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BestFly. Por que o Governo apostou numa empresa de jactos privados liderada por políticos e empresários angolanos condenados ou a braços com a Justiça por corrupção?
Economia

BestFly. Por que o Governo apostou numa empresa de jactos privados liderada por políticos e empresários angolanos condenados ou a braços com a Justiça por corrupção?

Está registada em Aruba, conhecido paraíso fiscal das Caraíbas, a empresa proprietária da BestFly Angola, uma sociedade que opera no ramo de transporte aéreo privado e que tem à cabeça políticos e empresários a braços com a justiça em Luanda por corrupção. O Governo angolano chegou inclusive a proibir operações dessa companhia num terminal militar porque temia que estaria a promover a fuga precisamente de algumas personalidades daquele país-irmão que estavam a ser investigadas pelo Ministério Público. Seis anos após a sua fundação, começou a operar esta segunda-feira, 17, em Cabo Verde, pela primeira vez enquanto companhia de transporte comercial de passageiros, por meio de um "contrato emergencial" com o Estado porque a antiga Binter CV estava (segundo o Governo) para sair... mas não sai (de acordo com a Binter). Quem ganha com este falso "contrato de emergência"? Saiba mais.

De repente, o país foi "surpreendido" com um anúncio, vindo do próprio Governo, que a Transportes Inter-ilhas de Cabo Verde (TICV), antes registada com o nome Binter CV, ía deixar de operar nas ligações aéreas inter-ilhas. Mas antes mesmo de os cabo-verdianos entrarem em pânico, o mesmo Governo, na mesma nota informativa, tranquilizaria o país garantindo que havia encontrado, em tempo recorde, um substitituto para assegurar toda a ligação inter-ilhas por via aérea. O contrato é de emergência e é válido por seis meses.

Afinal, quem está por detrás da BestFly, a companhia que até final do ano, sensivelmente, tem a responsabilidade de unir o país através de voos comerciais regulares?

Os accionistas

A página da BestFly na internet é nula em informações sobre voos comerciais já realizados pela companhia angolana, pior ainda sobre quem são os donos da empresa. Mas os sites online Maka Angola e Kwanzanews, bem conhecidos por denunciarem o regime político angolano sob a batuta do MPLA, informam que a BestFly tem como accionistas Mário Palhares, PCA do Banco Internacional de Negócios (BNI, onde estava com o ex-chefe de Estado das Forças Armadas, João de Matos, com ascendência cabo-verdiana), Lourenço Duarte (atráves de seus filhos gémeos), testa de ferro de Silva Cardoso, Ministro de Estado e Chefe Casa Civil, e Augusto Tomás, ex-ministro da Finanças e depois dos Transportes, entretanto, detido em 2018 e condenado a 14 anos de prisão, segundo a Voz da América, por "peculato, associação criminosa, abuso de poder, violação das normas de execução do plano do orçamento, participação económica em negócio, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagem e compulsão", informação também divulgada pelo Correio da Manhã de Portugal.

Palhares (na foto), que é actualmente marido da advogada cabo-verdiana, Teresa Teixeira, (recebidos e publicitados pela Presidência da República), também estava ligado, enquanto sócio, ao Banco Português de Investimentos (BPI), outra vez juntamente com João de Matos, um banco que, segundo se sabe, funcionava na Praia sem relatórios financeiros anuais e só com uma caixa postal, sem balcão, sem nada.

"Existem gastos ilegais superiores a três milhões de dólares em fretamentos de viagens com a empresa de aviação aérea Bestfly. Trata-se da empresa de jactos privados associada ao próprio Augusto Tomás, que integrava o consórcio da nova sociedade de aviação fantasma que João Lourenço travou no início do seu mandato. Obviamente, este é um mero exemplo de dinheiros gastos em empresas de amigos, violando flagrantemente as regras orçamentais", escreveu, em 2018 o Maka Angola, num texto intitulado "A farra de Augusto Tomás".

Só que o problema da BestFly, criada em 2016, não termina aqui, isto é, nos seus supostos accionistas. Teria um propósito, segundo o governo angolano: tirar de Angola os empresários e políticos envolvidos em redes de corrupção e que estavam a ser investigados na altura e posteriormente condenados por diversos crimes relacionados com associação criminosa e lavagem de dinheiro. Como consequência, João Lourenço, presidente de Angola, proibiu toda e qualquer operação da BestFly em terminais militares, com receio de que estariam a preparar a fuga dessas personalidades do mundo empresarial e político desse país.

O artigo do makaangola.org sobre Augusto Tomás, um dos supostos donos da BestFly, levantou o véu desse grupo que, anos a fio, vinha delapidando o dinheiro dos angolanos: "O crime continuado consiste na prática repetida do mesmo crime. Por exemplo, o facto de roubar uma maçã todos os dias pode ser encarado como um crime continuado, ou então trata-se da prática de vários crimes, um por cada dia. A moderna doutrina penalista prefere adoptar o conceito de crime continuado para estas situações, o que permite aplicar apenas uma pena única, mas evita prescrições (impunibilidade por ter passado muito tempo). Esta acusação tem a particularidade muito interessante de enquadrar vários comportamentos não no Código Penal, mas na mais recente legislação referente a crimes económico-financeiros, como a Lei da Probidade Pública (2010), a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais (2011) e a Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento (2014). Leis deste século e não do século XIX. Por esse facto, é de aplaudir a evolução do Ministério Público (MP), que no passado revelou dificuldade em lidar com estas novas realidades jurídicas".

Eles, os três accionistas mencionados terão registado a empresa, com o nome de Jogo Aviation dba BestFly Aircraft Management, em Aruba, ilha das Caraíbas famosa por lavar dinheiro seja de que origem for. Aliás, no site da ch-aviation.com, que acompanha tudo o que se passa ao nível da aviação civil no mundo a BestFly aparece com esse nome registado em Aruba  e há um link que direcciona para a notícia do momento - a entrada no mercado cabo-verdiano, mas sem informação, apenas para comprar bilhetes, embora, se for ver a página, verá que a BestFly vende a ideia de que é uma empresa de manutenção de aviões e fornecimento de tripulação para voos privados.

BadFly

E eis então que chega a BestFly, como recurso de emergência para assumir a ligação aérea entre as ilhas do nosso arquipélago, em substituição da ex-Binter CV, actual TICV, empresa detida por accionistas espanhóis mas de direito cabo-verdiano.

O problema que salta à vista, e que ainda nenhuma autoridade se preocupou em explicar, é como chegar a acordo com uma empresa que em três dias começa a operar nas linhas domésticas, mas sem que se saiba, por via de uma inspeção aeronáutica, o estado do ATR, a equipa de tripulação e onde será feita a manutenção (recorde-se que a BestFly, antes de ser uma companhia de aviação civil se assume como empresa de manutenção e fornecimento de profissionais de cabine e assistentes de bordo).

Foi criada em 2016 para ser uma espécie de táxi-aéreo para clientes de luxo, mas a funcionar tudo dentro de Angola. Até agora operou como tal, se bem que, segundo uma notícia da Lusa repescada pela SIC, estava para integrar um consórcio que deveria garantir os voos domésticos em Angola em parceria com a TAAG. "À exceção da Sonair, trata-se, no entanto, de companhias aéreas que operam exclusivamente ligações aéreas dentro de Angola. Em Maio último foi anunciado, em Luanda, a constituição do consórcio público-privado para lançar a Air Connection Express, que pretendia garantir voos domésticos em Angola e que juntava, além da TAAG, precisamente a Airjet, Air26, Diexim, Mavewa e Air Guicango - que integram a lista negra da Comissão Europeia -, juntamente com a Bestfly e a SJL, algumas destas com relações a membros do Governo angolano".

Contrato de Emergência?

Independentemente de quem sejam os proprietários da BestFly, salta à vista o facto de esta companhia iniciar operações sem que a Aeronáutica Civil tenha inspeccionado o ATR posto hoje a ligar as nossas ilhas, quando, há bem pouco tempo, mandou deslocar os seus inspectores à Islândia para averiguar se o Boeing da Icelandair ao serviço da CVA estava em condições e só assim permitir o regresso do aparelho ao arquipélago, mesmo se tratando de uma aeronave que já conheciam.

O Governo não responde a estas e outras questões e os cabo-verdianos querem saber como é que se anuncia e se firma um contrato de emergência se a operadora que, bem ou mal, estava no mercado afinal não vai sair, como, de resto, informou a admninistração da TICV dois dias depois de o próprio Governo anunciar que iam abandonar as operações para justificar a entrada repentida e emergencial da BestFly.

No meio desta confusão, aparece um denominador comum: a CV Connect Services. Esta empresa, que tem à testa Màrio Almeida, ex-director da TACV, tinha firmado um acordo com o governo para assegurar as ligações aéreas inter-ilhas, mas na verdade foi a TICV a continuar com os voos. A seguir, em plena pandemia e com a TACV ou CV Airlines no chão, o Governo atribuiu à CV Connect Services a ligação internacional com recurso aos aviões da SATA, hoje comandado por Mário Chaves, que liderou a equipa do grupo Icelandair para reestruturar a TACV e preparar a sua privatização.

Agora, com a entrada surpresa da BestFly Angola, de novo é a CV Connect Services, que está por detrás da venda dos bilhetes, conforme noticia o jornal O País.

Mais: o Governo anunciou a saída da TICV do mercado, um dia antes de assinar um acordo com a empresa dos espanhóis, que um dia depois de saber que a BestFly Angola foi escolhida para assumir a ligação aérea inter-arquipélago, emitiiu o seu comunicado a dizer simplesmente que pretende continuar a operar no país - levaria muitos ao desemprego - e a desmentir o Governo sobre sua suposta saída. O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, da sua parte, admitiu a continuidade da TICV... mas sem Binter, ou seja sem os espanhóis.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine