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Desvarios abraâmicos
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Desvarios abraâmicos

Peço paciência às pessoas que vão ler isto que aqui deixo, a propósito do desconchavo de Abraão Vicente (entrevista do ministro da cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, ao Mário Rufino, da revista portuguesa online, Comunidade, Cultura e Arte, no dia 10 de Outubro do corrente ano). Não fosse o receio de ver institucionalizado no meu país a barganha de um trânsfuga-sacripanta, nada me moveria a perder pitada de tempo com baboseiras do tipo.

Vamos então ao essencial dos disparates desse governante. O ministro da (in)cultura e da despromoção da criatividade de Cabo Verde, a dado passo da sua pseudo-entrevista afirma «Há mais de vinte anos que não desponta no panorama cabo-verdiano um novo nome. Os novos estão consolidados: Germano de Almeida, Vera Duarte, Filinto Elísio, José Luiz Tavares. Mesmo o Joaquim Arena, que tem dois romances fantásticos, acaba por não despontar». 

Se assim é, então, pergunto a essa cretina criatura de palanque se os oficiantes que a seguir já indico não emergiram nos últimos 20 anos?

Dina Salústio, com o seu notável romance, Louca de Serrano, 1998.

Carlos Araújo, grande prémio SONANGOL de Literatura, 1999.

António Ludgero Correia, grande prémio SONANGOL de literatura, 2006.

Leão Lopes Filho, grande prémio SONANGOL de Literatura, 2011.

Mário Lúcio Sousa, prémio literário Carlos de Oliveira, 2009.

O mesmo, prémio Miguel Torga de Literatura, Coimbra, 2015.

Ainda Mário Lúcio Sousa, prémio PEN CLUBE – Portugal, 2016.

O imaturo e atarantado catita, Abraão Vicente, saltita de galho em galho de sua mofina bazófia, passando de flatus vocis em flatus vocis, indo trepar o cume de non sense e sopra, ao estilo de uma barata tonta, e ex novo «Sou abertamente defensor de uma oficialização simbólica do crioulo. Com o tempo, os estudiosos hão-de perceber como haveremos de criar uma gramática e uma metodologia de estudo que abarque todos os crioulos. Enquanto eu digo crioulo, os estudiosos dizem língua cabo-verdiana, ou seja, todos as línguas crioulas de todas as ilhas com todos os sotaques e todas as palavras. Não percebo a ideia de termos de padronizar. Isso significaria perder a riqueza da língua cabo-verdiana. Há palavras em Santo Antão que não existem em Santiago, e vice-versa. Há palavras na Brava que não existem na Ilha do Maio nem em São Nicolau. Padronizar é algo que soa estranho».

Chamar “línguas crioulas de todas as ilhas” é uma patranhice sem paralelo na história de Cabo Verde. Até parece que há reinos, tribos e etnias no nosso país. Por amor de Deus! Alguém com poder deve tomar nota desses desvarios abraâmicos. O coitado não deve ter lido a história literária de Espanha, Itália e Alemanha. Só alguém de cabeça completamente oca pode fazer tal juízo das coisas. Não, senhor Vicente! A padronização é fundamental, porque só ela pode garantir a uniformização na escrita e no ensino do crioulo. Duvido que o ministro Abraão Vicente tenha lido, alguma vez, com seriedade, algo sobre a matéria.

Enfim, o provincianismo desse saloio governante chega a roçar o montículo de estrume, quando emborca, com intencionais e maléficas insinuações, a respeito da hipotética não participação de escritores nacionais de grande relevo ao evento «Nós desmentimos no mesmo dia porque obviamente não é verdade. Tanto o Germano como o Arménio reconfirmaram nas horas a seguir. Quando dei conta, fiz os contactos para perceber o que se tinha passado. José Luiz Tavares não aceitou participar no festival por achar que nós convidámos primeiro o Mia Couto, o Agualusa, outras pessoas de fora, e não fizemos o tratamento protocolar que ele achava que nós deveríamos fazer. Eu acho que é uma “não-questão”. Os escritores têm o direito de recusar em participar em qualquer evento. Nenhum país ou nenhuma organização deve aceitar discursos com até alguma tonalidade… não diria racista, mas falar de empresas estrangeiras… Estamos a falar de gente que trabalha num outro país durante décadas, trabalha numa instituição estrangeira, depois o seu país – onde ele não vive – organiza um evento e contrata uma empresa do país onde ele vive, do país onde ele trabalha. E ele começa com estes discursos. Nenhuma organização se deve submeter a vontades de uma pessoa que quer boicotar um evento porque ela acha que o nome do evento não é bom…».

Tudo isto, numa pose sobranceira, num tom descontraído e num discurso coloquial, à rasca, de nível muito baixo e, sinceramente, desapropriado para um governante de país civilizado. Como se pode ver tal tirada tem como escopo principal, ainda que velado, causar um dano à imagem do cidadão nacional em causa. Porém, esta parte vou deixar para o visado, que saberá dar o vigoroso e merecido troco. Apenas, para terminar, quero apelar a quem de direito que mande encurralar esse estranho sujeito no seu devido lugar, pois com a entrevista dele ficamos sem saber se é ministro da cultura de Portugal ou de Cabo Verde. A dignidade do cargo exige a tomada de medidas urgentes, para salvaguardar a honorabilidade das pessoas atingidas por esse discurso leviano de Abraão Vicente. Tal como disse aquando da sua nomeação, não vou mudar de ideias: o indivíduo não está preparado para tão elevado cargo. Ele pode embirrar comigo para o resto da vida, se assim quiser. Nada que me atrapalhe ou tire sono.

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