São Vicente no ritmo certo - para quem?
Ponto de Vista

São Vicente no ritmo certo - para quem?

São Vicente está no ritmo certo, para quem tem passaporte europeu, cartão de crédito e tempo para selfies. Para o resto, o ritmo é outro: o da fila no hospital, da espera pelo barco, da luta por um salário digno. Mas seguimos. Porque o povo de São Vicente não desiste. E porque há quem ainda acredita que desenvolvimento não se mede em número de cruzeiros, mas em dignidade distruibuida. Porque no fim, o povo continua a esperar, com dignidade, com paciência e com aquele humor que só São Vicente sabe cultivar. Espera pelo barco, pelo médico, pelo emprego, pela transparência.

Enquanto os cruzeiros atracam com pompa e circunstância, São Vicente dança no ritmo certo, mas só para quem já está no palco. O resto da ilha assiste da plateia, sem bilhete, sem transporte e sem direito a backstage.

O Mein Schiff 6 trouxe mais de 3.400 visitantes. Um marco, dizem. Mas não trouxe tomates de Santo Antão, nem peixe fresco de São Nicolau. Os cruzeiros não ligam as ilhas, não carregam produtos agrícolas, não fazem ambulância para quem precisa de tratamento fora da ilha. São monumentos flutuantes de um turismo que vê São Vicente como cenário, não como comunidade.

E os voos low-cost? Sim, chegaram. A easyJet e a Edelweiss aterraram com entusiasmo europeu. Mas não transportam urgências médicas, não ligam famílias separadas por falta de voos interilhas, não ajudam quem precisa de evacuação sanitária. São para passeio, não para sobrevivência. Não trazem o txeru maleta do voo dos sonhos dos emigrantes, aquele saco de esperança que carrega medicamentos, brinquedos, perfumes e saudade. São Vicente está mais perto de Zurique do que de São Filipe.

A nova maternidade é uma conquista, e que seja celebrada. Mas será que há médicos suficientes? Equipamentos funcionais? Protocolos claros? Ou vamos continuar a depender de sorte, fé e improviso?

A Gare Marítima está mais bonita. Mas o barco continua a sair quando quer, se quiser, e sem garantia de ligação com o resto do país. A requalificação é estética; a logística continua colonial.

Os hotéis multiplicam-se: Ouril, Lily, Four Points, Maria do Carmo, Cruzeiro. Modernos, sim. Mas quantos jovens mindelenses estão a ser formados para gerir, liderar e inovar nesses espaços? Ou vamos continuar a exportar mão-de-obra e importar gerência?

O Mercado de Verduras está em obras. A Praça Estrela vai ganhar nova cara. Mas será que alguém perguntou às vendedeiras o que elas precisam? Ou vamos pintar o chão e esquecer o pão?

São Vicente está no ritmo certo, para quem tem passaporte europeu, cartão de crédito e tempo para selfies. Para o resto, o ritmo é outro: o da fila no hospital, da espera pelo barco, da luta por um salário digno.

Mas seguimos. Porque o povo de São Vicente não desiste. E porque há quem ainda acredita que desenvolvimento não se mede em número de cruzeiros, mas em dignidade distruibuida.

Porque no fim, o povo continua a esperar, com dignidade, com paciência e com aquele humor que só São Vicente sabe cultivar. Espera pelo barco, pelo médico, pelo emprego, pela transparência.

E enquanto o ritmo certo toca para alguns, o resto dança conforme pode.

Tud é bada. É ba devagar. Ou txa caga.

Mas o povo não caga. O povo observa, cobra, denuncia e resiste. Porque São Vicente não é só postal turístico. É chão, é suor, é voz!

E essa voz, cedo ou tarde, vai exigir que o ritmo certo seja PARA TODOS!

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Comentários

  • Antero Coelho, 6 de Nov de 2025

    É a tradução exacta da vidinha nhanhida do eu Povo de Soncent, mas é também de todo o Cabo Verde. Um olhar de quem não só olha, mas vê verdadeiramente. Parabéns Afrodite Monteiro!

    Responder


  • Casimiro Centeio, 5 de Nov de 2025

    FANTÁSTICO ! Análise profunda que reflete a realidade,em forma de metáforas, do quotidiano do Homem Cabo-verdiano! PARABÉNS, Amiga Afrodite Monteiro !

    Responder


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