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Detenção do Boeing. TACV pode sofrer boicote internacional por violação da Convenção da Cidade do Cabo sobre devolução de bens móveis
Economia

Detenção do Boeing. TACV pode sofrer boicote internacional por violação da Convenção da Cidade do Cabo sobre devolução de bens móveis

A TACV poderá encontrar algumas dificuldades para voltar a efectuar voos internacionais no imediato devido a eventuais sanções por causa da retenção pelo Governo do Boeing 757 fretado à Icelandair, perspectiva o site especializado em aviação civil, aeroin.net. Em causa a violação da Convenção da Cidade do Cabo sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis que obriga a devolução de bens móveis, como aviões, mesmo em situações de Recuperação Judicial ou nacionalização.

O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, já tinha avisado que o processo de detenção do Boeing 757 era irreversível. De facto, depois de "confiscar" a aeronave o Executivo tratou também de iniciar o processo de nacionalização da Cabo Verde Airlines, revertendo a favor do Estado os 51% (das acções detidas pela Loftleidr Icelandic, do grupo Icelandair, dissolvendo os corpos gerentes. Mais, até já mudou o nome da companhia outra vez para TACV, mandando alterar no Boletim Oficial de 30 de Junho passado a resolução de 16 de Fevereiro, em que autoriza a Direcção-Geral do Tesouro a conceder um aval à CVA – Cabo Verde Airlines para garantia de um empréstimo bancário de emergência junto à Caixa Económica de Cabo Verde. Isto é, esta alteração visou apenas mudar a denominação legal da CVA para o nome Transportes Aéreos de Cabo Verde SA (TACV-SA).

É com esse histórico nome e marca que o Governo pretende promover a retoma das operações comerciais da companhia de bandeira nacional. Só que há uma questão a levar em conta e que pode atrapalhar os planos do Executivo. É que, ao tomar à força o Boeing 757 que estava fretado à Icelandair por perda de confiança com o parceiro estratégico islandês Loftleidr Icelandic, o Governo violou a Convenção da Cidade do Cabo, que obriga Estados a devolverem bens móveis, como aviões, mesmo em situações de Recuperação Judicial ou nacionalização.

A Convenção da Cidade do Cabo sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis é um tratado internacional que visa ao estabelecimento de normas que confiram maior segurança aos credores em operações internacionais de financiamento de equipamentos móveis tais como aeronáutico, espacial e ferroviário.

Esta Convenção foi elaborada sob os auspícios do UNIDROIT - Instituto para a Unificação do Direito Privado - e foi concluída durante uma conferência diplomática realizada em 2001, na África do Sul, tendo entrado em vigor no dia 1 de Março de 2006. Actualmente, 43 Estados, além da União Europeia, são Partes Contratantes da Convenção, dentro os quais os Estados Unidos, a Irlanda e os Países Baixos.

A Convenção estabelece regras gerais relativas às operações internacionais de crédito nas quais o próprio equipamento vendido consiste na garantia da dívida contraída. E prevê, em seu texto, a adopção de Protocolos específicos.

Durante a Conferência Diplomática da Cidade do Cabo, foi igualmente adotado o texto do Protocolo à Convenção Relativo a Questões Específicas ao Equipamento Aeronáutico. O chamado Protocolo Aeronáutico, por sua vez, foi ratificado por 37 países, além da União Europeia.
Cabo Verde assinou esta convenção da ONU e poderá vir a sofrer sanções por possíveis violações, agora que fica evidente que a batalha entre o estado e o grupo islandês vai para o campo jurídico e, seguramente, irá atrapalhar os planos de retoma da companhia de bandeira nacional.

Fim de casamento

O rompimento das relações com a Loftleidr Icelandic partiu do próprio Governo que anunciou inclusive a detenção do Boeing, de matrícula D4-CCG, no aeroporto do Sal, precisamente no dia em que a companhia, com pasageiros a bordo, se preparava para retomar os voos internacionais 15 meses depois.

De início, fez-se crer que foi a ASA a impedir a empresa de levantar voo, supostamente por não pagamento de uma taxa de 180 contos referentes à segurança de passageiros. A CVA pagou mas não conseguiu descolar. Aí sim, se percebeu que quem ordenara a retenção da aeronave na pista do aeroporto Amilcar Cabral foi o próprio Governo, ao que tudo indica, por receio de o Boeing não regressar de Lisboa.

Na verdade, as relações entre o Governo e o grupo islandês já vinham se degradando faz tempo, com a Loftleidr Icelandic a "sequestrar" os três Boeings que estavam fretados à Icelandair nos EUA, acabando apenas uma das aeronaves - precisamente a que o Governo deteve no Sal - por regressar a Cabo Verde.

Em 2019, quando firmaram o acordo, os islandeses vieram com uma proposta bastante ousada, com renovação de frota (promessa de onze aviões) e o objetivo de transformar Cabo Verde num verdadeiro Hub do Atlântico, conectando a África às Américas e Europa.

No entanto, a proposta não avançou como esperado, parte devido à falta de rentabilidade e erros no plano comercial, somada às burocracias, mas também devido à pandemia. Com o Coronavírus (embora já antes estavam a fechar rotas deficitárias e a acumular prejuízos), as operações ficaram suspensas por 15 meses e apenas agora se ensaiava uma retomada. Isso também não prosperou com a briga entre controladores e o governo (acionista minoritário) e os bilhetes tiveram a venda suspensa por 14 dias, após o arresto de um dos aviões.

De matrícula D4-CCG, o Boeing 757-200 foi fabricado em 1990 e entregue para a Icelandair, que o subalugou para diversas empresas aéreas. Ele estava na Cabo Verde Airlines, mas já com pedido de saída para voltar à Islândia. Porém, o avião foi apreendido e a CVA, agora de novo TACV; vai ser reestatizada, sob a alegação de “interesse público estratégico e segurança nacional”.

“Neste momento o governo está a agir em nome dos superiores interesses de Cabo Verde. Em momento próprio, se houverem pontos que ficaram por resolver, serão anunciados ao país”, afirmara ministra da Presidência do Conselho de Ministros, Filomena Gonçalves.

Mas para o site aeroin.net, "o futuro da aeronave agora é incerto, já que praticamente não existe viabilidade para voos domésticos e a empresa pode sofrer boicote internacional por violar a Convenção da Cidade do Cabo, que prevê devolução de bens móveis, como aviões, mesmo em situações de Recuperação Judicial ou nacionalização".

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