Verguinhas volta de casa de banho e dá uma palmadinha amigável ao ombro do Pirex.
PIREX (dá-lhe palmada na mão) – Estou aqui a fazer paródia contigo, mas não penses que esqueci do que me fizeste. Que esqueci que me puseste em tribunal por coisas que não fiz e querias que me mandassem São Martinho!
VERGUINHAS – Deixa-te de rancores. Eu é que devia ter rancor mas não tenho!
PIREX – Não é rancor, camarada…
VERGUINHAS – O quê? Chamaste-me camarada?!…
PIREX – Oh, desculpa. Esqueci-me de que não gostas desta palavra. De que não gostas que a usemos.
VERGUINHAS – Nunca disse para não usar camarada. É que vocês chamavam camaradas a todos e tratavam poucos como tal.
Beluca e Punoi aproximam-se do balcão e posicionam-se estrategicamente. Punoi pede um cigarro e Beluca uma cerveja Malta. Esta afasta-se um bocadinho, agita a garrafa e pede a Empregada que a abra. A pressão faz com que a cerveja se entorne nas roupas dos dois clientes. Fingindo limpar-lhes a roupa, lá vão os carteiristas levando-lhes as carteiras que, depois de as esvaziar na casa de banho, voltam e abraçam-nos em pretextos de solidariedade, aproveitando para meter-lhes as carteiras, subtilmente, no bolso trocado conforme haviam combinados. E piram-se.
PIREX (para Empregada) – Traga a conta.
VERGUINHAS – Eu pago a conta.
PIREX – Não, senhor; pago eu.
VERGUINHAS – Não senhor. Já te disse que eu é que pago.
PIREX (tira a carteira e abre) – Não acredito!...
VERGUINHAS – O quê?
PIREX – Não tenho dinheiro na carteira?!
VERGUINHAS – Deixa estar que eu pago.
PIREX – Mas eu tinha dinheiro.
A Empregada traz a conta num pires e põe em cima do balcão à frente deles.
VERGUINHAS – Deve ser que os 150 contos acabaram e não deste conta. Mas eu pago, pá! (Para Empregada) Traga mais duas cervejas, se faz favor.
PIREX – Eu não quero. O que quero saber é como foi que o dinheiro desapareceu da minha carteira.
VERGUINHAS – Eu pago a conta, homem! Não te apoquentes. Não há crise!
PIREX – Eu sei que tinha dinheiro. Alguém mo tirou.
VERGUINHAS – Não acredito que estejas a duvidar-te de mim?
PIREX – É legítimo duvidar-me de ti. Não é a primeira vez que me tiras o que é meu.
VERGUINHAS (para Empregada) – Desculpe jovem. Traga só a conta. (Para Pirex) Ok. Pago a conta e vamos embora. Já vi que me queres ofender!… (Tira a carteira e abre) Roubaram-me o dinheiro na carteira?
PIREX – Também a ti?
VERGUINHAS – Sim. Não tenho cá nem um tostão. (Repara na carteira que o Pirex tem na mão) Pára aí… a carteira que tu tens é minha!
PIREX (olha também na que o Verguinhas tem na mão) – A que tu tens também é minha.
VERGUINHAS – Roubaste a minha carteira?! Mais uma vez, seu aldrabão?!
PIREX – Eu?! Então tu também roubaste a minha.
VERGUINHAS – Tu não és pirata de brincadeira! Roubaste-me duas vezes nas urnas, agora roubas-me a carteira do bolso?!
PIREX – Tu é que és carteirista. Que és especialista em esvaziar carteiras do povo.
VERGUINHAS – Tens provas?
PIREX – Todo o mundo sabe. Ou já te esqueceste do caso da Embaixada, que num jantar gastaste 600 contos do povo?
VERGUINHAS – Não fui eu. Foi o Embaixador.
PIREX – Foi o teu embaixador.
VERGUINHAS – Também tirei-o de lá.
PIREX – Promovendo-o como PCA de uma grande Empresa do Estado, com o ordenado de quase cinco vezes mais.
VERGUINHAS – O que interessa é que tenha feito bom trabalho. O dinheiro que ele gastou não foi só no jantar. Também comprou roupas para representar condignamente o nosso país lá fora.
PIREX – É verdade. Não comprou foi cuecas. Até me lembro quando ele disse que andava de cabeça levantada e o meu Marloco Sonso parodiou-o com uma anedota: Como não usa cuecas, a cabeça está sempre levantada.
VERGUINHAS – O teu Marloco é mesmo um louco. Aliás, ele mesmo tem essa consciência! Fez um clip nunpriti, e diz: estou doido, doido, doido.
PIREX – Ai se ele te ouvir! Faz-te correr à frente dele como o cavalo lazão.
VERGUINHAS – Por quê? Ele não é louco? O que achas de um homem que veste à muçulmana e adora o Deus chinês?
PIREX – Deus chinês? Estás a passar-te ou quê?
VERGUINHAS – Não ouviste na Televisão que ele criou o BUDA?
PIREX – És mesmo parvo! BUDA significa: Bureau dos Direitos Autorais.
VERGUINHAS – Espero bem que este Burreau não venha a perder algumas letras e tornar-se numa palavra feia. No nome artístico do Marloco.
PIREX – Só inveja! Como não tens ideia! Marloco é um gajo inteligente, pá. É advogado, músico, pintor, poeta, dramaturgo, romancista, rasta e ministro.
VERGUINHAS – E não disseste marceneiro.
PIREX – Mercenário?!
VERGUINHAS – Também podia ser, mas não foi isso que eu disse. Disse marceneiro. Em crioulo diz-se também: carpinteiro.
PIREX – E por que é que ele é carpinteiro?
VERGUINHAS – Não fez um Banco? Um homem que diz-se ter um banco, vais à casa dele e nem um mocho tem para tu sentares, não é maluco? É pior do que Pinóquio.
PIREX – Estás a falar de que Banco? Da Cultura?
VERGUINHAS – Exatamex. Foi criado há quase 4 anos, com pompa e circunstância, entretanto, nenhum projeto ainda foi financiado.
PIREX – Mentiroso. Nha Crentxa de Fonte Lima não recebeu 10 contos para fazer bindes e moringos de papa-lama? (Verguinhas dá uma gargalhada) Estás a rir porquê? E Pampana de Entre Pico Reda não recebeu 5 contos para fazer cestos de folhas de tamareira e objetos com cascas de coco, todos financiados pelo Banco do Marloco?
VERGUINHAS – Ahahahah! Coitados! Dez contos para Nha Crentxa… cinco contos para Pampana…
PIREX – Podes rir à vontade? É melhor do que nada.
VERGUINHAS – Mas Marloco tinha dito que lhes dava até 30 mil contos.
IREX – Ainda está dentro do tempo. O Banco só tem 4 anos. Marloco não brinca em serviços. Vais ver que ele irá dar ainda mais, quando nos aproximarmos das eleições. Tenho a certeza.
VERGUINHAS – Disso também tenho a certeza. Vai dar ainda muito mais, aos que são do vosso clube. Pobrezinhos. Com cinco contitos agora, um saco de cimento e duas varas de verguinha… oh! Verguinhas sou eu. Peço desculpa. Duas varas de ferro depois, os seus votos e de toda a família vão certinhos para os camaradas.
PIREX – Olha como sabes bem como é que isso funciona! Malandro e sem vergonha na cara. Não te lembras do caso ENACOL, quando arranjaste um ajudante para te ajudar a ordenhar a vaca e esconder onze milhões de litros de leite?
VERGUINHAS – Ajudante não. Cuidado com as tuas palavrinhas, seu boca de sapo. Ele era meu Vice.
PIREX (ri-se) – Coitadinha da vaca. Ficou louca como vocês que não se entenderam e repartiram-se em mais do que três fações.
VERGUINHAS – És mesmo um descarado.
PIREX – Descarado és tu e os da tua laia, cuja gana é de estar no poder e mandar à vossa maneira. Lembras-te daquele teu ministro que deste pontapé no rabiosque?
VERGUINHAS – Corri com ele e com os demais que eram atrevidos como ele.
PIREX – Mas depois, sem vergonha, aliou-se a ti para chegar aonde está. Ao lugar onde nunca conseguiste… onde nunca te dei a oportunidade, apesar de várias tentativas.
VERGUINHAS – Não consegui porque me roubaste. É essa a oportunidade que não me deste. E roubaste-me duas vezes.
PIREX – Assim, abres os olhos, camara… camarão assado.
VERGUINHAS – Já estavas quase a chamar-me camarada outra vez.
PIREX – Desculpa.
VERGUINHAS – Lembras-te de que numa das eleições perdi por 11 votos, mas que depois ficou provado que 12 tinhas gamado?
PIREX – Se te roubei duas vezes, meu caro camara… ãozinho, ou sou muito pirata, o que é de reconhecer e louvar num político que se preze, ou és um grande asno que, também, na política infelizmente abunda.
Verguinhas sente-se ofendido e agride ao Pirex. Atira-o ao chão e monta-lhe em cima. Uma Agente da Polícia aparece, aparentemente bêbada e abandalhada, aplica bastonadas ao Verguinhas que está por cima. Este fica por baixo e coloca Pirex em cima. Pirex leva também, levantam-se os dois e põem-se de pé.
PIREX – O que é isto, senhora Agente de autoridade?
AGENTE – Fecha o focinho, delinquente.
A Agente põe Pirex algemas nas mãos.
PIREX – Mas porquê, senhora Agente?
AGENTE – Porque és delinquente.
PIREX – Eu?!
AGENTE – Vá, como é o teu nome?
PIREX – Comandante Pirex.
AGENTE (estupefacta) – O quê?
PIREX – Sim, senhora Agente. Comandante Pi-rex.
AGENTE (para Verguinhas) – Estavas a bater no nosso Ex? (Dá-lhe umas bastonadas). Estás preso. (Retira as algemas ao Pirex e põe no Verguinhas) Insurreto, sem vergonha.
VERGUINHAS – Ele é que me agrediu primeiro, senhora Agente.
AGENTE – Não quero saber. (Dá-lhe um tabefe) Como é o teu nome… vagabundo?
VERGUINHAS – Doutorado Verguinhas.
AGENTE (transtornada) – Como é que é?
VERGUINHAS – Doutorado Verguinhas.
AGENTE – O nosso segundo Ex?
VERGUINHAS – Sim, senhora Agente.
AGENTE (chora enquanto lhe retira as algemas) – Desculpem-me, por amor de Deus, senhores Ex. Sou pobre e tenho treze filhos pequenos. O meu marido bebe muito e está desempregado, dja dura.
EMPREGADA – A senhora não conhece os nossos Ex?
AGENTE – Só os vejo na televisão, isto é, na altura das campanhas. (Para os Ex) Por favor, senhores Ex, não me despeçam do trabalho por amor dos meus meninos.
PIREX – A senhora não sabe ler? Não tem segundo grau?
AGENTE – Não, senhor. Só sei ler e assinar o meu nome? Tenho 1ª fase de Alfabetização.
VERGUINHAS – Então como conseguiu entrar na Polícia?
AGENTE – Foi um chefe com quem traia o meu marido que me fez um jeitinho.
PIREX (para Verguinhas) – De certeza, deve ser algum chefe do teu tempo.
VERGUINHAS (para a Polícia – Quem era esse chefe?
AGENTE – Ele já morreu. Era combatente. Quer dizer… recebia pensão como Combatente da Liberdade da Pátria.
PIREX – A que propósito faz a senhora essas afirmações?
AGENTE – Ele costumava dizer que quando foi o 25 de Abril ele era capataz de mondrongos em Angola, que punha os pretos a trabalhar à força, debaixo de chicotadas.
VERGUINHAS (para Pirex) – Afinal era um dos teus homens.
AGENTE – Antes de ele morrer, trabalhava para o tio do segundo Ex.
PIREX – Estás a ver?! Mais um que acabou na tua equipa. (Param um pouco) Mas, pronto. (Olham-se um para o outro, abraçam-se, depois apertam as mãos) Como advogado, o que achas que devemos fazer?
VERGUINHAS – Deixemos isso ficar aqui e como está. Esse tipo de escândalo, entre nós, é pior do que vírus da SIDA, ÉBOLA, DENGUE ou ZIKA.
PIREX – É verdade. Mas se porventura, alguém apresentar queixa contra nós, por desacato à ordem pública e kobar companheiro no meio da rua, eu falo com o Joseph Mohamed Névoa, peço-lhe para reconduzir o Porcariador-Geral, este manda arquivar o processo.
VERGUINHAS – Irá somar aos outros tantos que ele tem lá a cheirar a mofo nas gavetas.
PIREX – Mas não pensemos nisso agora.
VERGUINHAS – Não queres que falemos disso agora, porquê?
PIREX – Vamos concentrar-nos na estratégia de uma eventual defesa.
VERGUINHAS – Ahn, pois é! Só contra ti o Procurador-Geral tem mais de uma dezena de processos na sua gaveta.
PIREX – Psiu! Não viste que alguém pode ouvir?
VERGUINHAS – Desculpa! Mas tens a certeza de que Joseph Mohamed Névoa reconduzirá o Procurador-Geral?
PIREX – Que remédio?! Se ele arriscar nomear um outro Porcariador-Geral, pode pronunciar-lhe e… pelo volume de processos pendentes contra ele, durante os próximos 5 anos não levantará do banco dos Réus.
AGENTE (olha para Pirex) – Então já me perdoou, camarada comandante? (Verguinhas olha para ela com olhos perfurantes) Já me perdoou, senhor Doutorado?
PIREX – A camarada pode ir.
VERGUINHAS – A senhora Agente pode ir. Está perdoada desta vez.
PIREX – Mas não continue a beber desta maneira quando está de serviço.
AGENTE – Hoje estou de folga.
VERGUINHAS (para a Empregada) Não se importe de servir-nos uma rodada, depois venho pagar juntamente com a outra conta?
AGENTE – Eu quero um grogue.
A Empregada serve um grogue a Agente, ela bebe rápido e começa a andar para sair.
EMPREGADA – A senhora Agente ainda não pagou o seu grogue.
AGENTE – Não foi o segundo Ex quem mandou-lhe servir-nos uma rodada?
VERGUINHAS – Eu mandei servir-me a mim e ao Pirex. (Para um pouco) Mas deixe estar. Eu pago a conta dela juntamente com a minha.
AGENTE – Muito obrigada. Então posso pedir mais um?
VERGUINHAS – Se a senhora não sair daqui imediatamente, comunico ao seu chefe do seu comportamento.
A Agente sai rápido, olhando para trás de vez em quando.
EMPREGADA – Agora é que me lembrei: Deve ser aquela rapariga que estava ali sentada, acompanhada daquele puto, que vos roubou a carteira. Ela veio repatriada dos Estados Unidos e é pilon de carteirista.
VERGUINHAS – Mas como é possível?! Eu tinha a minha carteira no bolso de camisa, com colete por cima e casaco em cima do colete.
PIREX – A Minha também estava no bolso interior da balalaica.
EMPREGADA – Ela consegue tirar. E o puto então?!… este rouba carros, ataca as pessoas, assalta casas que nem gato.
PIREX – Estás a ver a falta que os milicianos fizeram? Acabaste com eles!
VERGUINHAS – Mas criei o BIC-BAC. Os Policias de Choque. Também não brincam.
EMPREGADA – Quase todos os dias os Polícias levam esse puto à Esquadra e, por ser menor nem chega a ir ao Tribunal. O tribunal manda-o embora primeiro do que os Polícias que o prenderam. E sai a rir-se dos Polícias.
PIREX – Por causa das leis absurdas que este meu golpista fez.
EMPREGADA – A moça já foi várias vezes flagrada, mas sai do Tribunal apenas com TIR… Termo de Identidade e Residência.
VERGUINHAS – A culpa é dos Juízes que são mal formados e interpretam mal as leis.
EMPREGADA – Juiz mal formado!!! Meu Deus!
VERGUINHAS – São colocados por conveniências políticas e não pela competência profissional. E por isso não se entendem entre si! Viram um Juiz a mandar prender um Diretor-Geral por desobedecer às suas ordens e o outro a libertá-lo?
EMPREGADA – Entretanto, dizem que o Conselho Superior da Magistratura deu razão ao Juiz que mandou prender.
PIREX – (ri-se) E falam mal dos Tribunais Populares! Lá, isso não aconteceria. Esse Diretor-Geral levava uns quantos laques naquilo e aprendia a respeitar a autoridade.
VERGUINHAS – O puto e a put… oh, desculpem! E a moça são irmãos?
PIREX – O Puto não é filho dela?
EMPREGADA – São namorados.
VERGUINHAS – Namorados?!
EMPREGADA – Ela tem vinte e tal anos e o puto pouco mais do que dez
PIREX – A Empregada sabe onde é que eles moram?
EMPREGADA – Moram em lugar nenhum. São como pescadores. Conforme for a maré e onde houver cardume lá estão eles a pescar.
VERGUINHAS – Acho melhor apresentarmos uma queixa à Polícia.
PIREX – E aceitas ser meu advogado?
VERGUINHAS – Claro que aceito. Cobro-te.
PIREX – Quanto?
VERGUINHAS – Cento e cinquenta contos.
PIREX – Poxa! Tudo o que tenho no banco!
VERGUINHAS – Para que eu fosse advogado não foi nada fácil, meu amigo. Passei dez anos na universidade e várias noites arregalado a fazer cábulas.
PIREX – Dez anos?! O curso não é de 5 anos?
VERGUINHAS – E achas dez anos muito?
PIREX – Tu não achas? Dez anos para fazer um curso de cinco?!
VERGUINHAS – Não chumbei muito. Só chumbei uma vez por ano.
PIREX – Agora é que estou a perceber por que és bom advogado! És tão bom advogado como foste bom aluno.
VERGUINHAS – Isto não é da tua conta. Pagas-me 150 contos ou não?
PIREX – Então eles podem ficar com a carteira. Só tinha lá cem escudos!
VERGUINHAS – Que miséria. Um Ex! Na minha tinha quatro contos.
PIREX – Não é meu hábito andar com muito dinheiro. Nunca senti necessidade.
VERGUINHAS – Claro. Se no banco só tens cento e cinquenta contos, não é de admirar que tivesse só cem escudos na carteira.
PIREX – Não ia comprar casa, nem carro, nem pagar alguém para votar em mim.
VERGUINHAS (caçoando) – Como se fosse verdade essa última.
PIREX – E vai apresentar queixa, mas não contes comigo como testemunha.
VERGUINHAS – Ok. Aceito defender-te à borla. Tá fixe?
Pirex ri e vai abraçá-lo.
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