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Polícia Nacional. Reformar é preciso!
Ponto de Vista

Polícia Nacional. Reformar é preciso!

É urgente que se insira rigor, diria mesmo um rigor draconiano, no processo de recrutamento de potenciais agentes da PN. Um rigor que valorize as competências técnicas e intelectuais, a dimensão física, mas essencialmente, que valorize de forma primacial as capacidades e qualidades humanas, para que a PN não seja refúgio de delinquentes e para que não caiamos no perigo de termos extensões de grupos criminosos nas fileiras da PN, pois tal significará, em acontecendo, a indubitável falência estatal. É necessário reprimir aqueles que, exercendo chefia, prevaricam quer por ação, quer por omissão diante dos tais comportamentos desviantes, pois, se há setor que deve ser e parecer imaculado, este setor é o da segurança e ordem pública

As recentes informações, dando conta de um Agente de 1ª Classe da Polícia Nacional detido em flagrante delito, na sequência de uma tentativa de assalto a residências, com recurso à arma de fogo, trazem mais uma vez à baila a questão da necessidade de reformas robustas nos setores da defesa e segurança nacionais. É bastamente notório que o exército e a polícia de ordem pública que temos, não obstante importantes investimentos despendidos no sentido de melhor os apetrechar, ainda padecem de gritantes disfunções.

Atentemos ao caso da Polícia Nacional.

Estaremos todos de acordo em como o sistema de recrutamento dos agentes da Polícia Nacional (PN) não tem sido suficientemente criterioso ao longo doa vida da instituição, pois inúmeros são os casos de jovens em conflito com a lei que entram todos os anos para as fileiras da PN todos os anos, ao longo de muitos anos e que é do conhecimento público. Eu mesmo posso citar quatro ou cinco ex-thugs, a coisa de seis anos, e que hoje ostentam a farda da PN, dispõem de arma de fogo e poder de autoridade para atuar sobre a população, inclusive para atuar contra a delinquência juvenil em que, anos atrás, participava enquanto player. É consabido que a delinquência juvenil traspassa o submundo do tráfico de drogas e armas, bem como dos crimes contra as pessoas e património, pelo que, não se pode transformar a corporação policial num espaço de “segundas chances” para ex-delinquentes, ainda que regenerados, pois trata-se que uma área crítica e na qual assenta um dos pilares do estado de direito, a segurança e ordem públicas, resumido, paz pública.

O problema que se manifesta na constância de comportamentos desviantes, desde envolvimento em megaprocessos de tráfico de drogas, o caso de assalto à agência do BCN na Boa Vista, denúncias de cooperação entre traficantes de droga e agentes da PN, casos de assalto a residências perpetrados por agentes da PN, entre outros, sendo evidências de soberba gravidade, não são a essência do problema.

Parece-me claro que o problema maior é o problema de uma corrupção de longa data que existe dentro da instituição e que tem lastros daninhos na descredibilização da instituição, num primeiro momento, e do Estado enquanto provedor cimeiro da confiança institucional.

É comum ouvir-se o termo “expediente” quando se trata de entrar para a PN, ou porque se tem lá um oficial que é amigo ou parente, ou por se beneficiar de canais privilegiados para se chegar a quem superiormente decide. Quem não se lembra do célebre concurso para formação de oficiais superiores em Angola e que, não se sabe por obra e grassa de que serviços prestados, algumas agentes da PN que não reuniam nenhum dos requisitos para a tal formação, desde logo por não se terem aprovado em concurso, foram ainda assim, enviadas para Angola para beneficiarem de benesses atribuídos por oficiais desavergonhados e que, houvesse justiça, responderiam por tamanha falta à corporação, à Nação e à Angola enquanto parceiro bilateral. Quem não se lembra de mensagens vazadas na Internet de agentes com alguma antiguidade na corporação a prometerem facilitação nos testes do concurso de acesso em troca de favores sexuais?

Ainda bem que, no caso da ida à Angola tivemos uma Ministra da Administração Interna com coragem bastante para mandar repatriar as tais agentes sem mais delongas. Mas fica o desassossego que resulta das seguintes inquietações:

O que aconteceu com quem os mandou? Por que cargas de água as mandou? Terá sido a única vez que tal sucedeu-se? Qual seria o mérito do desempenho de quem chegasse ao cargo de oficial naqueles termos? Que modus operandi teria, sendo um oficial de proveniência tão falaciosa? Questões que ficam...

É urgente que se insira rigor, diria mesmo um rigor draconiano, no processo de recrutamento de potenciais agentes da PN. Um rigor que valorize as competências técnicas e intelectuais, a dimensão física, mas essencialmente, que valorize de forma primacial as capacidades e qualidades humanas, para que a PN não seja refúgio de delinquentes e para que não caiamos no perigo de termos extensões de grupos criminosos nas fileiras da PN, pois tal significará, em acontecendo, a indubitável falência estatal. É necessário reprimir aqueles que, exercendo chefia, prevaricam quer por ação, quer por omissão diante dos tais comportamentos desviantes, pois, se há setor que deve ser e parecer imaculado, este setor é o da segurança e ordem pública.

É urgente repensarmos a formação do Pessoal da PN, e neste sentido impõe-se transformar o Quartel-Escola numa Escola de referência ou Instituto de Formação em Ciências Policiais, ao nível de curso de licenciatura e formação contínua robusta, de reciclagem dos agentes e despiste de quaisquer tendências desviantes, pois há muito que se tem percebido que a formação de seis meses já não serve para as hodiernas exigências sociais.

Uma palavra de apreço aos nossos bons e horados agentes, que os existem, para que não verguem diante da vergonha que um colega de farda os emprestam, e continuem a dar o melhor de si para a segurança e tranquilidade da urbe, pois não se pode tomar a árvore pela floresta, mas neste particular, a teoria da maçã podre não pode ser olvidada, sob pena de do perecimento a médio-longo prazo, do pomar inteiro.

* Jurista e Docente

 

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