O académico e auditor de segurança interna José Rebelo, com carreira nas unidades especiais da polícia cabo-verdiana, considera que falta compreensão sobre a criminalidade no arquipélago, em que o número de processos-crime tem aumentado.
“A criminalidade tem andado à frente da compreensão do fenómeno”, diz, em entrevista à Lusa, salientando que a falta de consenso sobre o tema reflete-se numa “incapacidade em controlar a situação” e “tomar medidas certas” para reverter a tendência.
O homicídio à queima-roupa, com um disparo pelas costas, de Nilsa Lima, uma adolescente que estava na rua com amigos, na noite de 14 de agosto, relançou este debate sobre a segurança na cidade da Praia.
Apesar de o país e a sua capital estarem longe das listas de lugares célebres pela criminalidade a nível mundial, localmente há uma perceção de insegurança que motiva discussão.
“Partimos de cerca de 10.000 crimes em 1996 e hoje estamos a rondar os 30.000 por ano”, destacou, olhando aos casos abertos pelo Ministério Público, que têm origem em ocorrências registadas pela Polícia Nacional e outras entidades, como a Polícia Judiciária ou instituições sociais.
“De vez em quando temos situações em que há um forte investimento, medidas que provocam uma redução pontual da criminalidade”, mas a ocorrência dos crimes “é retomada imediatamente, logo a seguir”, lamenta, numa alusão à falta de interpretação acertada do fenómeno.
O país, no total, “tem estado acima dos 11 homicídios por cada 100 mil habitantes por ano”, destacou José Rebelo, com base nos dados do Ministério Público – Portugal, por exemplo, regista um caso por cada 100 mil habitantes.
Para o analista, isto quer dizer que “só as estratégias tradicionais não chegam para combater a criminalidade. Há que promover uma articulação entre instituições que lidam com segurança”.
E essa falta de articulação, considera, pode ser atualmente um calcanhar de Aquiles de Cabo Verde.
“Precisamos de preparar a participação comunitária para que a prevenção primária seja mais efetiva”, ao nível de “famílias e escolas, para que entendam os perigos e possam contribuir para a resolução”, exemplifica.
José Rebelo considera também que é preciso ir às prisões para entender a criminalidade.
Entre 2018 e 2023, a população reclusa de Cabo Verde subiu de cerca de 1.500 para 2.500 pessoas, realça.
Só que “o sistema penitenciário não teve a capacidade” de avaliar e classificar jovens condenados pela primeira vez, “deixando-os à mercê” de uma escola de crime, dentro da prisão, através da convivência com outros reclusos, “condenados por crimes pesados”.
Quando à libertação ou capturas, acaba por haver “crimes dentro da cadeia e mandados de crime de dentro da cadeia” para serem executados no exterior.
“De certa forma, é uma escola que serviu para aumentar a reincidência criminal que temos hoje”, sublinha.
“Os números do sistema judicial dizem que temos uma taxa de reincidência de 33%, mas outros estudos realizados diretamente nas unidades de reclusão indicam que pelo menos 64% dos presos já estiveram no sistema penitenciário duas ou mais vezes”, destaca José Rebelo.
Em suma, há “uma esfera social carente de ações primárias”, uma “esfera institucional que falha” na articulação e definição de políticas e um sistema penitenciário “que manda pessoas para a sociedade no final da pena”, mas estas rapidamente voltam para a prisão.
José Rebelo conclui que é preciso “repensar todo o posicionamento em termos de políticas públicas e agora gastar muito mais dinheiro do que se poderia gastar há uns anos” para redefinir o rumo de intervenção nas diferentes esferas com influência na criminalidade.
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