Assim vai a nossa Democracia e a Governação de nova vaga
Colunista

Assim vai a nossa Democracia e a Governação de nova vaga

Este país que é considerado bem governado, não consegue garantir a segurança da sua população. Os crimes passaram a ser pouco divulgados, para não prejudicar o turismo e a imagem do país. No entanto, até 2016, havia plantão de serviço na porta das urgências dos hospitais que passavam as notícias de feridos e mortes, na hora, e a conferência de imprensa era diária, por parte da oposição que criticava severamente a situação. Mudam-se os tempos, os protagonistas e as vontades! Quando o Superintendente de uma instituição como a Igreja Nazareno, vem à comunicação social dizer que chamou a televisão porque está afrontado com os assaltos a quase todas as igrejas na Praia; uma delas situada numa zona privilegiada, a 12 (doze) metros, de uma embaixada que é da maior potência mundial, cercada de câmaras de videovigilância, com segurança privada e da Polícia Nacional, durante 24h00 por dia, dá para perceber o inferno em que vivem as pessoas de Achadinha, Castelão, Águas fundas, Alto da Glória, Safende, Ponta d´Água, etc.

De vez em quando, ouvimos alguns políticos cabo-verdianos a regozijarem-se com a nossa classificação no ranking internacional em termos de democracia e boa governação. Infelizmente, a democracia e a governação cabo-verdianas padecem de patologias graves que The Economist Intelligence Unit e Mo Ibrahim Fundation não conseguem enxergar.

Não é preciso ser-se cientista político para se concluir que a pontuação que Cabo Verde vem recebendo periodicamente peca por excesso e que a nossa democracia não tem nada a ver com a terminologia usada pela 1ª vez pelo historiador grego Heródoto, no século V a.c. ou com a classificação atribuída pelo 16º Presidente dos Estados Unidos da América, Abrham Lincoln, que a considera “governo do povo, pelo povo, para o povo”. De acordo com ditado popular: Kenhe ki durmi ku si duenti ki sabe modi ki korpu sta.

Como atribuir nota positiva a uma democracia que se resume na ida às urnas de cinco em cinco anos; que despreza uma outra dimensão importante que é a democracia participativa, em que os cidadãos podem exprimir-se no espaço público, opinando nos jornais, nas rádios e nas televisões de forma livre?

Nesta democracia, à cabo-verdiana, nas vésperas da ida às urnas, distribui-se dinheiro, que nunca mais acaba; contratam-se taxistas informais, ou seja, os clandestinos, dizendo-lhes: vocês têm cinco mil escudos diários, com a condição de afixarem os cartazes do nosso líder nas vossas viaturas; integrarem os desfiles das nossas caravanas, sem prejuízo das vossas fretes e sem qualquer impedimento por parte das autoridades. Ainda, ex-reclusos são recrutados e pagos para garantir a proteção dos candidatos da situação e amedrontar as candidaturas adversárias.

As pessoas, que por algum infortúnio, foram parar à prisão mereciam, numa democracia decente, uma reinserção social digna, permanente e não sazonal (de cinco em cinco anos). Os próprios taxistas clandestinos merecem uma alternativa legal que lhes permita sustentar as suas famílias.

Então, a revista The Economiste não sabe nada da distribuição de materiais de construção civil, malas térmicas para peixeiras e bicicletas para peixeiros em plena campanha eleitoral? Passados dois anos, muitas dessas bicicletas já estão sem rodas ou com outras avarias à espera das próximas eleições para que esses ciclistas-peixeiros recebam do donatário-candidato pneus e peças sobresselentes.

É democrático a diabolização da oposição, considerando-a repleta de burros, analfabetos, corruptos e ladrões quando se sabe que não pode haver regimes democráticos sem oposição? É democrático um partido que sustenta o governo não absorver uma única proposta dos partidos da oposição durante toda uma legislatura?

Quem não se lembra da presidente de um certo Instituto que luta pela igualdade e equidade de género, que desempenhava com esmero e dedicação o seu trabalho, que foi corrida a partir do momento em que assumiu publicamente que fez de tudo para que um deputado que praticava a violência doméstica respondesse perante a justiça? O azar dela deveu-se ao facto de o deputado agressor não ser da oposição.

Muito recentemente, um diretor, há poucos meses de concluir a sua comissão de serviço, teve a mesma sorte. Eu já tinha prognosticado o seu destino, por ter lido vários artigos críticos à governação, principalmente, no que se refere ao tratamento pouco digno dispensado ao interior da ilha de Santiago.

A Presidente da Comissão Nacional de Eleições já deve ter todos os seus pertences arrumados, para regressar à procedência. A sua integridade, competência e honestidade não estão em causa para a renovação da sua comissão de serviço.  O “crime” foi ter discordado do governo, quando se manifestou contra o modelo de bancarização proposto por este e ter exigido o fim da unidade orçamental da Comissão Nacional de Eleições e a Assembleia Nacional.

O Comandante Manuel Alves, que prestou à nação quase quatro décadas de relevantes serviços, um oficial da PN muito querido, principalmente, pelos seus subordinados, um formador nato, que até 2018 era tido como um dos melhores dentro da corporação, também caiu na desgraça, quando, possivelmente, convencido que este  nosso regime de nova vaga é democrático, disse numa reunião, do Conselho de Disciplina da Polícia Nacional, de que era membro, que o processo disciplinar forjado a um oficial superior, em análise, era inválido, desnecessário, que roçava à perseguição e que devia ser arquivado. A partir desse seu posicionamento, experimentou todo o tipo de discriminação e perseguição que culminou na sua exoneração, há menos de um mês, para a sua passagem à reforma, ainda, acrescida de um grande corte salarial.

A página do Facebook do Comandante Alves foi peneirada diariamente durante 4(quatro) anos, por um ministro que juntou calhamaços de opiniões (o que nos faz recordar o tempo da PIDE), para dar entrada no tribunal a ver se conseguia algum beneficio monetário a partir das publicações deste “pobre” Oficial.

Deus escreve certo por linhas tortas.  Se este movimento e este governo, tivesse dirigido Cabo Verde no tempo do partido único, teria sido o período mais negro e sanguinário vivido por um país na história mundial; só comparável ao sangrento e pior regime do ex-primeiro ministro cambojano Pol Pot.

Uma das causas do excesso de processos nos nossos tribunais, ao contrário do que muitos dizem, não se deve à pouca produtividade dos nossos magistrados, é essencialmente por ação e omissão dos nossos governantes.

A democracia e a boa governação estão intrinsecamente ligadas. O país que em pleno século XXI estabelece o salário mínimo de treze mil escudos e paga cinco mil, o equivalente a 45 euros, em Santo Antão; não estará a submeter uma parte da população à escravatura abolida em muitos países há séculos?

O Governo que falhar nas áreas sociais como: a saúde e a segurança, falha em tudo. Os cabo-verdianos, principalmente os carenciados, descobriram a sua Meca - no Senegal - para a sua peregrinação. Essa viagem, não tem como objetivo a procura das bênçãos do profeta Alá, mas, sim, da saúde que os governantes cabo-verdianos negam a prestar ou prestam de forma muito deficiente. Infelizmente, a maioria dos “coitados” só são evacuados para Portugal, quando começam a sentir o cheiro da tábua.

Este governo de avales, já enterrou milhões numa companhia área que dizem que é de bandeira, detentora de um único avião. No entanto, para a saúde nem um único aval para a aquisição de equipamentos modernos, limita-se a estender as mãos para receber dádivas de equipamentos tirados de circulação noutras paragens.Os nossos governantes não se preocupam com este estado de coisas, porque eles não fazem essa peregrinação; têm passaportes diplomáticos; não precisam de vistos e, com recursos públicos, pagam as suas consultas na Europa.

Enquanto redigia este artigo, ouvi o nosso vice-primeiro-ministro e ministro das finanças, num programa radiofónico, a comparar este governo com o futebolista português Cristianos Ronaldo e a afirmar que Ronaldo é bem pago, porque dá resultados. Dias atrás, o mesmo afirmava que o nosso primeiro-ministro ganhava apenas 264000 mil escudos. Contudo, faltou-lhe dizer que o primeiro-ministro português Dr. António Costa recebe 5.700 euros mensais, 7 (sete) vezes o salário mínimo praticado em Portugal que são 705 euros ou 78000$00 e que o primeiro-ministro de Cabo Verde recebe 20 (vinte) vezes o salário mínimo praticado em Cabo Verde que é de 13.000$00, ou seja, 118 euros e, mais, que Portugal tem 92000km2 e que Cabo Verde são 9 montículos no oceano com 4000 km2.

Partindo deste pressuposto, o nosso primeiro-ministro devia receber 104.000$00 (cento e quatro mil escudos).

O vice-primeiro ministro, como meu ex-vizinho na Achadinha de Cima, Pé de Monte, é uma pessoa do bem. Sei que está muito preocupado com o clima de insegurança que grassa na cidade da Praia. Que sabe que neste momento todos os praienses estão no corredor da morte e que o risco de circular atrás da casa dos nossos pais, a partir das 18h00, é igual ou superior ao da favela de Heliópolis, no Estado de Bahia, no Brasil.

Sei que enquanto vice-primeiro ministro, está com dó das pessoas que estão a dar entrada nas morgues dos hospitais do país, devido à onda de criminalidade. Também estou convencido que se fosse primeiro-ministro, o ministro que tutela a pasta da segurança interna estaria livre, para se dedicar a outras atividades como, por exemplo, manter-se informado sobre as publicações no Facebook

Este país que é considerado bem governado, não consegue garantir a segurança da sua população. Os crimes passaram a ser pouco divulgados, para não prejudicar o turismo e a imagem do país. No entanto, até 2016, havia plantão de serviço na porta das urgências dos hospitais que passavam as notícias de feridos e mortes, na hora, e a conferência de imprensa era diária, por parte da oposição que criticava severamente a situação. Mudam-se os tempos, os protagonistas e as vontades!

Quando o Superintendente de uma instituição como a Igreja Nazareno, vem à comunicação social dizer que chamou a televisão porque está afrontado com os assaltos a quase todas as igrejas na Praia; uma delas situada numa zona privilegiada, a 12 (doze) metros, de uma embaixada que é da maior potência mundial, cercada de câmaras de videovigilância, com segurança privada e da Polícia Nacional, durante 24h00 por dia, dá para perceber o inferno em que vivem as pessoas de Achadinha, Castelão, Águas fundas, Alto da Glória, Safende, Ponta d´Água, etc.

Tinha alguma expectativa, em como o governo, como manda a boa educação, daria uma explicação pública à situação relatada pelo Superintendente, mas como este governo considera-se um gigante, um ser superior e os restantes mortais uns mosquitinhos, não deu nenhum cavaco a uma figura tão ilustre e respeitada. A comunicação é fundamental. O queixoso deve ser informado periodicamente sobre o andamento do processo. Infelizmente, em Cabo Verde, as autoridades de investigação criminal não dão qualquer cavaco aos queixosos.

 Com esta democracia e governação de nova vaga, apenas nos resta fazer como cantou o Gil Semedo:

 "Midjor nu fitxa nos odju nu finge ma nu ka sa ta odja

 Midjor nu pila nos badju pa nu esqueci es mundo (Cabo Verde) mariadu."

 

 Praia, 8 de dezembro de 2022

           

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