Governo que mente e Câmaras Municipais que enganam
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Governo que mente e Câmaras Municipais que enganam

1. Anteontem, pasmo, assisti à passagem, vezes sem conta, de um rodapé no telejornal da Televisão de Cabo Verde (TCV), dizendo: “Governo garante que 56% do programa alimentar já está executado. Linha verde está fluída e recebe 1000 chamadas por dia”. Agora, é hora de ver onde está a mentira neste rodapé. Primeiro, atira-se para o ar uma percentagem, não se vai longe demais porque, se não, as pessoas começam a desconfiar. Por isso, fica-se nos 56%, dá sempre aquela ideia de que mais de metade já está atendida. Depois, refere-se de forma muito vaga e imprecisa a uma “linha verde” sem especificar qual. Assim, cria-se a ideia de que a “linha verde” – aquela que passar pela cabeça de cada um – está a funcionar de forma maravilhosa! Nada mais falso!

2. A linha indicada pelo Governo para o registo no Cadastro Social8005200 – está a ser conhecida como a linha que não funciona! Há demasiadas pessoas a queixarem-se de que ligam até desistirem porque ninguém atende. Esta é a razão porque o Governo não divulga as estatísticas de chamadas realizadas, nem de medidas que toma para adaptar o número de atendedores ao volume de demanda! Nem é por acaso que chuta o número “mil chamadas”, um truque psicológico para passar a ideia de muitas chamadas. Aqui a transparência do Governo resume-se a um rodapé de telejornal!

3. O Governo – consciente de que as câmaras municipais não têm capacidade de pôr em prática essa entrega casa-a-casa – continua a mentir quando insiste em garantir a distribuição de apoios ao domicílio, mesmo com as redes sociais a serem diariamente inundadas com fotografias dos bairros suburbanos da Praia, como Jamaica, Achada Eugénio Lima, Safende, Fundo Cobom, etc. com concentrações de pessoas para receberem as chamadas cestas básicas: um saco de plástico com uma média de dois kilos de arroz, um de feijão ou farinha, outro de açúcar e um litro de óleo. Essas concentrações de pessoas representam um triplo fracasso de câmaras municipais: (i) Comprovam que os municípios não conseguem fazer a distribuição respeitando o distanciamento social, colocando em risco todas as pessoas que nelas são obrigadas a participar; (ii) Demonstram que as autarquias não conseguem montar uma estrutura de distribuição que seja planificada e atempada – vamos no 14º dia do Estado de Emergência e reina o caos na distribuição dessas chamadas cestas básicas e apoios na alimentação; e (iii) Permitem constatar que, afinal, os serviços sociais das câmaras municipais estão vazios de capacidades de trabalho no terreno. É caso para perguntar aonde foram parar os Centros de Desenvolvimento Social transferidos para os municípios? (1)

4. Deve-se notar que além da falta de preparação das câmaras, todo este caos na distribuição casa-a-casa tem que ver com um outro facto: nas primeiras explicações sobre como faria a distribuição, o Governo esclareceu que iria recorrer às associações, a voluntários, etc., mas, confrontado publicamente com a evidência do MPD ter tido sempre um discurso de criminalização e perseguição de associações, dá-se uma mudança de estratagema. É esta a razão por que, nesta hora, queremos chamar a atenção de todos para o facto da palavraassociações” ter sido banida das comunicações, tanto do Primeiro-ministro, como da ministra da família e inclusão social, e do próprio presidente da Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde (ANMCV). Agora, falam de “forças vivas”, mas na verdade, em diversos bairros, essas chamadas cestas básicas são entregues a conhecidos simpatizantes e cabos de campanha eleitoral do MPD para fazerem a sua distribuição! Haverá grau maior de cinismo na gestão desta crise pandémica?!

5. A continuar por este caminho, chega-se ao fim do Estado de Emergência e as câmaras municipais não conseguiram arrancar com a plena distribuição de todos os apoios aprovados pelo Governo! Facto! Por isso, as câmaras municipais deveriam ter maior sentido de estado e humildade em abraçar as propostas que lhe são apresentadas a favor de Cabo Verde e dos caboverdeanos que estão a sofrer, fechados nas suas casas. Às propostas já apresentadas, vimos acrescentar mais três:

a. Transparência nas distribuições através da divulgação dos planos de deslocações por bairro e que iriam facilitar o apoio daqueles que conhecem de perto a realidade socioeconómica das famílias nos bairros, ajudando no acesso à informação por parte daqueles que mais precisam;

b. Divulgação das listas de beneficiários que estão a ser utilizadas para a realização das distribuições;

c. Publicação das listas de “forças vivas” selecionadas para colaborar na distribuição das cestas básicas e outros apoios, de modo a evitar especulações que têm estado na origem de conflitos com associações abordadas pelos moradores como tendo sido indicadas como os responsáveis pelas distribuições nos seus respetivos bairros, quando, na verdade, estas “não foram tidas nem achadas”!

1. Assinatura Protocolo da Municipalização dos Centro de Desenvolvimento social, 9 de Março de 2017, https://www.governo.cv/assinatura-protocolo-da-municipalizacao-dos-centro-de-desenvolvimento-social/

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