Já lá vão 7 meses que as mais de duas centenas de funcionários da Câmara Municipal de São Lourenço dos Órgãos (CMSLO) aguardam a reposição de parte dos seus salários, bruscamente reduzidos pelo edil, Carlos Vasconcelos. O processo dorme nos tribunais e os funcionários e respectivas famílias enfrentam dificuldades de toda a ordem para viver, educar os filhos e honrar os compromissos do dia-a-dia.
A situação é dramática. É consensual que o salário praticado em Cabo Verde anda aquém da inflação e das demandas das necessidades básicas do cabo-verdiano. Se isto for verdade, imaginemos a vida de alguém que, de um momento para outro, viu o seu salário baixar-se. Porque o normal – e que é naturalmente aquilo que se espera – é o salário subir, e nunca o contrário.
Porém, em São Lourenço dos Órgãos, os salários dos trabalhadores municipais "foram reduzidos, de forma drástica, sem aviso prévio e sem uma justificação fundamentada, firmada nas leis e nos fundamentos dos direitos fundamentais, para, ao menos, massagear as dores e calar as mágoas". Esta é a opinião generalizada das pessoas que falaram com Santiago Magazine, sobre a vida dos trabalhadores municipais daquele município da região norte de Santiago.
E dizem isso, porque têm visto que “as dores são muitas e as mágoas estão visíveis nos olhares, nos gestos e nas acções”. Muitos defendem que São Lourenço dos Órgãos está perante uma calamidade social. São mais de 200 trabalhadores e todos viram os seus salários reduzidos. Muitos para metade. Outros para abaixo de metade.
Este diário digital ficou a saber que alguns tinham compromissos bancários e passaram a não cumprir com as amortizações porque o salário deixou de cobrir as despesas básicas, como alimentação e higiene. “São dias difíceis, vividos por pessoas que pagam os seus impostos, cuidam dos seus familiares e contribuem para a paz social, o equilíbrio comunitário e a seriedade de uma vida assente em trabalho sério, respeito pelo outro e partilha de bons costumes”, lamenta um munícipe.
E o quadro está negro em São Lourenço dos Órgãos. “Não só para os trabalhadores e seus familiares, mas por todo o concelho, porque esta decisão de reduzir salários dos trabalhadores não foi aceite pela comunidade laurentina, embora poucos falam, mas os gestos, as acções, dizem tudo”, adverte um funcionário municipal, sob anonimato.
Exemplos de problemas e dificuldades reais que este assunto criou na vida dos trabalhadores municipais não faltam. Odílio Batalha (foto) é um dos trabalhadores que tem enfrentado grandes dificuldades para superar os estragos que a redução dos seus salários provocou na sua vida pessoal e familiar. Ele tem 34 anos e é pai de 2 filhos. Odílio é cego e entrou na CMSLO em Setembro de 2006, como telefonista, auferindo um salário de 18 mil escudos.
Embora deficiente visual, este jovem pai e chefe de família nunca cruza os braços e se deixa vergar-se por causa da cegueira. Por isso, face às oportunidades que o emprego na CM lhe proporcionara, estudou, e em 2015 concluiu a sua licenciatura em Serviço Social e Políticas Públicas. Odílio é um típico caso de superação.
Logo no início de 2016, no quadro da aplicação do novo Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), aprovado pelo Governo em 2013, Odílio foi reclassificado pela anterior Câmara Municipal, liderada por Victor Baessa, para o cargo de técnico. Assim, de 18 mil escudos mensais, o jovem deficiente visual passou a receber um salário mensal de 65 mil escudos.
Odílio começava a ver o retorno dos seus investimentos e o reconhecimento dos seus esforços por parte de quem testemunhou de perto as canseiras e privações, pessoais e familiares, a que se submetera para conseguir uma vida melhor para si e sua prole. Entretanto, um ano depois, vê o seu salário reduzido e os seus compromissos e sonhos lançados no baú do descrédito e das lamentações.
Odílio está doente. Precisa de tratamento médico especializado. Por isso precisa de meios, precisa de dinheiro para tratar da sua saúde e para pagar os seus compromissos pessoais e familiares.
Osvaldo de Pina é outro caso com alguma complexidade entre os funcionários da CMSLO. Neste mesmo processo, Osvaldo de Pina, que antes recebia 23 mil escudos mensais, passou a receber 53 mil escudos, no quadro do novo PCCS. Com a medida de Carlos Vasconcelos, o seu salário regressou à base, ou seja, voltou aos míseros 23 mil escudos mensais. Este homem é chefe de uma família composta por 7 elementos, sendo o único com rendimento fixo mensal. Para complicar ainda mais a situação Osvaldo tem 2 filhos menores com problemas de saúde e que exigem acompanhamento médico e medicamentosa permanente.
Neste momento, este chefe de família está a enfrentar um problema bancário, “que o tem conduzido ao desespero e ao stress frequentes”. Porquê? Porque com a redução dos seus salários, Osvaldo já não consegue pagar os seus créditos bancários. Todos os meses tem que arranjar mais 500 ou mil escudos para completar o equivalente às prestações mensais junto do banco.
A esperança do Osvaldo - que é também de todos os trabalhadores da CMSLO - é que o Supremo Tribunal da Justiça venha a decidir a favor da reposição dos seus salários, nos termos da transição para o novo PCCS, decidido pela Câmara anterior, liderado por Victor Baessa.
Santiago Magazine pôde testemunhar um clima de muita apreensão, medo e desmotivação no seio dos trabalhadores municipais.
Carlos Vasconcelos foi eleito presidente da Câmara Municipal de São Lourenço dos Órgãos pelo MpD, em Setembro de 2016, quando venceu o então detentor do cargo, Victor Baessa, do PAICV.
Logo que empossado, uma das primeiras medidas que este edil tomou foi emitir uma providência cautelar junto do Supremo Tribunal da Justiça contra o processo de aplicação do novo PCCS, em que os trabalhadores municipais viram os seus salários melhorados significativamente, pedindo a suspensão desta decisão administrativa tomada pelo colectivo camarário anterior. Vasconcelos entendeu e entende que a transição do pessoal da CMSLO foi feita sem respeito pela lei. Por outro lado, defende ainda que a edilidade encontra-se numa situaçãoo financeira difícil, que impossibilita o cumprimento deste acto administrativo da equipa anterior.
Na ocasião, o autarca dos Órgãos aventara inclusive a hipótese de diminuir os trabalhadores, como de libertar verbas para realizar investimentos. Entretanto, não avançous com este intento.
Por seu turno, o Supremo Tribunal da Justiça dá provimento ao pedido de Carlos Vasconcelos, e em Abril de 2017, todos os funcionários da CMSLO viram os seus salários reduzidos, passando para a situação anterior, ou seja, para antes da aplicação do novo PCCS.
No grupo, foram também anuladas todas as reclassificações do pessoal que fez licenciatura e outros graus de formação, bem como as actualizações salariais de um grupo de trabalhadores auxiliares que antes recebiam menos que o salário mínimo praticado no sector público. Ou seja, um grupo de trabalhadores que antes recebiam um salário mensal entre 6 a 8 mil escudos e passaram a receber 15 mil, que é o mínimo praticado no sector público.
Com os salários reduzidos a partir de Abril, em finais Julho de 2017, ou seja 3 meses depois, os trabalhadores foram notificados pelo tribunal e imediatamente constituíram advogado, e em Setembro, entraram com a sua defesa no tribunal.
Hoje é último dia de Novembro e ainda aguardam pela decisão judicial.
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