O capitão do cargueiro ESER, flagrado no ano passado na Praia com dez toneladas de cocaína a bordo, foi o único dos 11 arguidos no processo a ser interrogado durante toda a manhã desta segunda-feira, 27, data de arranque do julgamento do caso conhecido como "Operação ESER". Negou ter conhecimento de droga a bordo, mas indicou seu possível dono.
Ao longo de quase cinco horas de interrogatório, Sergey Kotrovskii, de 75 anos, contou ao colégio de juizes que está a julgar o processo - liderado por Ângela Rodrigues e que integra ainda os juizes Alcides Andrade e Mirtha Andrade - e aos representantes do Ministério Público (Manuel Espírito Santo, fez o auto de acusação) que nem ele, nem os restantes membros da tripulação sabiam que tipo de carga estavam a transportar.
Segundo disse em russo e traduzido por dois cabo-verdianos, ele e mais três outros tripulantes estavam a trabalhar num outro navio, virado para transporte de cargas congeladas, e foram contratados por uma agência russa para trabalharem no ESER entre a Europa, África do Norte e Caraíbas. Kotrovskii revelou que fizeram algumas reuniões na Rússia para acertarem os meandros do contrato de trabalho, tendo ficado estabelecido que a agência teria de lhes enviar 17 mil euros para comprarem 13 passagens de avião na Espanha de onde seguiriam para a América do Sul, onde os aguardava o ESER.
Depois de negar ter tido conhecimento de que estava a transportar droga, o capitão admitiu que essa carga poderia ter sido introduzida no navio no Panamá, onde fizeram uma curta paragem por causa de uma avaria no motor. A justificação é de que a tripulação estava num hotel longe do porto, mas a acusação contrapõe com o facto de um capitão nunca dever abandonar um barco sob seu comando.
Seja como for, outro dado a reter deste primeiro dia de julgamento dos onze russos suspeitos de transportarem 10 toneladas de cocaína, é que pela primeira vez surge um nome como possível dono dessa mercadoria: Don Alfonso, um suposto mafioso espanhol, que teria utilizado uma agência para contratar esses marinheiros para o ESER. Isto depois de a imprensa irlandesa ter lançado a ideia, citando um responsável da polícia daquele país, que as des toneladas de cocaína seriam do líder da máfia da irlanda, o The Kinahan. Mas a crer nas informações avançadas em sede do tribunal pelo capitão do ESER, Sergey Kotrovskii, o dono da carga que ele transportava e que desconhecia seu conteúdo, é o espanhol Don Alfonso.
O julgamento dos onze russos começou esta manhã, 27, e deve prolongar-se por mais quatro dias, até 31 de Janeiro, data que completa precisamente um ano da sua detenção no porto da Praia. Um forte dispositivo de segurança foi montado ao redor do tribunal da Praia, com cerca de duas dezenas de polícias (PN) armados com AKM a controlar o lugar.
Santiago Magazine sabe que esse aparato policial de segurança foi montando a pedido do advogado de defesa, Martinho Landim, estando envolvidas todas as forças de segurança, desde a PN, PJ até o serviço de Informação da República (SIR). Para tal foram disponibilizados 17 carros e dezenas de agentes de segurança que monitoram cada centímetro ao redor do tribunal. A própria sessão de audiência, assistida pelo cônsul da Embaixada russa em Cabo Verde, foi limitada ao público por precaução.
Este jornal soube ainda que os agentes estão no tribunal desde as 4 horas de madrugada, para garantir toda a segurança dos arguidos - aliás, as ruas de frente de trás do tribunal estão praticamente fechadas para curculação automóvel - cujos depoimentos serão cruciais para desvendar a origem e destino dessa enorme quantidade de droga e os respectivos donos.
O julgamento continua estar terça-feira com mais esclarecimentos do capitão do navio e os demais tripulantes.
No dia 31 de Janeiro do ano passado, a Polícia Judiciária encontrou 9.570 quilos de cocaína - 260 fardos (volumes) - num cargueiro russo, chamado ESER, que atracou no Porto da Praia. Todos os 12 tripulantes foram então detidos e presos preventivamente por tráfico internacional de droga.
Na operação de busca, descarga, acondicionamento, transporte e guarda do produto apreendido, a PJ contou com a cooperação e suporte técnico da Polícia Judiciária Portuguesa, da Polícia Nacional Francesa, bem como das forças de segurança nacionais, designadamente, as Forças Armadas, Polícia Marítima e ainda a ENAPOR e do Porto da Praia.
Esse cargueiro, oriundo da América do Sul, tinha como destino a cidade de Tânger, no norte de Marrocos, mas fez uma escala no Porto da Praia para cumprir os procedimentos legais relacionados com a morte a bordo de um dos 13 tripulantes que iniciaram a viagem desde a América do Sul. Sucede que a PJ já estava na posse de informações de que se tratava de uma embarcação suspeita de transportar uma quantidade indeterminada de estupefacientes. E, a troca de informação operacional com o MAOC-N (Maritime Analysis and Operations Centre – Narcotics), com sede em Lisboa, a judiciária cabo-verdiana punha em marcha a "Operação ESER", a maior quantidade de droga alguma vez apreendida em Cabo Verde.
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