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Joana D'Arc - Quarta parte
Cultura

Joana D'Arc - Quarta parte

XXV CENA

JOANA – Sua alteza, o importante já aconteceu, mas, isso ainda, não é o mais importante de todos.

DUNOIS – É verdade, Majestade. Já que o senhor se coroou rei, agora é tempo de investirmos na marcha à Paris.

TRÉMOUILLE – Sua alteza, os borgonheses pediram uma curta trégua, de duas semanas pelo menos, suspendendo, Vossa Majestade, todas as hostilidades das suas tropas, para eles convencerem ao duque de Borgonha a aliar-se a nós. Serão, então, os nossos aliados, e juntos combateremos os ingleses. E espero que tudo fique decidido sem demora.

REI (muito hesitado) – Está bem. Concedo as duas semanas de tréguas.

JOANA – Os borgonheses não têm a menor intenção de se aliar a nós. O regente inglês está em Paris com o duque de Borgonha e vai, com certeza, aproveitar estas duas semanas para melhorar a defesa da capital e reforçar a guarnição com tropas vindas da Inglaterra.

ALENÇON – O que tornará a nossa tarefa muito mais difícil, quando formos atacar Paris.

JOANA – E eu já não tenho muito tempo para servir a França. As vozes celestes deram-me um ano e já decorreu metade do tempo.

Pega Alençon e Dunois pelas mãos e afastam-se um pouco.

TRÉMOUILLE – Não sei se Vossa Majestade tem reparado que essa rapariga só fala em bruxaria! Isso é mau para a França e prejudicial para o nosso religioso povo. Não consegue resolver nada na paz ou tecnicamente inteligente.

REI – Ela é jovem. Está possuída pelas energias neuronais descontroladas.

TRÉMOUILLE – Está possuída, sim, pelas energias demoniais.

Riem-se, servem e bebem um cálice de champanhe.

JOANA – Mas que podemos nós fazer?

ALENÇON – Nada, de momento. Julgo que Trémouille conspira com os duques de Bedford e de Borgonha contra a França.

DUNOIS – Atraiçoa o rei e tem-vos um ódio de morte, pelas honrarias com que Carlos vos distinguiu.

ALENÇON – É um homem mau, egoísta e ambicioso, que vos fará mal, se puder. Acautelai-vos.

JOANA – Tínheis razão, Alençon. Trémouille conspira contra o rei. Ontem, o rei Carlos ordenou que me dirigisse para a corte, em Gien, sem me explicar o motivo de tal decisão.

ALENÇON – É mais uma velhacaria de Trémouille. Obrigou o rei a mexer-se em toda a estrutura militar: o velho exército desmembrou-se. Eu e o Dunois estamos transferidos para a Normandia; outros capitães licenciaram as suas tropas e retiraram-se para as suas terras.

JOANA – Começo a acreditar que o rei não tem vontade própria. É um homem fraco, sem caráter. Já está investido e pensa, certamente, que esses capitães já não são precisos.

DUNOIS – Parece esquecido da guerra e interessa-se apenas por festas e caçadas.

ALENÇON – Sabiam que o duque de Bedford se propôs trazer para a França, na Primavera, o jovem rei da Inglaterra, a fim de governar os seus súbditos franceses?

JOANA – Não, não pode ser. A França deve ser governada por um francês, nunca por um inglês. (Entram novamento no gabinete do rei) Vossa Majestade foi vilmente enganado. A paz com o duque de Borgonha só será feita com as pontas das lanças. Não poderemos vencer os nossos inimigos sem os combatermos e penso que o ferro deve ser batido enquanto está quente. Que Vossa Majestade espera? Mais embustes?

TRÉMOUILLE – Perturbais o ócio de Sua Majestade. (Vira-se para o rei) Esta rapariga, além de pateta, é uma exaltada; Vossa Majestade é demasiado condescendente com ela. Expulsai-a daqui e mandai-a prender.

JOANA – Enquanto eu me encontro aqui inativa, os nossos inimigos avançam e apoderam-se pouco a pouco, da França. Porque não me permitis combatê-los, senhor?

REI – Posso dispensar-vos poucos soldados.

JOANA – Serão suficientes. Levarei os meus irmãos e poderei recrutar um novo exército.

O rei olha para Trémouille, que lhe faz com a cabeça um sinal de aprovação.

REI – Está bem, vai.

A Joana e os companheiros saem.

TRÉMOUILLE – Foi a melhor maneira de nos vermos livres dela. Recrutar um novo exército? Nunca o conseguirá.

Gargalhada.

XXVI CENA

Joana e os seus homens militarmente uniformizados.

JOANA – Compiègne é fiel ao rei Carlos. Mas, os borgonheses cobiçam esta cidade e compete-nos defendê-la.

PEDRO – E o Ruão? Ainda está ocupada pelos Ingleses, não está?

JOANA – Está, e o regente levou para lá o pequeno rei inglês. Bedford proclama que o fará coroar rei de França.

JOÃO – Bedford também já proclamou que destino dará ao nosso rei Carlos VII, que foi coroado em Reims?

JOANA – Não; parece pensar que nada interferirá com os seus planos.

PEDRO – Veremos.

GOVERNADOR (dirige-se a Joana) – Sabeis que os borgonheses estão acampados ao longo de Oise, na outra margem?

JOANA – Há aqui alguma ponte sobre o rio?

GOVERNADOR – Há uma, grande, de pedra e uma ponte levadiça que liga às portas da cidade.

JOANA – Então atravessaremos essas pontes e cairemos de surpresa sobre as hostes dos borgonheses antes que eles avancem sobre Compiègne.

GOVERNADOR – Fareis uma coisa dessas? Que sorte Deus ter-vos enviado ao nosso auxílio! Quando tencionas atacar?

JOANA – Mas, imediatamente…

GOVERNADOR – Eu próprio descerei a ponte levadiça, e mandarei postar na porta e nos barcos ao longo do rio.

XXVII CENA

Enquanto Joana e os seus soldados combatem os inimigos, do outro lado surge um outro grupo de inimigos, comandado pelo Trèmouille.

JOANA (para os seus soldados) – Retirai! Recuai para a cidade. (Os soldados tentam fugir) Recuai! Recuai ou serão destroçados.

Os soldados da Joana fogem e, Joana enfrenta os inimigos sozinha.

UM SOLDADO INGLÊS – Rendei-vos! Rendei-vos!

JOANA – Nunca!

TRÉMOUILLE (disfarçado) – Agarrem-na! (Dois soldados aplicam-lhe um golpe, ela cai e manietam-na) Bruxa! Feiticeira!

OFICIAL INGLÊS – Agora é nossa prisioneira. Finalmente, foste apanhada!

Joana é levada para um calabouço.

TRÉMOUILLE (na ausência da Joana) – Ela não deve, nunca, saber que eu participei nesta trama.

Gargalhadas seguidas de abraços ternos.

XXVIII CENA

REI (lendo uma carta enviada pelo arcebispo de Reims)«Sua Majestade, Carlos VII: no país inteiro, toda a população chora e reza em casa e nas igrejas; os padres fazem preces e acendem velas nos altares. Lembre-se, Vossa Majestade, que os borgonheses, em troca de um bom resgate em dinheiro, talvez libertassem a donzela. Portanto, real senhor, pagai tudo o que eles pedirem. Por muito que pagueis, nunca pagareis o que ela vale. Procedei, assim, sire, se não quereis arrepender-vos mais tarde e sentir vergonha de vós próprios».

TRÉMOUILLE – Não sei porque é que esses bispos metem em tudo?! Eu acho que Sua Majestade não deve nem responder-lhe. Certos assuntos devem ser ignorados.

XXIX CENA

Os jurados, chefiados pelo Bispo Cauchon estão sentados na sala de audiência. Entram três soldados empurrando Joana que tem as mãos atadas com uma corrente, corrente nos pés e na cintura.

BISPO – Jura que dirás a verdade, só a verdade.

JOANA (meneia a cabeça) – Não sei o que me ireis perguntar? Talvez me façais perguntas às quais não deva responder.

BISPO – Sou o teu juiz.

JOANA – Dizeis que sois meu juiz. Ignoro se o sois ou não, mas aviso-vos que, se não quereis pôr a vossa alma em perigo, tenhais cuidado em não me julgardes erradamente, pois Deus pode castigar-vos.

BISPO – És obstinada e orgulhosa. Desobedeceste a teus pais e fugiste de casa. Cortaste os cabelos e vestiste-te de rapaz. Porque estás, ainda, com essas roupas?

JOANA – Só devo obediência a Deus, só a Ele terei de dar conta dos meus atos e não a vós.

BISPO – Somos nós os representantes de Deus aqui na Terra.

JOANA – Os senhores servem os ingleses e não a Deus.

BISPO – Não a teu Deus, menina bruxa! És uma herege que falseou os ensinamentos da Igreja.

Joana sente-se mal e cai no chão.

OFICIAL INGLÊS – Levem a rapariga a um médico e curem-na. Não deve morrer de doença. É preciso que o julgamento continue.

Os soldados saem com ela e voltam pouco depois.

BISPO – Promete-me que não fugirás e mandarei tirar-te as cadeias.

JOANA – Nunca farei tal promessa. Se puder, fugirei. A França e o meu rei precisam de mim.

BISPO – A rapariga cometeu doze pecados contra a Igreja. Contudo, dois dos quais, constituem uma gravidade suprema. O de ter-se vestido de rapaz, e a história das aparições e das conversas com Santa Catarina, Santa Margarida e o Arcanjo São Miguel.

JOANA – A maneira como eu vestia é um pormenor tão sem importância, que não vale a pena discuti-lo; quanto as vozes, ouvi-as, vi o Anjo e as duas Santas. Vi-os e ouvi-os.

BISPO – Confessa que tens mentido, que nunca viste nem ouviste nenhum santo.

JOANA – Não. Jamais!

BISPO – A rapariga confessou-se culpada. (Para os guardas) Senhores guardas, levem-na pela cidade e anunciem à população que ela será queimada viva.

O Bispo levanta e sai. Pouco depois vem o Arcebispo de Reims com um papel na mão e pede a Joana para assinar.

ARCEBISPO – Assina isto e ficarás livre. (Joana não consegue escrever. O Arcebispo, quase à força, mete-lhe na mão uma pena de pato) Basta fazer um sinal, um X. (Joana pega na pena e traça um X no lugar indicado) Joana retratou-se. A vida ser-lhe-á poupada, pois assinou o papel que diz que não viu santas nem ouviu as suas vozes.

Joana fica atordoada, quase que desmaia. O Arcebispo sai, o Bispo volta novamente com o papel na mão.

BISPO – Joana d’Arc jurou nunca mais envergar vestes masculinas e, em vista de se ter retratado em público, perdoamos-lhe a vida, mas ficará perpetuamente prisioneira.

OFICIAL INGLÊS – Cauchon atraiçoou-nos. Em troca do dinheiro do regente prometeu condená-la à morte, e acaba de lhe perdoar? Mas está enganado se pensa que isto fica assim. Terá de ser julgada de novo, por um tribunal militar inglês, e condenada a morrer na fogueira.

XXX CENA

Joana está a dormir, um soldado rouba-lhe as roupas femininas e coloca no sítio um saco com roupas de homem. Ela acorda e não encontra a sua roupa, veste a roupa de rapaz.

UM SOLDADO – Olha, temos outra vez um rapaz!

Acorrentam-lhe e um soldado sai a correr para levar a nova ao Bispo, que se finge muito preocupado.

BISPO (chega perto da Joana) – Esqueceste a promessa de não mais te vestires de rapaz! Renegaste o teu juramento, Joana!

JOANA (aponta para as correntes nos pés e na cintura) – Senhor, já não posso com estas cadeias. Por Deus, tirai-me daqui e metei-me numa prisão onde estejam outras mulheres, e prometo obedecer-vos em tudo.

BISPO – Antes de mais nada, diz-me o que há acerca das vozes celestes. Voltaste a ouvi-las depois de teres estado no julgamento?

JOANA – Ouvi-as, sim, bispo. Santa Margarida, Santa Catarina e o Arcanjo São Miguel têm-me falado. Disseram-me que não devia ter assinado o papel e recomendaram-me que reconheço o meu erro.

BISPO – Sério? Essas vozes são do Diabo, Joana.

JOANA – São do Céu, senhor. Sei que são do Céu.

BISPO (sai contente, encontra com o oficial inglês) – Ora ainda bem que vos encontro! Boas novidades tenho para vos dar. A donzela renegou o que assinou. Os juízes terão de rever o caso, e desta vez decidirão conforme os desejos do regente.

Abraçam-se alegremente.

XXXI CENA

No cárcere da Joana.

ARCEBISPO – Os Juízes reviram o vosso processo…

JOANA – E o que decidiram?

ARCEBISPO – Discutiram as acusações que vos fizeram e as respostas que vós lhes destes.

JOANA – E então?…

ARCEBISPO – Decidiram que morrereis hoje.

JOANA (empalidecida) – E como morrerei, senhor?

ARCEBISPO – Na fogueira.

Nesta altura surge o Bispo perante Joana.

JOANA – Bispo, fostes vós que me condenastes, sois vós que me matais.

Cai de joelhos e chora desconsoladamente.

 

FIM

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Redação