Volto a um tema que já falo desde 2010, pelo menos: Cabo Verde, desta vez (Abril), caiu dois lugares no ranking da Liberdade de Imprensa, segundo a Repórteres Sem Fronteiras. Contingências a determinaram. Mas este é um problema antigo, com futuro pouco risonho.
Aparentemente, este é um assunto desfasado e até anacrónico, por vir tão tarde (quatro meses depois), mas para mim faz todo o sentido pelo rumo que a imprensa vem tomando e da insistente mania de se condicionar a imprensa, independentemente de quem está no poder. Mas vale reflectirmos sobre isto: a organização não-governamental Repórteres Sem fronteiras divulgou em Abril o seu sempre aguardado relatório sobre os indicadores de liberdade de imprensa no mundo. E colocou Cabo Verde no 29º lugar entre os países mais livres para o exercício do jornalismo em 2016, dois lugares acima.
Quando as coisas correm de feição, aparecem, obviamente, declarações de regozijo e comemoração sobretudo do lado do Governo e quando é o contrário é a hipócrita oposição (que já esteve no poder) que ergue os braços em festejo. De facto, estamos, segundo a repórteres Sem Fronteiras, acima de muitos países do primeiro mundo em matéria de liberdade de imprensa.
O que, todavia, parece não incomodar a sociedade cabo-verdiana – porque não a notou ou fingiu não a ter visto – é o aumento significativo, desde sempre, de profissionais de comunicação social que se autocensuram no exercício da sua profissão. Aconteceu com o PAICV e está a suceder com o MpD, mas isso sequer importa.
Se é certo que, como faz saber a RSF, Cabo Verde se distingue pela “ausência de ataques contra jornalistas” e o quadro legal permite o exercício livre da comunicação social, não deixa de ser relevante observar que os próprios profissionais se escudam de investigar e denuncia este ou aquele assunto para evitar represálias. O último processo julgado contra jornalistas denunciado pela RSF vem de 2002, mas hoje há mais tentativas judiciais de condicionar a imprensa.
“Verifica-se um certo nível de autocensura devido á pequenez do país e à paisagem mediática que encoraja os jornalistas a não entrar em conflito com os potenciais futuros empregadores”, refere a RSF, sem, contudo, analisar este aspecto com a gravidade que o mesmo encerra.
Efectivamente, esta situação é, porventura, muito mais grave do que a agressão física e os processos judiciais, que são defensáveis. A autocensura, porque é individual e invisível, inibe a evolução do jornalista enquanto profissional e, por conseguinte, mata o jornalismo silenciosamente.
Ora, se o jornalista não se sente à-vontade para tratar esta ou aquela matéria é porque não é livre e isso deveria ser argumento de peso na hora de medir a liberdade de imprensa num determinado país. Mas não, nem mesmo a RSF parece dar importância ao facto de haver um número crescente de jornalistas que evitam abordar temas que colocam em causa determinadas pessoas (com poder, obviamente), como se tal fosse a coisa mais normal do mundo.
Ademais, se há medo nos jornalistas é porque há quem intimide, quem oprime, quem imponha o lápis azul para o próprio jornalista cortar informações. Esta é a pior forma de opressão, porque nunca se sabe do que o jornalista é ameaçado e por quem, concretamente. Apenas aceita, no seu profundo silêncio, que alguém ou o sistema o impeça, sem levantar a mão, a caneta ou a voz, de exercer livremente a profissão que escolheu para ajudar a consolidar a democracia, através do pluralismo, independência e o respeito pelas leis e pela justiça.
Processos judicias e agressões físicas podem, ao fim e ao cabo, não significar nada quando em causa está o ganha-pão do profissional, o sustento da sua família. Perder o emprego numa terra de poucas ofertas acaba por ser mais grave do que responder a processos por difamação.
A autocensura é, portanto, o suicídio do jornalismo. E se em Cabo Verde esse mal está a crescer, como então haver motivos para comemorar a liberdade da imprensa?
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