Atendendo ao artigo 10º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro, e em termos obrigacionais, vale ressaltar, desde logo, se a pandemia em si mesma pode ser considerada ou não uma verdadeira alteração das circunstâncias motivadora do real interesse ocorrido aquando da celebração do contrato de trabalho, pois ao abrigo do artigo 359.º-B do CL, o regime jurídico do Teletrabalho é regulamentado em legislação especial, neste caso o Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro. Assim, torna-se inerente e necessário saber se o impacto da pandemia constitui um reequilíbrio contratual em face à realidade existente à data da celebração do contrato de trabalho. Caso se concluir que assim o é, parece legítimo que os trabalhadores possam exigir uma revisão da sua posição contratual, tendo em linha de conta o princípio da igualdade (artigo 5.º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro), nomeadamente na proteção legítima dos seus direitos enquanto teletabalhadores, e não só, da sua saúde (mental e fisíca), assim como o seu bem-estar individual, devem ser adaptados e impostos ao Teletrabalho, desde que isso não impeça o cumprimento das suas obrigações laborais.
Desde o início de 2020, concretamente em Março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia Covid-19, o mundo viu-se parado, e Cabo Verde não foi excecão. Todos os sectores de produção viram-se estagnados, o que provocou diminuição na produtividade de muitas empresas.
Olhando para o impacto que a pandemia da Covid-19, teve e continua a ter em Cabo Verde, por mais que o nosso ordenamento jurídico – constitucional garanta a Dignidade da pessoa Humana, como valor sacro e fundamental, o Estado sozinho será incapaz de arcar com os prejuízos económicos que advieram e advém da pademia, tendo em conta a situação económica que se encontra o País.
Assim, torna-se necessário mecanismos de trabalho para equacionar problemas, adequando a restições impostas pela pandemia, uma vez que, a própria Constituição, no seu artigo 61º, n.º 1, garante a todos o diteito ao Trabalho, incumbindo aos poderes/entidades públicos a promoção de melhores condições para o seu exercício.
E nada mais que o regime do Teletrabalho, como alternativa viável, presente na legislação laboral, e que nos dias de hoje, dado ao impacto da pandemia Covid-19, ganhou-se destaque como modalidade que acareta inúmeras vantagens tanto ao teletrabalhador como para a entidade empregadora, e até mesmo para o meio ambiente.
É de frisar que essa situação do “novo normal”, impulsionou o regime de trabalho na função pública, através da Lei n.º 83/IX/2020, com a implementação do Regime Jurídico do Teletrabalho na Administração Pública e nos serviços judiciários (artigo 13º desta lei). É de referir, também, que, sendo o Teletrabalho considerado por muitos como trabalho do futuro, a nova proposta de revisão da Lei base do Emprego Pública, prevê esse regime, no capítulo do Regime de Prestação de Trabalho (artigo 167º desta lei), por forma a melhorar a produtividade no sector público, valorizando, assim, mais os resultados obtidos do que a mera presença física no local de trabalho.
O que é isso de Teletrabalho?
O Teletrabalho também conhecido como trabalho remoto ou em home office, para a Organização Internacinal do Trabalho (OIT) é uma forma de atividade profissional à distância, ou seja, realizado em um local que não seja um escritório central e/ou fora das instalações da entidade empregadora, e defenida pelo recurso à ajuda das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), facilitando simultaneamente a separação física e a comunicação.
Entre nós, na lesgislação laboral, não se afasta do conceito apresentado pela OIT, pois considera o Teletrabalho como sendo uma prestação laboral realizada, fora da empresa, com uso de tecnologias de informação e de comunicação, mediante ordens e instruções da entidade empregadora (artigo 359.º-A do Código Laboral (CL) e artigo 11º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro).
A marca da subordinação jurídica, não permite que o regime do Teletrabalho abarca todo o tipo de trabalho, com recurso em plataformas digitais, como por exemplo uma freelancer (profissional liberal) que trabalhe principalmente a partir de casa pode não se enquadrar na classificação de Teletrabalho, isto é, uma coisa é o Telatrabalho (artigo 10.º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro), coisa diferente é o Trabalho a Domicílio (n.° 1 do artigo 1 da Convenção n.º 177 da OIT – não ratificacado por Cabo Verde).
Entretanto, no campo de vantagens, desvantagens e desafios, analisando a regulamentação Cabo-verdiana no que tange ao regime do Teletrabalho, denota-se que não há uma legislação específica que regula de forma especial cada sector de produtividade, o que deixa ao critério da entidade empregadora à escolha da aplicabilidade das regras que mais lhe favorece.
Na ideia comum do Teletrabalho, a noção que se tem é de só haver vantagens, pois, de certo modo, prima para uma maior conciliação entre a vida profissional e familiar, redução das despesas empresariais e, inclusive, aumento da produtividade e redução da poluição ambiental, observada no período de confinamento.
Atendendo ao artigo 10º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro, e em termos obrigacionais, vale ressaltar, desde logo, se a pandemia em si mesma pode ser considerada ou não uma verdadeira alteração das circunstâncias motivadora do real interesse ocorrido aquando da celebração do contrato de trabalho, pois ao abrigo do artigo 359.º-B do CL, o regime jurídico do Teletrabalho é regulamentado em legislação especial, neste caso o Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro.
Assim, torna-se inerente e necessário saber se o impacto da pandemia constitui um reequilíbrio contratual em face à realidade existente à data da celebração do contrato de trabalho. Caso se concluir que assim o é, parece legítimo que os trabalhadores possam exigir uma revisão da sua posição contratual, tendo em linha de conta o princípio da igualdade (artigo 5.º do Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro), nomeadamente na proteção legítima dos seus direitos enquanto teletabalhadores, e não só, da sua saúde (mental e fisíca), assim como o seu bem-estar individual, devem ser adaptados e impostos ao Teletrabalho, desde que isso não impeça o cumprimento das suas obrigações laborais.
Ao contrário, se se concluir que, o “novo normal” não configura numa efectiva alteração das circunstâncias que deram origem a celebração do contrato de trabalho, vale questionar até que ponto a conversão automática do contrato de trabalho em contrato de teletrabalho fere os direitos e garantias dos ditos trabalhadores/teletrabalhadores na relação laboral.
No entretanto, é notavél alguns dos desafios que o regime do Teletrabalho suporta ou suportará em Cabo Verde, nomeadamente devido aos constrangimentos decorrentes do nível de desenvolvimento económico do país, designadamente no acesso à internet, espaços adequados e equipamento informático por parte de cada funcionário para trabalhar a partir de casa, entre outros que a própria lei prevê.
A verdade é que com a alastramento da pandemia, medidas devem ser tomadas, para por cobro a situação vivenciada, e nesse contexto, tem-se revelado a existência de situações distintas, em que a entidade empregadora, adota medidas para tentar minimizar a expansão do virus do SARS-COV-2, que por razões diversas, são abarcadas de forma distintas, uma vez que, há empresas e instituições, em que a entidade empregadora cumpre escrupulosamente e na íntegra todas as regras sanitárias em vigor, dado ao seu capital económico e humano; outras em que a entidade empregadora não as cumpre devido a negligência grosseira e/ou culpa própria, por simplesmente “marimbar” com os riscos da pandemia; e, as situações em que a entidade empregadora não cumpre, total ou parcialmente, essas regras, devido sobretudo a constrangimentos de natureza financeira.
Há ainda que analisar cada uma destas situações concretas, pois, sou de entendimento que, a forma como a entidade empregadora reage ao impacto da Covid-19, pode ditar-se a pandemia – “o novo normal” pode ou não constituir uma circunstância de alteração dos factos que estiveram na origem da celebração do contrato de trabalho. Ou seja, quando a entidade empregadora cumpre escrupulosamente e na íntegre todas as regras sanitárias em vigor, parece viável que os trabalhadores possam opor-se a prestação do Teletrabalho, uma vez que se encontram reunidas as condições para a prestação de trabalho presencial em segurança e nos termos exigíveis por lei.
Pelo contrário, quando a entidade empregadora não cumpre essas regras por negligência grosseira e/ou culpa própria, colocando em risco a saúde dos seus trabalhadores, parece legítimo que estes recusem a prestar trabalho presencial, podendo o Teletrabalho ser uma opção viável ou mesmo necessária. A dúvida que persiste é de saber se a entidade empregadora não der cumprimento na totalidade das regras exigidas face à situação pandémica, por falta de condições financeira, o que dá azo a um questionamento sobre a obrigatoriedade ou não de comparência no local de trabalho para execução do contrato, mesmo que a maioria da população se encontra vacinada.
Contudo, é evidente para quem conhece a realidade de algumas empresas que o atual regime do Teletrabalho (Decreto-legislativo n.º 11/2018 de 5 de dezembro) que vigora em Cabo Verde, não consegue responder às necessidades dessas empresas e nem dos seus trabalhadores.
Tanto é que a Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC), já emitiu, no ano findado, uma Recomendação ao Governo, com vista à Regulamentação do Código Laboral, no que se refere ao regime do Teletrabalho.
A pergunta que fica é a de saber se em Cabo Verde o Teletrabalho será encarrada como uma imposição disfarçada ou um acto de gestão?
Ema Gomes, Jurista
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