Uma taça para Djedji Bilin
Cultura

Uma taça para Djedji Bilin

Foi-se-me o Djedji, o Bilin. Djedji Bilin. Ele me era a porta e a janela, a entrada para as tardes de lisboa, rossio pleno de mistérios.

Cedo o conheci nas andanças deste exílio, na bisca da tarde e da vida. Benevolamente matreiro, tratou-me primeiro por estudante, depois professor, poeta por fim. Mininu di fora arribado a uma lisboa quase pátria, sabia-o da outrora mal afamada Ponta Belém, de riba Praia, da não menos execrada quintalona, quintal de guerra, poiso de putas e larápios.

Era ele quem vestia as minhas tardes de fagulhas, fizesse frio, sol ou chovesse, no tio António (quando trabalhava, brincamos nós, recordando a canção), o mais humano e gentil taberneiro desta cidade, cais de acostagem de tanto nauta à deriva; ou no Isidro, da central de s. domingos, ou no Adriano, a sacristia, lugares onde se ia ao vinho e à cerveja, benditos, nessas tardes de fuga à tristeza e ao desamparo.

Em dias amodorrados acordava-nos com o sol da sua impertinência, a doce maledicência com que fingia a retirada quando a noite deitava as suas capas sobre os telhados e terreiros desta lisboa que já não escuta o rumor dos negros, suas canções evocando os horizontes largos, pois já só vive para a fauna turística, e seus milhões, reais ou fantasiados.

Quem com ele não terçou memórias dessa praia de antigamente, com seus valentes e trafulhas, ou duma certa esvanecida lisboa, que tinha o seu epicentro nessa s. bento de obreiros e embarcadiços, chulos e sopeiras, naifistas e gravateiros (oi, ka nhos da-m gravata, n ben di lonji, n ben kunpra disku)? Lembram-se, Du e Santinho, Fatinha e Zutai, Ratxa e Bakuba, Kaká e Baromeu?

Divirto-me a imaginar a trabalheira que terá dado a S. Pedro, guardião das portas celestes, fazendo a habitual finta de corpo, antes de lhe aplicar o nocaute verbal que o levaria a relevar (por uma vez) quaisquer faltas impeditivas da entrada no reino dos céus.

Não o imaginarei longe nas tardes futuras de lisboa, mas coreografando o gesto levar à boca a taça de tinto, fingindo o engano ou desacerto com que mal disfarçava a idade e a cegueira.

Não prometo ir visitar-te ao condomínio Casa para Todos, no alto de S. João, domicílio 6345, pois sei que não é aí que repousas, mas no meio de nós, quando a tarde cerra as suas cortinas e nós, infantes da brisa e da maresia, buscamos um cais onde nos retemperarmos dos desalinhos desta vida.

«Tio António, é uma taça e uma preta, se faz favor.»

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