VI Parte - A propósito do livro "As Ilhas Crioulas de Cabo Verde - da Cidade-Porto ao Porto-Cidade" de Manuel Brito-Semedo, e da Desafricanização Geográfica, Geo-Política, Geo-Estratégica e Político-Cultural de Cabo Verde propugnada pelo seu Autor
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VI Parte - A propósito do livro "As Ilhas Crioulas de Cabo Verde - da Cidade-Porto ao Porto-Cidade" de Manuel Brito-Semedo, e da Desafricanização Geográfica, Geo-Política, Geo-Estratégica e Político-Cultural de Cabo Verde propugnada pelo seu Autor

"Em contra-corrente e em contra-mão aos por demais esquisitos diferendos e polémicas à volta das comemorações do Centenário Natalício de Amílcar Cabral, e certamente para grande azar de Manuel Brito Semedo, dos demais comprometidos na inglória e impossível empreitada da desafricanização geográfica, geo-política, geo-estratégica e identitário-cultural de Cabo Verde e dos outros detractores caboverdianos de Amílcar Cabral e das celebrações do seu Centenário Natalício, ocorreram neste início do auspicioso ano de 2024 quatro eventos de grande impacto mediático, de notável significado político e de indesmentível relevância histórico-sociológica". Sexta e última parte do denso e apurado ensaio de José Luis Hopffer Almada, publicado aqui, em exclusivo, no Santiago Magazine

                           

SEXTA PARTE

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BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS À VOLTA DAS CELEBRAÇÕES

DO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE AMILCAR CABRAL

 

Em contra-corrente e em contra-mão aos por demais esquisitos diferendos e polémicas à volta das comemorações do Centenário Natalício de Amílcar Cabral, e certamente para grande azar de Manuel Brito Semedo, dos demais comprometidos na inglória e impossível empreitada da desafricanização  geográfica, geo-política, geo-estratégica e identitário-cultural de Cabo Verde e dos outros detractores caboverdianos de Amílcar Cabral e das celebrações do seu Centenário Natalício, ocorreram neste início do auspicioso ano de 2024 quatro eventos de grande impacto mediático,  de notável significado político e de indesmentível relevância histórico-sociológica:

I. As equipas caboverdianas de futebol e de andebol atingiram umas das suas melhores performances em copas africanas, designadamente no CAN (Campeanato Africano de Futebol), no qual a selecção caboverdiana logrou passar aos quartos de final, tendo sido derrotada pela África do Sul na marca das grandes penalidades. Assim e ademais, Cabo Verde pôde ser apurada para o Campeonato Mundial de Futebol. Por sua vez a selecção caboverdiana  eliminou o Marrocos nos quartos de final do respectivo Campeonato Africano de Andebol, tendo sido apurado para o Campeonato Mundial da modalidade, vindo a ser eliminado pela Argélia nas meias-finais. Relembre-se que, no campeonato anterior, Cabo Verde se sagrara como vice-campeão de África, tendo sido o Egipto o campeão africano da modalidade..

II. O  grupo carnavalesco do Monte Sossego foi agraciado com o primeiro prémio do festejado Carnaval do Mindelo pelos seus carros alegóricos dedicados exactamente ao Centenário do Nascimento de Amílcar Cabral, tendo sido uma Mesa-Redonda abrilhantada com poesia e música de e sobre Amílcar Cabral, proposta pelo autor do presente ensaio para ser concretizada pela ACV (Associação Caboverdeana de Lisboa)  a primeira actividade que, a 19 de Janeiro de 2024, inaugurou de modo simbólico e festivo as celebrações alusivas a esse mesmo Centenário e que deverão prolongar-se durante todo o ano de 2024 para culminarem com um grande Simpósio e outros actos relevantes a 12 de Setembro deste mesmo ano. A actividade acabada de ser referida contou com a participação especial como Orador Convidado do Presidente da Mesa da Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau e Presidente do PAIGC bissau-guineense, Doutor  Domingos Simões Pereira, graças aos bons ofícios do poeta guineense Tony Tcheka.

III. O terceiro compacto financeiro no quadro do programa Millenium Challenge AccountA atribuído a Cabo Verde pela Administração dos Estados Unidos da América destina-se primacialmente ao financiamento da integração de Cabo Verde na sua região oeste-africana.

IV. A realizacão do Forum sobre a Língua Caboverdiana a 24 de Fevereiro de 2024 para assinalar o Dia Internacional da Língua Materna, instituído pela UNESCO para ser celebrado anualmente a 21 de Fevereiro, foi uma muito relevante jornada em prol da língua materna caboverdiana e dos direitos linguísticos do povo caboverdiano nas ilhas e nas diásporas. O Forum foi a primeira actividade pública da ALMA-CV (Associação da Língua Cabo-Verdiana-Asosiason di Língua Kabuverdianu), recentemente fundada como importante entidade da sociedade civil caboverdiana para a defesa e a promoção da língua materna caboverdiana e língua nacional de Cabo Verde,  e foi realizada nas instalações da Universidade de Cabo Verde, tendo contado com a participação presencial e online  de mais de uma centena de pessoas. Os trabalhos do Forum foram conduzidos de forma multilingue, tendo havido intervenções nas duas línguas de Cabo Verde e em várias línguas estrangeiras e internacionais, mas com nítida predominância da língua caboverdiana como língua de trabalho e de debate científicos. O Forum sobre a Língua Materna Cabo-Verdiana foi igualmente honrado com uma importante intervenção de fundo do Presidente da República, José Maria Pereira Neves, que, tendo feito a sua conferência inicial em português por razões alegadamente metolodógicas (que todavia parece não terem  convencido alguns participantes caboverdianos radicados nos Estados Unidos da América), interveio  no subsequente debate inteiramente em língua caboverdiana. Muito importante foi o desiderato expresso pelo Presidente da República de que em 2025, no ano da celebração  do Cinquentenário da Proclamação da Independência Política de Cabo Verde, a língua materna e nacional caboverdiana possa finalmente ser plenamente co-oficializada em paridade com o português, cumprindo-se assim o comando constante do nº 2 do artº 9º da Constituição da República de Cabo Verde. No dia anterior, a 23 de Fevereiro de 2024,  e por iniciativa da recém-criada Delegação da ALMA-CV em Portugal, para cujo Conselho Executivo foram eleitos José Luís Hopffer C. Almada como  Coordenador, José Craveiro como Vice-Coordenador e Tesoureiro e Vasco Eloy como Secretário, realizou-se,  em parceria com a ACV (Associação Caboverdeana de Lisboa), uma Mesa-Redonda sobre problemáticas actuais referentes à língua caboverdiana, quais sejam a concretização do comando constitucional que a instituiu como língua oficial em construção e da norma programática da Constituição da República relativa à sua oficialização plena em paridade com o português;  a visão de Amílcar Cabral sobre a promoção e o desenvolvimento dos crioulos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau  e das línguas étnicas deste último país  irmão bem como do lugar da língua portuguesa nas respectivas sociedades enquanto “melhor herança deixada pelo colonialismo”; a presença do crioulo na literatura, na oralitura e na oralitura caboverdianas. Abrilhantado com um recital de música e poesia exclusivamente em crioulo, as comunicações dos diferentes intervenientes na Mesa-Redonda foram também feitas exclusivamente em língua caboverdiana, mesmo quando os oradores não eram nativos da língua caboverdiana, salvo algumas intervenções iniciais que abriram a Sessão Comemorativa e a Mesa-Redonda, curiosamente sendo caboverdianos estes oradores iniciais. Em ambas as actividades levadas a cabo pela ALMA-CV e pela sua Delegação em Portugal, evidenciou-se o crescente papel que é atribuido à língua caboverdiana e ao seu alfabeto oficial, o ALUPEC, sem prejuízo do papel que também é atribuído à outra língua de Cabo Verde, o português, e que, aliás,  e por enquanto, é a única língua plenamente oficial da República de Cabo Verde.  

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CONCLUSÃO VERSIFICADA DIRIGIDA A TODOS OS OS DETRACTORES DE UM CABO VERDE RETINTA E DIVERSAMENTE CRIOULO E SIMULTANEAMENTE REENCONTRADO COM O SEU DESTINO AFRICANO LIVREMENTE ESCOLHIDO

Neste circunstancialismo, seja-me permitido reproduzir aqui os excertos de parte de uma versão versificada desenvolvida, se bem que muitíssimo próxima na extensão e no léxico utilizado  (salvo as doze últimas estrofes, posteriormente acrescentadas) de um prosopoema homónimo intitulado “Monólogos e Outros Exercícios Retóricos sobre os Tempos, ainda Nossos Contemporâneos, das Exercitadas Truculências Identitáriias sobre o Bilinguismo, a Diglossia e o Naturalizado Cosmopolitismo do Povo das Ilhas do Meio do Mundo” constante do livro Germinações e Outras Restituições de Março (SOCA-Edições, Praia, 2019) que, por sua vez e devidamente readaptado, integra o longo texto narrativo intitulado "Divercidades - Crónicas dos Tempos de Outrora, do Ressentimento e do Júbilo, e dos Tempos de Agora, da Ressaca da Euforia e da Disforia (Prosopoema de Erasmo Cabral de Almada)" ou também, e em alternativa,  intitulado  "P(l)uricidades - Crónicas dos Tempos de Outrora, do Ressentimento e do Júbilo, e dos Tempos de Agora, da Ressaca da Euforia e da Disforia (Prosopoema de Erasmo Cabral de Almada)" e que,  depois de ter escutado e visionado algumas entrevistas de Manuel Brito Semedo a propósito do seu livro As Ilhas Crioulas de Cabo Verde- Da Cidade-Porto ao Porto-Cidade, mas antes de o ter adquirido e lido, publiquei na minha página do facebook com o título “A Propósito das Serôdias Teses Luso-Tropicalistas e Neo-Claridosas Defendidas pelo Autor do Mais Recente Livro Sobre as Ilhas Crioulas de Cabo Verde”:

 

“Ah! Estes tempos novos, estes tempos nossos

e dos antigos e (re)convertidos inimigos internos

da emancipação social, económica e cultural

e da independência e da soberania nacionais

do resiliente e destemido povo de Cabo Verde

 

Ah! Estes tempos novos, estes tempos nosssos

dos ressabiados e sorridentes escrutinadores

do temerário e estoico povo de Cabo Verde e

da festiva reafricanizacão do seu espírito outrora

desalentado e atolado  na alienacão veiculada

pelas políticas coloniais de assimilação cultural

e da sua definitiva e irreversível reconciliação

com o seu destino africano livre e soberanamente

escolhido e proclamado perante o mundo em

Cinco de Julho de 1975, nosso maior ourgulho

 

Tempos de baptismo e de alegre balbucio

das nossas primeiras instituições universitárias

contra a muita renitência da iniquidade e do conformismo,

tempos parturientes de desmesuradas utopias

sitiadas pelas secas, cercadas de mar e carestia

 

Tempos de alargamento dos horizontes todos,

das palpitações de um desejado futuro

de progresso social e dignidade plena,   

de um almejado e antevisto porvir

de prosperidade e liberdade plena

 

Tempos da paulatina domesticação

das antigas pulsões à desmedida

desventura da depressão e da resignação,

ao suicídio colectivo das crenças e dos sonhos,

das fantasias e das fantasmagorias,

das calamitosas e apocalípticas visões

que se acoitavam nos pesadelos

e açoitavam o estóico povo das ilhas

e ainda assolam as mentes mágicas

dos filhos dos camponeses, dos pedreiros,

dos marceneiros, dos pescadores

e de outros trabalhadores braçais

dos tempos regenerados de agora

 

Tempos de excitada propensão

para a plena compreensão do mundo,

tempos de sentida e extensa

explicação do mundo nosso,

do povo das ilhas e da Humanidade,

das as-águas, das as-secas, das as-fomes,

das chuvas, dos trovões e dos relâmpagos,

do desafortunado destino das águas,

do fascínio pelo dilúvio e pelas cheias,

do mar insaciável engolindo as colheitas

destroçadas e as vidas derruídas

pelas intempéries, pelos tempestuosos

temporais, pelas uivantes ventanias

 

Tempos de paciente edificação

de muralhas de suor e de pedra

entre o infortúnio e o povo das ilhas,

nossas, do nosso diário escrutínio,

tempos da indomável cavalgação

dos sonhos todos sonhados, levedados

imprescindíveis, imprescritíveis

sob a árvore da infância,

nossa, da terra soberana,

tempos de desejada

e paulatina concretização

da utopia libertadora

do poema de amanhã,

da construção de uma outra

terra dentro da nossa terra

 

Tempos de paulatina fruição

por parte de um número crescente

dos filhos do povo das ilhas e diásporas

das incomensuráveis aquisições

civilizacionais da Humanidade,

tempos de gratas e verdadeiras

conquistas revolucionárias

assinaladas na emergência

e na paulatina consolidação,

no indubitável florescimento

de uma cultura nacional caboverdiana pós-colonial,

alicerçada e fundada na totalidade das suas raízes afro-latinas

e em todas as suas matrizes negro-africanas e europeias,

sedimentada na valorização, na revitalização, na plena

dignificação da sua génese e da sua dimensão mestiças,

sustentada nas suas seculares e inalienáveis feições crioulas,

dimensionada e afagada nas suas multímodas feições

e fisionomias telúricas afro-animistas e judaico-cristãs,

sedimentada nas tradições populares das diferentes ilhas,

fundada nas idiossincrasias das diversas categorias sociais,

fecundada pelas contribuições únicas e específicas

de cada uma das suas criaturas

e de cada um dos seus criadores,

aberta à contemporaneidade dos tempos

e à assimilação crítica das aquisições

humanistas, técnicas e científicas

da civilização do universal,

dotada do espírito crítico

e das cosmopolitas insígnias

da plena cidadania do mundo

(como aqui se testemunha

e se deixa gravado e plasmado

tal como acertadamente

se propugnava e se propagava,

tal como acertada e certeiramente

se antecipava e se antevia,

tal como se afirmava e se reiterava  

com a habitual clarividência intelectual

nas lições do saudoso líder histórico

feito e proclamado Maior Morto Imortal

dos Povos da Guiné e de Cabo Verde

sobre a inapagável resistência cultural

dos povos subjugados e colonizados,

nas suas pertinentes asserções

sobre a resiliência identitária

dos povos dominados e oprimidos,

nas suas mais optimistas

e, quiçá, quiméricas profecias

proclamando e consignando com

a autenticidade do selo do futuro

o renascimento cultural global

dos povos livres e emancipados

libertados da opressão estrangeira,

a definitiva e renovadora retoma

dos caminhos revitalizados e

ascendentes da sua cultura,

outrora vilipendiada e subjugada,

pelos povos definitivamente libertados

da dominação estrangeira,

pelos povos para sempre libertados

da estrangeira estrangulação

 

Tudo porém ainda permanecendo

no conveniente limbo dos vaticínios,

das congeminações, das asseverações,

das conjecturas das antigas profecias

da sabedoria de lúcidos visionários

dos tempos heróicos de outrora

 

Tudo porém ainda permanecendo

no dúbio plano das perorações e

das declarações piedosas

dos políticos oficiais e únicos

dos monocórdicos e sonolentos

comícios, seminários, manifestações

e sessões de esclarecimento de

evocação e celebração de datas

festivas e solenes, e de outros

habituais, e de outros calejados

profissionais da demagogia, e

de outros tradicionais bazófios

das supostamente perdidas

mais-valias económico-sociais,

das sempre relembradas regalias

político-identitárias da adjacência

e da autonomia, profusa e convictamente

revisitadas e revitalizadas nos convulsos

tempos de agora por outros actuais

habitantes e residentes do arquipélago

deles, extrovertidos, levianos, carnavalescos

nos seus re-incidentes, nos seus muitos

e diversos cultos da morabeza

 

Tudo porém ainda remando contra

as marés bairristas dos que proclamam

a sua inalienável vocação de mandarins

lá no inalienável chão crioulo natal do seu

privilegiado quinhão do arquipélago nosso

e cá na sua alegadamente conquistada

porção da sua suposta, da sua imaginada,

da sua ultrajada Costa de África islenha

 

Tudo porém ainda remando

contra outras correntes divisionistas,

defensoras e propugnadoras de um

Cabo Verde macaronésico contra

um Cabo Verde negro-africano,

ambos divisados e prefigurados,

ambos perfilando-se perenes,

ambos porfiando-se inserenos,

como legítimos herdeiros e

enfurecidos legatários das

antigas e inultrapassáveis

 

dicotomias entre, por um lado

considerado superior, as supostas

ilhas vera e autenticamente crioulas,

porque, felizmente e em boa hora,

profícuas e eficientes no mimetismo

dos amaneirados trejeitos dos súbditos

britânicos, das suas brancas e veraneantes

indumentárias, do seu chá das cinco, do seu

smoking, dos seus shorts, do seu gin tonic,

do seu tabaco amarelo, dos seus torneios

de golf, críquete e football, e das danças

e contradanças francesas aqui aclimatadas

ao langor da síncope da morna, ao esfusiante ritmo

da tabanca, do batuco, do colá sanjon, da coladera,

da colexa, da talaia-baixo, do brial do pilão e do funaná,

com a mazurca, o bolero, o merengue, a polca, o choro,

o shotis, a valsa, o galope, a cumbia, o maxixe, o lundum,

o meio-tom brasileiro, as rezas, os inebriantes ritmos 

das marchas e dos desfiles carnavalescos,

 

porque felizmente e em boa hora banhadas

de democracia racial, social, económica e cultural,

porque felizmente e em boa hora assaz bafejadas

pela aristocratização intelectual dos seus ilustres

letrados mulatos, negros, brancos e brancaranas,

porque felizmente e em boa hora sedimentadas

no bom proveito das leis das sesmarias e do aforamento

das pequenas leiras e parcelas de terra do muito

nortenho e sorridente minifúndio,

 

porque felizmente e em boa hora muito

consolidadas na secular miscigenação biológica,

porque felizmente e em boa hora florescendo

com a mestiçagem cultural assumida, generalizada

e inteiramente por todas as gentes das ilhas do

norte e de algumas ilhas do sul do arquipélago,

 

e, por outro lado considerado inferior, as ilhas

sociológicas, tais o hinterland rural da ilha de

Santiago e talvez o Fogo (e, por certo e ademais,

a muito esquecida e arenosa ilha caprina e salineira,

a escura ilha do Maio), todas infelizmente e em má

hora pouco beneficiadas pela miscigenação

biológica e pela equitativa e generalizada

mestiçagem cultural porque escassamente

dotadas das muito exemplares virtudes

do minifúndio e da exaltante luso-crioulidade,

se bem que e a despeito de serem mais antigas e

experimentadas nas vicissitudes do povoamento

e da entoação dos primeiros vagidos da língua nossa,

da terra arquipelágica, nas sementeiras de milho,

feijão e sapatinha, na construção das casas de

pedra e barro, na devoção e nos cultos religiosos

à Virgem Maria e à Santíssima Trindade, nas rezas

em capelas rurais, igrejas paroquiais e catedrais,

no canto gregoriano e nas artes da imprensa,

 

dessas ilhas sociológicas recorrentemente ostracizadas

e frequentemente vituperadas nas suas consideradas

demasiado lentas metamorfoses diluentes dos muitos

resquícios e das sobrevivências todas da África-mãe negra,

desprezada, renegada, rejeitada, ocultada, vituperada,

 

dessa ilhas sociológicas supostamente marcadas

pela desmesura dos seus tempos da germinação

da paciência, da cólera e das grandes extensões

dos latifúndios e a escassez do tráfego corrente

e das trocas de afectos reprodutivos e de favores

sexuais entre os senhores brancos concuspicientes

e as mulheres negras escravizadas e lúbricas

 

Tudo afinal latejando na mais atroz iliteracia e

na mais atrevida ignorância, na induzida amnésia,

no continuado esquecimento, na deliberada ocultação

do antigo resplendor da Cidade Velha e dos seus cónegos

negros como azeviche, dos seus filhos da terra, dos seus  

pretos brancos, dos seus brancos pretos, dos seus brancos

da terra mercadores, armadores, implacáveis morgados,

lançados e tangomaos, aventureiros, pioneiros nas letras,

instruídos nas artes e nos ofícios da domesticação das alfaias

do amanho da pedra do poder e da substância do saber,

erigidas contra a longeva ferocidade do olhar dos brancos

alienígenas, moradores e vizinhos da antiga e celebrada

Cidade da Ribeira Grande e do interior rural da ilha de Santiago,

dos oligarcas brancos crioulos radicados na ilha Brava, nas ilhas

do Fogo,  de Santo Antão, de São Nicolau, da Boavista, educados

e treinados, instruídos na louvação e no culto da pia baptismal

consagrada dos seus convocados, dos seus amados, dos seus

estimados antepassados reinóis, nos infinitos combates para a

cabal e definitiva aniquilação das feições sincréticas do povo

das ilhas, nas muitas guerras de domínio e subjugação dos

aguerridos, dos destemidos, dos rebeldes povos negros e das

insubordinadas tribos e das rebeladas etnias das terras firmes

continentais próximas e hostis, e avessos à disseminação das

luzes do saber e dos pergaminhos do poder, inoculados e

ejaculados nas inebriantes configurações e nas extasiantes

exalações dos sobrados e de outras casas-grandes, pelas

cabeças crespas e pelos perfis escuros dos mulatos das lojas

e das casas remediadas e pelos negros dos funcos, das casas

de palha, das sanzalas, das plantações, das periferias e das

margens das cidades, dos bailes de gala e das missas cantadas

 

Depois superados e ultrapassados em formas outras mais

subtis, depois ultrapassados e superados em modos outros

mais invisíveis nos seus perfis mulatos, negros, brancos,

retintamente luso-crioulos na saga da sua supostamente

desejada e inexorável diluição de África no muito exemplar

Portugal crioulo das suas almas e das suas ilhas alcandoradas

ao invejável estatuto de derradeiras recorrências das culturas

e das civilizações mediterrânicas no Médio Oceano Atlântico,

 

Depois superados e ultrapassados na sua crónica fobia,

na sua febril ofensiva, no seu doentio avassalamento

contra os badios e outros pardos e negros sublevados,

e outros reconhecíveis e supostos descendentes, e outros

alegados seguidores dos foragidos da clausura escravocrata

e das inomináveis arbitrariedades do feudo e do morgadio

pelos novos demiurgos de um lugar da duradoura acidez

do olhar e da difusão das muitas atribulações marítimas

da psicose, da alienação e da assimilação culturais coloniais...

 

Tudo porém ainda nutrindo-se do optimismo ontológico

da esperança e dos recorrentes sonhos utópicos na euforia

do poema de amanhã e na profecia da construção de uma

outra terra dentro da nossa terra, muito louvados e cantados,

muito acalentados esufragados, muito exaltados e acarinhados,

muito desfraldados e festejados  pelo escriba meu duplo, pelo

vate meu sósia, pelo meu poeta-gêmeo, pelo meu outro nome,

pelo meu outro rosto, pelo meu outro avatar, pela minha outra

sombra, Zé di Sant´y Águ de seu genuíno pseudo-nome, de seu

vero hetero-nome, de seu autêntico pseudo-heteronome, de seu

verdadeiro hetero-pseudonome, de seu legítimo pseudo-anonimato,

depois espraiando-se, depois espalhando-se como Nzé di Sant´y Águ,

depois esparramando-se, depois disseminando-se, depois recolhendo-se,

depois reconhecendo-se, depois consagrando-se como  o integral e global,

o inteiro e redondo,  o  vertical e maiúsculo,  o macro nome Nzé de Sant´y Ago...

 

Lisboa, Fevereiro e Março de 2024

 

Nota do Editor: Do texto completo enviado para publicação pelo autor consta uma vasta bibiografia, denominada Referências Bibliográficas, que, infelizmente, não é posssível publicar e partilhar com o nosso público leitor por razões atinentes ao espaço doisponível no jornal online Santiago Magazine

 

 

 

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