O luto é agora inevitável. Mas se o luto não se transformar em ação concreta, o próximo temporal - e ele virá - será apenas mais um capítulo na crónica anunciada de destruições evitáveis. É tempo de cobrar responsabilidade, exigir transparência nos orçamentos para mitigação climática e implementar políticas públicas que não se fiquem por conferências e promessas vagas. Cabo Verde não é rico em recursos, mas não pode continuar pobre em prevenção. Se a reconstrução de São Vicente servir apenas para erguer de novo o que já se sabia frágil, estaremos apenas a preparar a próxima tragédia. Que Deus continue a proteger Cabo Verde.
O que assistimos no passado dia 11 do corrente mês nas ruas do Mindelo é profundo e único na história. A ilha transformou-se em autêntico rio furioso, famílias agarradas ao que restou das suas casas e crianças resgatadas em braços alheios, mas não são apenas resultado de um capricho da natureza. São também um espelho incômodo da fragilidade estrutural de Cabo Verde e da falta de planeamento que, ano após ano, quer o governo central bem como o poder local, deixam os cidadãos à mercê de desastres anunciados.
Em poucas horas, 192,3mm (7,57 polegadas) de chuva extrema tomaram conta de São Vicente - um número que impressiona, mas que não devia ter apanhado ninguém de surpresa. O arquipélago conhece bem o peso das alterações climáticas e os impactos cada vez mais severos que trazem: secas prolongadas, ventos extremos e, como vimos agora, chuvas torrenciais. O que não se conhece - ou não se quer conhecer - é um plano eficaz de prevenção, adaptação e resposta rápida.
É aqui que os decisores políticos devem responder. Não se trata apenas de decretar estado de emergência ou dias de luto - gestos necessários, mas insuficientes. Trata-se de assumir responsabilidade pelas décadas de adiamentos em investimentos críticos: redes de drenagem urbana obsoletas, urbanização desordenada em zonas de risco, falta de sistemas de alerta precoce e planos de evacuação pouco claros ou inexistentes.
A cada tragédia, a narrativa repete-se: “evento da natureza, impossível de prever”. Mas não é verdade. O que é impossível prever é a hora exata em que o desastre chega; o resto é ciência, planeamento e vontade política. As previsões meteorológicas já alertavam para chuvas fortes associadas a tempestades tropicais. A vulnerabilidade das zonas baixas de São Vicente é conhecida há décadas. A negligência não se mede apenas em relatórios técnicos, mede-se em vidas perdidas.
O luto é agora inevitável. Mas se o luto não se transformar em ação concreta, o próximo temporal - e ele virá - será apenas mais um capítulo na crónica anunciada de destruições evitáveis. É tempo de cobrar responsabilidade, exigir transparência nos orçamentos para mitigação climática e implementar políticas públicas que não se fiquem por conferências e promessas vagas.
Cabo Verde não é rico em recursos, mas não pode continuar pobre em prevenção. Se a reconstrução de São Vicente servir apenas para erguer de novo o que já se sabia frágil, estaremos apenas a preparar a próxima tragédia.
Que Deus continue a proteger Cabo Verde.
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A equipa do Santiago Magazine