O primeiro-ministro, descaradamente, insiste em atirar areia para os olhos dos cabo-verdianos, numa peregrina intenção de cegar mentes e camuflar verdades insofismáveis. Há um ministro suspeito de cometer crime de homicídio? Sim. Há um dilatado proteccionismo a esse governante? É claro e cristalino. E se o gato se manteve escondido com rabo de fora, agora a manta caiu e o bicho apareceu desaforadamente nu: O Governo admitiu processar jornais – Santiago Magazine e A Nação, cá de casa, e o jornal Tal & Qual, de Portugal – por noticiarem, novamente, que Paulo Rocha estaria ‘amarrado’ ao extermínio de um cidadão tido como mercenário.
Numa evidente tentativa de conter os estragos na sua imagem pública e internacional e, quiçá, evitar uma total erosão do Governo, o primeiro-ministro de Cabo Verde prefere atacar a imprensa. Não o disse em viva voz, mandou o seu ministro de Estado, Fernando Elísio Freire, assumir perante o mundo que o executivo não está para brincadeiras quando se toca no nome do ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, cuja fama fora de casa também já é de um suspeito de homicídio. Sim, agora, mais do que acções judiciais da Procuradoria Geral da República contra Santiago Magazine e A Nação, é o próprio Governo que, desprecavido de qualquer senso democrático, anuncia uma queixa contra os dois jornais e, pior, contra uma publicação portuguesa, o semanário Tal & Qual, que, interessado pelos acontecimentos no arquipélago, reportou o caso Zezito Denti d’Oru intitulando que um “Homicídio compromete Governo de Cabo Verde”.
Ou seja, as intimidações e mordaças ao trabalho jornalístico por parte do sistema vigente já extravasaram as fronteiras deste país e aterram com arrogo em Portugal, com a espantosa promessa do Governo de avançar com uma acção judicial contra o jornal Tal & Qual, agravando, paradoxalmente, a imagem internacional que tenta limpar… Com pano sujo.
Freire, em nome do Governo de UCS, e qual algoz da imprensa livre, veio a terreiro na quinta-feira, 12, afirmar que a reportagem do jornal português, republicada por Santiago Magazine e noticiada pelo A Nação, constitui um atentado à imagem e à credibilidade do Governo e das instituições como a Justiça e Polícia Judiciária.
“O Governo repudia o teor da notícia e reitera a sua confiança no Ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, nas instituições que compõem o sistema de Justiça cabo-verdiano, no seu funcionamento e na sua capacidade para a realização de Justiça”, disse o ministro de Estado e um dos vice-presidentes do MpD, reforçando que o Ministro Paulo Rocha nunca foi constituído arguido nesse caso, uma não-verdade, porquanto, após o encerramento compulsivo desse processo pelo Ministério Público, os familiares da vítima solicitaram uma ACP (Audiência Contraditória Preliminar) que coloca o governante, ex-director adjunto da PJ e ex-director da secreta cabo-verdiana, e que só não foi ouvido ainda porque a juíza seleccionada é mãe da sua filha, daí a magistrada ter pedido escusa.
“Paulo Rocha não esteve nem sequer indiretamente envolvido na operação de outubro de 2014. É uma mentira inventada por uns e repetida para ser verdade”, fez crer Fernando Elísio Freire, quando toda a investigação – de resto, revelada por este jornal e que motivou a fúria da PGR a ponto de abrir um processo crime por desobediência qualificada num caso que estava sob segredo de justiça – menciona o nome de Paulo Rocha como o arquitecto da operação.
Rocha até pode ser inocente, é trabalho da justiça apurar o seu suposto envolvimento ou não no alegado extermínio de um cidadão, seja ele, pessoa de bem, pilantra ou sicário. Mas antes, o ministro da polícia terá que responder judicialmente. E se é certo agora que está como arguido, custa acreditar que o Governo, que quer se parecer impoluto, continue a enganar aos seus – sim, apenas aos seus – que nada está de errado, reforçando cada vez mais o apoio pessoal e governamental a quem a justiça busca para saber como um indivíduo foi brutalmente assassinado pela Polícia Judiciária.
Em qualquer país que respeite os seus cidadãos, um dirigente político suspeito de qualquer crime, e ainda por cima mediatizado a ponto de corroer a imagem do governo internacionalmente (contagiando os que o apoiam) poria o seu cargo à disposição e se apresentava perante a Justiça na certeza de que está inocente. Paulo Rocha, verdade seja dita, nem sequer precisava ou precisa se esconder (desde que este escândalo rebentou, apareceu apenas para processar o director de Santiago Magazine, juntamente com ex-oficiais da PN, Elias Silva e Manuel Alves, e pedir uma indemnização de 8 mil contos), o Governo o mantém sob guarda e a Procuradoria-Geral opera como seu escudo.
Na Suécia, há alguns anos (2014), a ex-vice primeira ministra, Mona Sahlin, pediu demissão ‘apenas’ porque foi a uma loja e comprou umas barras de chocolate e um vestido com cartão de crédito do Governo a custo total de 35 euros, pouco mais de 3.500$00! A decência política é isso, tudo o resto é populismo e jogo de frique-fraque.
Pois bem, o Primeiro-ministro de Cabo verde dá sinais óbvios de que menospreza os cabo-verdianos – o Estádio Pelé, é paradigmático – quando, também ele, se resguarda atrás da cortina do poder para, qual manipulador de marionetes e fantoches, mover as peças para entreter o povo e afixa, sob sua directa protecção, o boneco danificado, desgastado por suspeições que ensombram o teatro com plateia internacional. Tudo para defender um único homem, Paulo Rocha. E se esta pedra lascar, lasca também o chefe do Governo.
É um caso raro, senão único: um Estado que hipocritamente se exibe como de Direito Democrático pode, afinal, ocultar supostos criminosos e erguer a lâmina da guilhotina sobre a cabeça daqueles que ousam, com transparência, rigor e ética, denunciar os podres do sistema – a imprensa livre. E tudo isso acontece em plena celebração do 13 de Janeiro, Dia da Liberdade e da Democracia! A que chegámos…
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