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A caçada em Bacio e o poder dos imbecis
Colunista

A caçada em Bacio e o poder dos imbecis

Há uma tendência um tanto ou quanto perigosa da parte do atual poder de desrespeitar os cabo-verdianos, com atitudes de arrogâncias e zombarias recorrentes. Já pouca coisa surpreende por estas bandas. Cada dia que passa aparece mais um aprendiz de feiticeiro a querer transformar açúcar em sal, hipocrisia em amizade, palavras em ações, e por aí vai…

Enfim, é o poder dos imbecis... não tem pudor, não tem balizas, não tem consciência. Porque a imbecilidade é ridícula, tacanha e mesquinha.

Vem isto a propósito do ritual da caçoada e vitupério que o presidente da Câmara Municipal de São Miguel, Herménio Fernandes, submeteu o país, a ilha de Santiago, o concelho de São Miguel, e os seus filhos e residentes, quando chamou os órgãos de comunicação social para divulgar um ato de indemnização, que resulta do cumprimento normal das leis da República.

Não passa de um ato de achincalhação, submeter um país inteiro ao ridículo de estar a aturar um ato administrativo corriqueiro, que é o pagamento de indemnização aos proprietários de terrenos arrendados a uma empresa privada para instalar uma unidade de produção de energia.

Com efeito, o que é que um ato desses tem de novidade? Absolutamente nada. A não ser o facto de se estar às portas das eleições e se queira mais uma vez lançar poeiras aos olhos dos eleitores…

Porque, de novidade não se viu, nem se ouviu, nada. Efetivamente, assistiu-se apenas aos zumbidos de um gasto discurso de conveniências, numa altura em que há de se fazer das tripas coração, e vice-versa, para massagear, ou melhor, confundir a consciência do cabo-verdiano e assim levá-lo mais uma vez ao “matadouro” do voto, sem dó, nem piedade!

Convém, no entanto, observar a fraude, não venha o diabo tecê-las, quanto mais não seja, para não virem aqui se esconder na esquina da esperteza saloia de que alguém esteja contra as famílias do concelho, ou com ciúmes dos bons trabalhos desenvolvidos pela equipa camarária, e demais mimos habituais e conhecidos.

Notícias dizem que são 22 hectares de terreno e o valor das indemnizações atingem o montante de 9.923.850 escudos. Feitas as contas, temos qualquer coisa como 451.084 escudos por cada hectare. Tendo em conta que um hectare equivale a 10 mil metros quadrados, significa então que, por cada metro quadrado de terreno ora tomado pela autarquia, as famílias vão receber 45 escudos.

E a novidade, a haver, está precisamente aqui! Imagine, caro leitor, uma indemnização a 45 escudos o metro quadrado, com honras de divulgação na televisão e rádio públicas, como sendo o cumprimento de um grande compromisso, a materialização de um programa de governação local de excelência, enfim, um ato político a ser seguido pelo país inteiro… O que é isso? Para onde caminha este país?...

E sabe o leitor que, segundo informações de alguns eleitos locais publicadas nas redes sociais, nessa mesma zona, o presidente da Câmara Municipal de São Miguel já tinha tomado os terrenos das pessoas, pelo valor de 32.000 escudos cada parcela de um litro de sementeira, correspondente a mais ou menos 1.000 metros quadrados, portanto, comprados a 32 escudos o metro quadrado? E sabe o leitor que esses mesmos terrenos foram loteados e vendidos em leilão por valores entre 500.000 e 700.000 escudos o lote, sendo certo que cada parcela terá resultado em cerca de 4 lotes? 

E sabe ainda o leitor, que o presidente da Câmara Municipal de São Miguel não introduziu quaisquer infraestruturas urbanísticas no local, e que apenas tomou terrenos nas pessoas para logo a seguir lotear e vender, sem investir um centavo no local, apenas porque acha que está investido de poder para fazer e desfazer como bem entender?

Numa situação normal, caro leitor, como é que classificaria este ato do senhor Herménio Fernandes em relação aos proprietários dos terrenos de Bacio?... Caçada?... Roubo?... Usurpação?... Extorsão?... Abuso de poder?... Como?...

Reflitamos, pois, caro leitor. O país, que somos todos nós, precisa tomar medidas para combater o poder dos imbecis. Este povo, humilde, trabalhador, honesto, precisa de proteção. As instituições democráticas devem trabalhar para assegurar o funcionamento do Estado de Direito. E as instituições, tal como o Estado, somos nós. Todos nós.

Os 45 anos da independência nacional e os 29 de regime pluripartidário exigem de nós mais responsabilidade e mais engajamento na defesa das Leis e do Direito. Ninguém deve ficar calado, porque a responsabilidade é coletiva.  

Para fechar, temos que, se o senhor Herménio Fernandes estivesse a agir com seriedade e respeito para com as pessoas e o país, certamente que estaria, sim, a chamar a comunicação social para divulgar o pagamento de salários em atraso dos trabalhadores municipais, e assim cumprir com a promessa de garantir a felicidade para todos, e nunca a promover um ato indemnizatório que mais não fará do que empurrar esses proprietários para mais pobreza a partir de agora.

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SOBRE O AUTOR

Carla Carvalho

Editora e colunista de Santiago Magazine, política, socióloga, professora universitária, pesquisadora em género e desenvolvimento