A vida é feita de perspetivas. Somos o reflexo das nossas próprias vontades. As nossas vontades também são, de certo modo o reflexo das perspetivas que a sociedade nos oferece.
Longe das luxúrias urbanísticas, longe das cosmopolizações, longe dos principais movimentos económicos, artísticos ou educacionais, onde a pobreza e a decadência são normas na vida das pessoas, a real e crua perspetiva de futuro termina quase sempre resumido à sobrevivência. Sobreviver de qualquer maneira. Mesmo com fortes aptidões sociais, artísticos, desportivos ou o que for, no fim, depois de sofrerem várias etapas duras da vida, os jovens e adultos destas realidades precárias acabam quase sempre se limitando à sobrevivência, em vez do simples viver, personificando a perspetiva da classe trabalhadora. A classe mais baixa e que usa o físico para sobreviver, sem necessitar de se atrever em moldar o futuro com as suas próprias ideias.
Em grandes cidades e famílias, com posses ou estatutos, ou simplesmente com um pé no mundo progressista, as perspetivas básicas passam por: Terminar a escola, fazer a carta de condução, fazer licenciatura, viajar até Marrocos, fazer o mestrado, comprar o carro prático e popular, viajar pelo mundo, fazer doutoramento em Londres ou Berlim, e ser investidor com mensalidade suficiente para comprar um t4 com jardim para a criação de flores exóticas.
As perspetivas menos ambiciosas de alguém das periferias ou aldeias não direcionadas para o pódio nacional, são por norma: Terminar o nono ano escolar, fazer o curso técnico profissional, conhecer as praias gratuitas do sul do país e trabalhar como escravo de terceiros para pagar o arrendamento de um t1 com espaço para por vasos à janela.
Como se fosse um legado social, as pessoas tendem em seguir as pisadas dos seus antecessores, da sociedade próxima que as rodeia e do que a sociedade, em geral, espera delas. Estas relações são fortes e profundas. Lamentavelmente, é sabido que a nível global o sistema de educação é adaptado à sua localização e público. Não sejamos ingénuos, institucionalmente, nas áreas abandonadas pelos estados, pior de que alunos desinteressados são os governos e professores que não os transmitem sonhos! Falo de alunos desacreditados por antecipação e que são indiretamente encaminhados para trabalhar nos projetos económicos dos outros, ou do próprio governo. Encaminhados para trabalhar como mão de obra ao invés de incentivados à criação e inovação. Isto sem respeitar individualidades, personalidades, e sem existirem muitas alternativas.
O poder de compra também faz parte do jogo. Aliás, é crucial como, por exemplo, ouvimos histórias de famílias que não podem suportar economicamente os estudos dos seus jovens. Há os que estudam e trabalham para cobrir as despesas do conhecimento e formação no mundo capitalista, mas como tudo na vida, a complexidade e a variedade das dificuldades são grandes, variando também de pessoa para pessoa e contribuindo em peso significativo, limitando as andanças dos destinos dos mais pobres e escravos da vida urbana.
Sempre que vejo alguém das periferias, das aldeias remotas, pobre e sem apoios válidos, a trabalhar o seu intelectual e a investir no seu sonho, não consigo evitar a satisfação de contemplar a existência de mais um rebelde social que quer quebrar as regras para construir as suas próprias e únicas pisadas.
Esta pessoa será o exemplo ideal para os mais novos, mostrando-os que o mundo é muito maior do que simples rótulos, e mostrando-nos que é o dever de todos, incluindo pais, ensinar e partilhar perspetivas elevadas de vida, mesmo onde não se esperam perspetivas.
Sonhar é uma condição natural, e deve ser para todos!
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