O problema da habitação no Paul tem gerado um cenário de “desespero e insegurança” a muitas famílias que enfrentam o “dilema” de viver em casas prestes a desabar, que comprometem a segurança e a saúde dos moradores.
Em cada fissura nas paredes, em cada rachadura, que se alarga com o tempo, e nas infiltrações que trazem consigo o mofo, reside o desespero de quem, dia após dia, vê a sua casa desmoronar e já não sabe a quem recorrer.
Em Cabo da Ribeira, numa das localidades mais verdes e frescas do concelho do Paul, muitas famílias vivem isoladas e lutam para manter as suas casas de pé, mas o tempo foi “impiedoso”, a água da chuva infiltrou-se e provocou o desabamento de parte do tecto da casa onde a família de Maria da Conceição viveu.
“Com a chuva, o tecto do quarto desabou, levando tudo o que lá estava, e deixou de haver condições de retorno. Como resultado, a casa ficou completamente desvalorizada e desabitada”, afirmou a herdeira da casa, que acrescentou que o mofo presente no local a impede de lá permanecer, uma vez que lhe causa problemas respiratórios.
O problema não reside apenas nas casas situadas nas zonas altas, pois o mar ameaça a construção daqueles que escolheram o litoral para viver. O técnico de construção civil Pedro da Graça, morador em Paul de Baixo, conhece bem os problemas que chegam com o tempo e com a maresia.
“Enfrentamos um problema grave relacionado com a construção das nossas casas, pois a humidade surge tanto do chão como do ar. Para evitar danos, já tentámos várias soluções, como plastificar as fundações, colocar telas de protecção e até pintar as paredes com tinta de óleo, mas sem sucesso. Continuamos à procura de alternativas que possam retardar a degradação das nossas casas", relatou o morador, que também mencionou que, devido às condições do ambiente, a vida útil de uma televisão, por exemplo, é de apenas sete meses, o mesmo acontecendo com outros aparelhos electrónicos.
O problema de habitação no município do Paul expõe uma questão silenciosa que se agrava com o passar do tempo. Neste município, a esperança de alcançar uma moradia digna vai-se desmoronando, tal como o cimento que sustenta as casas, enquanto a busca por um tecto seguro se transforma numa luta incessante e sem fim.
A história de Benvindo Matias Fortes, morador de Lombo de Tanque, na localidade de Pontinha de Janela, é um reflexo dessa realidade.
Em declarações à Inforpress, Benvindo Fortes afirmou que foi um dos beneficiados com a doação de terrenos em 1999, durante a administração do então presidente da Câmara Municipal, Alcides Tavares. Na altura, segundo Benvindo Fortes, as expectativas eram "boas", pois ele e a sua família puderam, finalmente, construir a tão desejada casa, além de os materiais de construção estavam com preços mais acessíveis.
Em 2001, conforme Benvindo Fortes, iniciaram as obras da estrada Janela–Porto Novo e, antes do início da obra, a empresa responsável visitou todas as casas e constatou que não havia problemas.
“No entanto, utilizaram dinamites para fazer o primeiro túnel, e três anos depois as casas de Lombo de Tanque começaram a apresentar várias anomalias", lamentou.
Benvindo Fortes afirmou ainda que fez várias visitas ao gabinete técnico da Câmara Municipal do Paul e, apesar das promessas de que o problema seria resolvido, até ao momento a situação permanece inalterada.
“Três presidentes já passaram pela Câmara Municipal do Paul – Américo Silva, Vera Almeida e António Aleixo – mas nenhuma solução concreta foi apresentada. Por isso recorri à comunicação social, para conseguir a atenção do Governo, uma vez que os danos causados na minha casa foram provocados pelas obras da estrada Janela - Porto Novo, devido ao uso de dinamite", enfatizou.
A situação de Antonieta da Cruz, moradora de Lombo de Tanque, é um reflexo da dura realidade que enfrenta. As paredes da sua casa estão repletas de rachaduras profundas, algumas expõem a estrutura. O cheiro de humidade invade cada canto, tornando o ambiente insuportável.
A habitação, com um único cómodo, obriga a família a viver sem privacidade ou conforto, num espaço apertado e sem condições mínimas de habitabilidade.
“Vivo nas piores condições, especialmente quando chove. Fui incluída na primeira lista para remodelação das casas, mas quando as obras começaram, disseram que o meu nome já não constava”, contou.
Em busca de solução, solicitou uma audiência com o antigo presidente da Câmara, António Aleixo, que lhe prometeu a remodelação, mas “tudo não passou de promessas vazias”.
Para além dos riscos inerentes a uma moradia insegura, Antonieta da Cruz sofre de problemas respiratórios e, com essas condições, a sua saúde está em risco tendo em conta os potenciais problemas que podem surgir devido ao contacto com o mofo.
A médica e delegada de saúde no Paul, Evadilve do Rosário, explicou que o mofo consiste num tipo de fungo “omnipresente”, ou seja, que pode estar em qualquer lugar e manifestar doenças respiratórias, dermatológicas e gastrointestinais.
As mudanças climáticas têm grande relevância ao nível mundial e são difíceis de controlar, pelo que a médica recomenda mudanças de acção dentro das habitações para evitar os problemas causados pelo mofo.
“O ideal é que, quando temos vazamento, tratemos o vazamento e mantenhamos as casas limpas e secas”, aconselhou a delegada de Saúde local que aponta a humidade como o maior problema no Paul causada pela infiltração.
Embora a presença de fungos seja verificada ao longo do ano, a médica garante que os maiores problemas respiratórios aparecem principalmente na altura do Inverno.
O problema da habitação no município do Paul é uma das principais preocupações do recém-eleito presidente da câmara municipal, Adilson Fernandes, tendo o mesmo afirmado que a falta de qualidade e o rápido processo de degradação das casas são desafios estruturais que exigem uma acção urgente.
Adilson anunciou um programa de requalificação habitacional com três eixos: requalificação das moradias, apoio à autoconstrução e construção de casas de banho, uma necessidade ainda presente em algumas famílias.
A câmara municipal identificou as zonas com maior “déficit” habitacional, como as áreas altas e de difícil acesso e propôs uma nova abordagem de construção, adaptada ao ambiente e com materiais mais acessíveis.
“Vamos abandonar o modelo convencional, em betão, e introduzir outro tipo de cobertura, telhado, não só para melhor se enquadrar no ambiente, mas também para melhorar a eficácia da construção. Precisamos de soluções adequadas à situação climática específica de cada zona, como a maresia, na cidade das Pombas, ou a humidade, no interior do vale”, acrescentou.
Por sua vez o engenheiro civil Edvaldo Silva observou que, apesar da existência de um plano urbanístico no Paul, ainda há desafios, como a construção desordenada e a humidade nas casas devido ao clima quente.
O engenheiro enfatizou a necessidade de impermeabilização das paredes e o uso de revestimento em pedra basalto para resolver problemas relacionados ao mar e à falta de materiais adequados.
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