apontando para “ligeireza e despudor” de uma notícia que, a seu ver, visa “atentar contra o bom nome e a dignidade do ministro da Administração Interna”. Santiago Magazine não acusa nem acusou o ministro Paulo Rocha, o jornal se limitou a noticiar a existência de uma investigação do MP em que o seu nome está envolvido. Atirar as culpas a este jornal é tentar achar o elo mais fraco, o bode expiatório.
O fim desta trama pode ser bem melancólico para o Governo, paráclito de Paulo Rocha.
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