Uma estória de desprezo e manipulação eleitoral
1. Na verdade, a associação do nome “Santa Engrácia” surge em relação a uma outra obra que não era um mercado, mas sim uma igreja. Trata-se da Igreja da Santa Engrácia. Contudo, desde a altura do surgimento dessa estória, sempre que há uma obra que parece que nunca mais acaba, ou que leva tempo demais para ficar pronta, é lhe atribuída a categorização popular de “mais uma obra de Santa Engrácia” em referência à igreja que, em Lisboa, demorou cerca de quatrocentos anos para ser concluída! Embora, dê para matutar sobre a eventual existência de uma sina dos quatrocentos – pois já são quatrocentos e tal mil contos que a Câmara da Praia tomou por empréstimo e já enterrou no antigo campo de Coco – é claro que, mesmo com toda a incompetência da Câmara da Praia, fica muito difícil que o Mercado do Coco, na Várzea, leve séculos para a sua conclusão. Mas, é de se sublinhar que já vai em 80 meses a mais em relação aos 14 inicialmente previstos! É uma dupla derrapagem: 571% em termos de tempo, à qual se acresce 409% em termos de custos!
2. Em relação à obra lisboeta, com o passar dos anos, assistiu-se a uma evolução que levou à sua maior distinção, pois o que estava previsto para ser a igreja de Santa Engrácia chega a uma certa altura da sua construção, nos anos 60, em que passa a ser o Panteão Nacional, onde repousam figuras notáveis da História de Portugal, entre os quais, Almeida Garrett, Amália Rodrigues e Eusébio, só para citar estas três. Já o Mercado do Coco conhece um percurso de progressiva desvalorização. Passou de Shopping Center a um enorme barracão de chapas e tubos de ferro! O projeto lançado no dia 27 de maio de 2011 tinha quatro pisos, sendo dois na primeira fase e dois na segunda, com parques de estacionamento nos dois primeiros pisos, restaurante popular e um jardim infantil para os filhos das vendeiras. Anos mais tarde, faz-se o lançamento de uma nova maquete já com apenas um piso e nem se fala mais em nenhuma outra valência, consumando, assim, a sua desvalorização através dos anos!
3. É, precisamente, para essa desvalorização que se deve dirigir o olhar e a atenção de todos os cidadãos e munícipes, deste país e desta cidade da Praia. O desprezo do Mercado do Coco ao longo destes quase oito anos é um dos indicadores mais importantes do baixo valor que a Câmara Municipal da Praia atribui a uma das classes mais dinâmicas e poderosas deste país que são as vendedeiras, os proprietários, as rabidantes, que dão vida ao maior mercado de Cabo Verde que é o Sucupira. Talvez, seja mesmo, a maior área de financiamento de ensino superior por metro quadrado em todo o território nacional. Como é possível que um espaço de tamanha importância social e económica seja tão desprezado pela Câmara Municipal da Praia enquanto poder público?
4. O desprezo pelo Mercado do Coco revela-nos ainda uma outra atitude – a todos os títulos reprovável – por parte da Câmara Municipal da Praia e que consiste numa sistemática utilização do Sucupira e, logo, das pessoas que ali trabalham, como meros objetos de manipulação eleitoral. Faz isso três vezes! A primeira vez que se dá essa manipulação eleitoral é na altura do lançamento da primeira pedra do Mercado do Coco, efetuado no dia 27 de maio de 2011 (i), com um prazo de construção de 14 meses. Deste modo, a data de conclusão do Mercado do Côco é traçada para ser, precisamente, um mês após as eleições autárquicas de 1 de julho de 2012. Ou seja, no dia das eleições, as pessoas que ali laboram estariam todas nas mãos do candidato ainda em funções na CMP. A segunda vez dessa manipulação acontece a 20 de outubro de 2015 (ii), em que a Câmara da Praia anuncia a conclusão do mercado para o primeiro semestre de 2016, ou seja, dois meses antes das eleições autárquicas marcadas para 4 de setembro desse ano. Agora, estrategicamente – e pela terceira vez – no mês de março de 2019 (iii), a CMP faz o mais novo anúncio para a conclusão das obras do Mercado de Santa Engrácia do Côco apontando para finais de 2020, ou seja,com as novas derrapagens, o mercado ficará para ser entregue – novamente – depois das eleições autárquicas, desta feita, de 2020, com os eleitores do Sucupira, aflitos, a viverem o período eleitoral em pleno momento de distribuição de postos de venda do mercado!
5. Assim, confirma-se a reutilização da estratégia já usada no lançamento da construção do Mercado de Santa Engrácia do Côco que é a de manter condicionados os milhares de pessoas que ganham o seu pão no Sucupira, muitas das quais já estão ali desde os anos 90. Tanto nas eleições em 2012, como em 2016 e, agora, em relação a 2020, essas pessoas serão obrigadas a percorrer todo o período de campanha eleitoral a verem o futuro – para os seus negócios e para as suas vidas – envolto numa incerteza e insegurança. Sentimento que, talvez, subtilmente, serão convidadas a trocarem com os seus votos!
6. São os mesmos senhores e instituições que, depois, virão – hipocritamente – falar de democracia, condenação da compra de consciência e falso apoio à autonomia de homens e mulheres de modo a se tornarem independentes economicamente e blindados ao assistencialismo. A questão que fica é a de se saber se essas vendedeiras, proprietários e rabidantes, deixar-se-ão enganar por uma quarta vez, embalados por medidas de teatro, enquanto aquilo que é o centro das sua vidas, o seu ganha pão, é tratado com total desprezo e manipulação eleitoral por uma câmara municipal que deveria ser um parceiro do desenvolvimento socioecónomico dos seus munícipes!
(i) Praia com novo mercado no verão de 2012 – 27 maio 2011
https://noticias.sapo.cv/actualidade/artigos/praia-com-novo-mercado-no-verao-de-2012
(ii) Mercado novo da Praia vai estar concluído no primeiro semestre de 2016, afirma vereador – 20 outubro 2015
(iii) Mercado do Coco estará pronto até final do ano – 18 fevereiro 2019
https://expressodasilhas.cv/politica/2019/02/18/mercado-do-coco-estara-pronto-ate-final-do-ano/62414https://expressodasilhas.cv/politica/2019/02/18/mercado-do-coco-estara-pronto-ate-final-do-ano/62414
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