A partir das 22h00 de Cabo Verde o mundo vai parar para assistir ao combate do século, entre o mega-campeão de boxe Floyd Mayweather, 40 anos, e o duro lutador de MMA Connor McGregor, de 29. O duelo poderá ser o mais lucrativo de sempre. Os bilhetes variam entre 1100 e os 63 500 euros.
Ainda o combate não estava oficialmente marcado e já era apelidado The Money Fight, pela expectativa de que pudesse bater todos os recordes de receitas jamais geradas por uma luta. A poucas horas deste inédito duelo entre um campeão de boxe e outro das artes marciais mistas (MMA), Floyd Mayweather espera embolsar algo como 300 milhões de euros, enquanto Conor McGregor se contentará com 84 milhões de euros.
A promoção da luta, baseada em grandes doses de provocações e insultos entre ambos - o chamado trash talking -, foi aguçando o apetite e aumentando a atração mediática do evento, que ameaça destronar os cerca de 555 milhões de euros do embate mais lucrativo de sempre, que terminou com a vitória de Mayweather sobre Pacquiao, a 2 de maio de 2015.
Mais do que algum título ou prestígio adicional, o que está em jogo é mesmo a oportunidade de ambos engrossarem a conta bancária. Segundo a revista Forbes, o património líquido do norte-americano é de 303 milhões de euros, enquanto o do irlandês é bem mais modesto: 30 milhões.
Apesar de a vendas de bilhetes ter tido um arranque em ritmo lento, deixando alguns milhares por vender até aos últimos dias - à entrada da última semana ainda restavam 7 mil, muito por culpa, claro, dos exorbitantes preços, que variam entre valores como 1100 euros e os 63 500 euros -, as notícias mais recentes dão conta de uma procura acentuada nas últimas horas.
Já em subscrições televisivas de pay-per-view, este McGregor vs. Mayweather já ultrapassou a fasquia dos 4,7 milhões, segundo dados da plataforma StubHub. Também as casas de apostas vão esfregando as mãos. Só em Las Vegas, calculam-se movimentos superiores a 60 milhões de euros. Em média, a vitória de Mayweather valerá 1,34 euros por euro apostado, enquanto o triunfo de McGregor renderá cerca de 4 euros.
O favoritismo do pugilista norte-americano é claro e Mayweather estica mesmo o desafio com a promessa de KO. "Este combate não chegará ao limite de doze assaltos", disse na chegada a Las Vegas. "Este combate não vai ser o mais difícil da minha carreira. Vou esmagá-lo. Veremos se o faço em um ou dois assaltos", ripostou o lutador de MMA, que será punido caso aplique um golpe à margem das leis do boxe. "Há uma multa, uma multa muito grande. Não me parece que ele queira perder cerca de 90% do seu dinheiro, ou até mais", afirmou o adversário, em recente entrevista a Jimmy Kimmel.
Num combate que extravasa as fronteiras do boxe e tem captado a atenção de milhões de pessoas em todo o mundo, foi permitida uma alteração no tamanho das luvas, que terão oito onças (226 gramas) em vez das habituais 11 (311 gramas). O pedido foi do lutador de MMA, habituado a luvas de quatro onças, e acedido pelo pugilista. Conclusão: os socos vão doer mais.
No derradeiro duelo da carreira, Mayweather espera retirar-se invicto, com um registo redondo de 50-0. Porém, o underdog McGregor tem a seu favor o facto de nunca ter perdido por KO ou por pontos: as três derrotas que sofreu no octógono foram por submissão, algo impossível de acontecer na próxima madrugada.
Mas quem são estes dois excêntricos campeões?
Floyd ‘The Money’ Mayweather
Arrogante. Dedicado. Excêntrico. Trabalhador. Louco. Obstinado. Fiel e infiel ao mesmo tempo. Exemplo de vida com uma vida que não deve ser exemplo. Garantem que vale por dois no ringue, dizem que é metade fora dele e agora surgiu um irlandês mais maluco a defender que nem a um quarto de homem chega. Floyd Mayweather cultiva amores e gera ódios, mas não passa ao lado de nada nem de ninguém. E faz o seu caminho.
‘Money’ é o seu nickname. Mas a vida deste americano de 40 anos, baixinho, de corpo definido e com cara de tudo menos de pugilista não tem o dinheiro como causa, é uma consequência. Uma não, 49: desde que se tornou profissional em 1996, depois de perder após uma polémica decisão as meias-finais dos Jogos de Atlanta, só soma vitórias. Tem o maior registo de sempre da história do boxe, empatado com Rocky Marciano. Dois anos depois da segunda reforma, volta aos ringues para chegar aos 50-0 e contra um durão lutador de artes marciais, Connor McGregor.
Nascido em Grand Rapids, Michigan, Floyd Joy Mayweather Jr. (que nasceu Floyd Joy Sinclair, o apelido da mãe) cresceu num ambiente familiar muito complicado, “salvando-se” muito por culpa da avó, que foi também a primeira pessoa a insistir que prosseguisse a carreira no boxe, após ter começado aos sete anos. Chegou a viver em Nova Jérsia com a mãe e eram sete pessoas num quarto que às vezes não tinha sequer eletricidade, além de ser uma zona perigosa onde havia frequentemente seringas no chão. Depois ia para casa da avó, quando havia chatice ia para a mãe, que era toxicodependente, a seguir voltava à avó. O pai, que estava muitas vezes ausente por também ser pugilista, foi preso por tráfico de droga.
Quando passou a lutar como profissional, tornou-se um dos desportistas mais ricos do mundo e nunca mais perdeu um combate. Em apenas dois anos, Floyd Mayweather ganhou 17 combates. Isso mesmo, 17, até se sagrar campeão pela primeira vez de peso-pluma.
Não ficou por aqui: nos nove combates seguintes, até ao final de 2001, defendeu esse cinto em oito ocasiões. A partir de 2002, Mayweather deixou apenas de defender o primeiro título conquistado e foi ganhando outros de diferentes categorias de peso. A 5 de maio de 2007, com 37 vitórias conseguidas, teve pela frente aquele que foi o primeiro adversário onde finalmente se acreditou na possibilidade de perder: Oscar De La Hoya, pelo cinto de campeão de peso médio. E conseguiu ganhar, não por KO ou TKO mas por decisão dos árbitros.
O americano anunciou que iria reformar-se por não ter mais nada para provar, regressou quase dois anos depois e passou a competir por objetivos de topo: manter títulos, ou ganhar mais. E ganhou mesmo. Mas aquilo que queria há anos era ter um combate com o filipino Manny Pacquiao, uma espécie de Mayweather de outra categoria de peso. O “impossível” aconteceu mesmo em maio de 2015 e, por decisão unânime, Floyd ganhou, no eu fora apelidado de Combate do século.
A nível de registo pessoal, esquecendo tudo aquilo que envolve um pugilista de topo (e aí Ali foi e continua a ser o maior de sempre), só existe alguém com o registo de Mayweather: Rocky Marciano que acabou a carreira sem derrotas e com 49 vitórias. Joe Calzaghe (46 vitórias), Ricardo López (51 vitórias, um empate) ou Edwin Valero (27 triunfos, todos por KO) também nunca perderam, mas 49-0 só Rocky Marciano (ou Rocco Francis Marchegiano, o seu nome) e Mayweather. Pelo menos até este sábado.
Mayweather tem uma mansão em Las Vegas avaliada em mais de oito milhões de euros, segundo o Wall Street Journal. Coisa pouca: são mais de dois mil metros quadrados com cinco quartos, sete casas de banho, uma sala de cinema e um chuveiro onde cabem 12 pessoas. Mas esta é apenas uma: também tem outra do género em Miami e prepara-se para comprar uma terceira.
Em cada uma delas encontra-se também uma frota de carros avaliada em mais de 15 milhões de euros, onde pontificam um Ferrari 458, um Bugati Veyron Grand, dois Bugatis Veyron, um Ferrari Enzo, um Rolls Royce Wraith 2014, Lamborghinis e Porsches. Ah, e comprou ainda dois jatos privados, que custaram mais de 50 milhões de euros – um para si com todas as comodidades e outro para os seguranças, porque como são grandes e pesados não os quer no avião dele, com medo que o mesmo caia.
Connor McGregor, o irlandês destemido
Connor Anthony McGregor não teve especial pressa em chegar ao mundo, mas quando o fez, como contou a mãe, Margaret, fê-lo de punho fechado. Era um punho muito pequeno, mas tornou-se a grande imagem de marca. A maior de todas. E ainda é, 29 anos depois.
Crumlin, um subúrbio de Dublin, é um local para duros. Ali ninguém ouve lamentos pelo que não se tem, porque as pessoas preferem dar graças pelo que conseguem ter. Mas houve um miúdo que quis ter mais. O mesmo miúdo loirinho com cabelo cortado à tigela que tinha brinquedos novos, jogos novos e bicicletas novas mas era “especialmente desligado”.
Jogou futebol no Lourdes Celtic Football Club. Sonhava tornar-se profissional e representar o Manchester United, mas desde miúdo que também percebia as limitações que estavam ali escondidas naquelas chuteiras enlameadas. Um dia, com uns 11 anos, foi apertado na rua por seis miúdos, alguns mais velhos. Ainda deu o primeiro murro, mas a seguir foi esmurrado e mais do que uma vez. E foi nesse dia que o seu “golo” passou a ser outro. Já antes tinha sido vítima de bullying. Hoje vai às escolas falar sobre isso.
Ao contrário do que se possa pensar, Conor nem era particularmente dado a lutas de rua. Sempre gostou de estar na sua, sem chatices. E sem rituais ou superstições, “essa coisa que só os fracos têm para esconderem o medo”.
O irlandês não teve propriamente aquela infância e adolescência com muitas privações. O pai chegou a prometer-lhe dez mil euros se continuasse a estudar e fosse para a faculdade. Não quis. Uma professora disse-lhe que tinha inteligência e capacidade argumentativa para se tornar num bom advogado. Entrou a 100 e saiu a 200. Tornou-se aprendiz de canalizador, com um salário para o mínimo. Foi nessa semana que saiu ‘O Segredo’ de Rhonda Byrne, o livro mais marcante da sua vida. Foi também nessa semana que entrou pela primeira vez no Straight Blast Gym, o ginásio do ainda hoje treinador John Kavanagh.
Quando fez o primeiro combate de sempre, já tinha deixado de vez o trabalho como canalizador: a 8 de março de 2008 venceu Gary Morris ao segundo round. Dois meses depois despachou Mo Taylor em pouco mais de um minuto. Dublin estava rendida a McGregor. Que voltou a ser Conor, o “menino da mamã”, a 28 de junho, quando perdeu por submissão frente ao desconhecido Artemij Sitenkov.
A 27 de novembro de 2010 voltou a perder, mas entretanto aprendeu que a derrota também pode ser o primeiro passo para as vitórias e esteve dois anos invicto com oito triunfos consecutivos. Seis foram no primeiro round, um com apenas 16 segundos de combate, outro com menos de quatro: o árbitro deu início, avançou para Paddy Doherty, deu-lhe um murro e acabou com ele. Começava ali a nascer o fenómeno.
“Ele é one in a million. Ele tem aquela coisa que não se consegue ensinar às pessoas, quaisquer que sejam as pessoas que gravitem à tua volta. Tem isso, mais do que qualquer outro lutador que alguma vez tenha visto. Ele consegue fazer acreditar-te em tudo o que ele acredita”, comenta hoje Dana White, o responsável pelo UFC há duas décadas. Pormenor: contratou McGregor de boca, sem nunca o ter visto lutar, apenas porque lhe diziam bem de um miúdo irlandês que brilhava nos octógonos. Mal sabia ele que estava ali o homem que iria fazer história…
Em 2012, o triunfo com Ivan Buchinger no Cage Warriors 51, que lhe valeu a revalidação do título de pesos leves que tinha ganho seis meses frente a Dave Hill, foi mais do que a prenda ideal para fechar o ano: foi a chave que lhe abriu outras portas. Mas se a vida lhe corria bem no ringue, fora dele estava desempregado. Surgiu então o convite para participar num evento do UFC em Estocolmo, no início de abril. Não tinha sequer dinheiro para isso e valeram-lhe os 188 euros semanais de prestação como rendimento social de inserção para a viagem e restantes despesas.
McGregor só voltaria a perder em março de 2016 frente a Nate Díaz (vingou-se do americano cinco meses depois e de certa forma limpou essa pequena nódoa no currículo). Foi o primeiro a ser campeão em simultâneo de duas categorias de peso distintas. E, em quatro anos, passou de alguém que tinha de ir levantar o subsídio de desemprego de 188 euros para ir trabalhar para uma estrela internacional que recebe milhões por combate, tem uma vida de luxo e vai agora aventurar-se no maior desafio de sempre frente ao campeão invicto Floyd Mayweather pelas regras do boxe. Já agora, e quatro anos depois, vai receber 75 milhões de dólares por um combate que terá no máximo 36 minutos. Vamos balizar: são cerca de dois milhões de euros por minuto. Sim, o mesmo que recebia 188 euros de prestação social.
“Salários: 27 milhões de dólares. Patrocínios: sete milhões. A estrela do UFC lutou duas vezes nos últimos 12 meses e foram dois dos três combates mais vendidos da história do UFC no pay-per-view. Quando derrotou Nate Díaz, atingiu um recorde de 1.6 milhões de compras; três meses depois, quando ganhou a Eddie Alvarez, foram 1.3 milhões”, detalha a Forbes. Conor tornou-se um milionário.
McGregor é um lutador que tenta combinar técnicas de taekwondo, kickboxing, jiu-jitsu, capoeira e karaté (também costumava ver documentários de gorilas, leões e crocodilos para perceber como ganhavam vantagem numa luta), mas são aquelas velhas aprendizagens do boxe que lhe dão o toque de Midas para destruir o que toca e transformar os cacos em ouro. Também é aquela pessoa que tem um passaporte especial para alguns sapatos que gosta de usar sem meias, por serem de materiais proibidos em alguns países como os de pele de píton ou crocodilo.
Tem uma frota de carros onde se incluem um Cadillac Escalade, um BMW i8, um Lamborghini Aventador e um Rolls-Royce Phantom Drophead. Tem o seu jato privado (onde uma vez postou uma imagem sua a ler um jornal ao contrário). Gosta de tirar fotografias com maços de notas nas mãos, como, resto rambém faz o seu adversário de hoje à noite.
Conor McGregor tem uma confiança do tamanho do mundo, mas poucos no mundo acham que é arrogância. Ele é assim, ponto. E quando diz que não faz máquinas no ginásio, diz porque se considera uma máquina “e uma máquina não precisa de outras máquinas para trabalhar”.
Com Observador e Diário de Notícias
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