As fontes que fornecem dados às Instituições Internacionais que avaliam Cabo Verde não são fidedignas. Mês sim, mês não ouvimos que instituição X ou Y classificou Cabo Verde como um dos países mais bem governados de África; um exemplo da democracia no mundo; um dos que mais respeita os direitos humanos e com nível baixíssimo de corrupção.
Esses elogios desmensurados que essas instituições fazem de Cabo Verde seriam motivo de orgulho para todos os cabo-verdianos dentro e fora do país, caso os mesmos se aproximassem minimamente da realidade.
Um governo que não respeita a sua Constituição da República, pode estar a fazer uma boa governação?
O artigo 6º da Constituição de Cabo Verde, no seu nº1 diz o seguinte:
O território da República de Cabo Verde é composto:
a) Pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boa Vista, Maio, Santiago, Fogo e Brava, e pelos ilhéus e Ilhotas que historicamente sempre fizeram parte do arquipélago de Cabo Verde.
O ponto 3 do mesmo artigo diz que nenhuma parte do território nacional ou dos direitos de soberania que o Estado sobre ele exerce, pode ser alienada pelo Estado. A palavra alienação, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, é transferência de posse de alguma coisa, para outrem; transferência do direito de propriedade(…). A mesma palavra no Direito Civil é transmissão, onerosa ou gratuita, do direito de propriedade sobre um bem.
A entrega do Ilhéu de Santa Maria e uma parte significativa da praia de Gamboa ao empresário macaense David Chow é o quê?
A geração dos militares dos finais de anos 70, início de 1980, da famosa Companhia Jaime Mota, da qual eu fazia parte, recorda, com nostalgia e alguma mágoa, o tempo em que corríamos na nossa ginástica matinal, dando várias voltas do cais de São Januário, na cavalariça, passando pelas duas pontes até à antiga cadeia civil da Praia, hoje hotel trópico. Atualmente, esse trajeto é vedado aos nacionais por causa do negócio da praia da Gamboa e do ilhéu.
Os nossos governantes veem apenas $(cifrão) e gostam de ouvir do investidor: “vai gerar x mil empregos diretos e x mil indiretos” e mediante este argumento, nenhuma parcela do território ou ilhéu estará a salvo.
As mudanças climáticas aceleradas e o tsunami como o ocorrido em Bali, na Indonésia, não servem de espelho. Como gosta de dizer uma praiense: kaná ku mi.
Nas praias da Gamboa, Prainha ou Quebra Canela o mal já está feito, com total desrespeito à lei que põe limites às construções na orla marítima.
A Espanha que atribui muita importância às suas ilhas, em 2002, colocou a sua marinha de guerra em prontidão para se defender contra a tentativa de ocupação por tropas marroquinas, de um penhasco que eles chamam de ilha de Perejil, uma ilhota desabitada, sua propriedade há vários séculos, situada junto à costa de Marrocos.
Já por estas bandas, o que nos resta fazer agora, no caso do ilhéu, é exigir que o investidor que lançou a primeira pedra em 2016, tendo como prazo de conclusão 22 meses e prometido criar 2100 postos de trabalho diretos, conclua a obra que em cinco anos criou apenas 3 postos diretos, isto é, 3 agentes de segurança privada como porteiros. Ou então que devolva o ilhéu para as nossas antigas tradições: piqueniques semanais e acampamentos.
As causas da paralisação dessa obra não sabemos. Só sabemos que um dos três motivos que normalmente provocam a paralisação na construção civil como falta de materiais, inesistência de mão de obra ou financiamento, não se colocam ao multimilionário David Chow.
É certo que alguma mente brilhante há de dizer: o ilhéu não vai ser transferido, fica na Praia e é nosso, mas como pode ser nosso se não posso frequentá-lo?
Qualquer pessoa que chega do exterior, ao deparar com a praia da Gamboa, aperceber-se-á de um dos maiores crimes ambientais jamais praticados em Cabo Verde, onde há um Ministério do Ambiente que sua a maior preocupação é com o consumo de carne de tartaruga.
Na legislatura finda, o que mais se ouviu foi “ a barragem de banca furada”. No entanto, nenhum deputado da situação falou do mercado do “coco furado”, onde estão enterrados quase dois milhões de contos e só se vê toneladas de vigas de ferro e de chapas metálicas arquitetadas pelo primeiro-ministro. O espaço serveria melhor como campo de peladinha para os jovens como sempre serviu.
O país mais bem governado de África, não respeita as quatro liberdades fundamentais que o antigo presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Delano Roosevelt, identificou em 1941, há 80 anos, como direito natural de todos os povos: a liberdade de expressão, a liberdade de culto, a liberdade contra a miséria e a liberdade contra o medo. Se fosse vivo ficaria chocado por África, se realmente Cabo Verde ocupa a 2ª posição dos mais bem governados do nosso continente.
Este governo que tem nota positiva dessas instituições internacionais, lida pessimamente com a liberdade de expressão. O caso da jornalista Rosana Almeida, que estava a exercer o seu trabalho de forma exemplar, é paradigmático. Há quem diga que foi corrida do ICIEG (Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género), porque manifestou o seu descontentamento com o aproveitamento da sua imagem, em plena campanha eleitoral, pelo candidato do partido no poder. Os factos corroboram esta teoria, porque se fosse pelo desempenho e pelas qualidades demostradas na função estaria lá de pedra e cal e há mais um motivo. O governo não lhe perdoou a sua enérgica intervenção que levou o deputado do Movimento para a Democracia a sentar-se no banco dos réus e consequente condenação por causa da violência baseada no género. Com essas duas intervenções, ela decretou a sua própria sentença. Rosana, vida e saúde! Cabo Verde precisa de si e de pelo menos mais 10 Rosanas.
Um governo que despreza o bem mais precioso - a vida - não pode ter nota positiva. O código do processo penal, dispõe que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. E é nesta República cristã que um cidadão é perseguido durante a noite e crivado de balas de alto calibre em plena avenida pelas autoridades. Dias depois, o cadáver do jovem que supostamente foi abatido por engano é devolvido aos familiares para o enterro, perante o silêncio cúmplice de muito boa gente destas ilhas afortunadas.
A este cidadão não foi permitido que um profissional de foro o ajudasse a provar a sua inocência em fórum próprio, tribunal. Quando o seu pai recebeu uma chamada telefónica em Figueira das Naus, Santa Catarina, logo de manhã, que lhe dava conta do assassinato do filho, Zezito dente de oro, ele disse “já lhe tinha alertado para ter cuidado redobrado com thugs na cidade da Praia”, e do outro lado do telefone ouviu “podem até ser thugs, mas exibiram identificação como sendo polícias”.
É certo que muita gente nesta terra não quer que se fale deste assunto e mesmo a comunicação social ignora essa barbaridade ocorrida na nossa cidade, porque há indícios de graúdos envolvidos até ao pescoço. Alguém com fortes probabilidades de ter participado no ato, pouco tempo depois foi promovido a ministro da polícia. Antes do término do mandato do governo, como forma de preservar a sua imunidade, foi proposto como cabeça de lista para deputados de S. Vicente e depois das eleições continuou à frente do ministério da policia.
A propósito da imunidade, é expectável que na próxima revisão da Constituição este assunto seja muito bem equacionado. Se pessoas com imunidade já estão a responder no tribunal por VBG, porquê que as que têm “mon labadu” não respondem? Para as pessoas que não sabem o que é mon labadu, perguntem ao filósofo Tomé Varela ou ao investigador Marciano Moreira.
Quando dizem que somos o exemplo da Democracia no mundo e que as nossas eleições são livres e transparentes, agradece-se o favor de contactar os taxistas clandestinos da cidade da Praia que receberam uma boa soma em dinheiro por parte de pessoas afetas ao partido que veio a ganhar as eleições, para colarem nas suas viaturas materiais de propaganda do partido no poder e rodarem lado a lado com os legais, com a garantia de que não vão ser importunados pelas autoridades policiais, numa autêntica promoção à concorrência desleal. Podem, ainda, ouvir as centenas de pessoas pobres e desempregadas que foram imploradas nas vésperas das eleições autárquicas e legislativas para darem entrada de pedidos de pensão no Centro Nacional de Pensões, a fim de receberem a módica quantia de 5000$00 (cinco mil escudos) mensais, sempre com o argumento de “si nu ganha nu ta aumenta nhos el, si nu perde nhos pedido kabali”. Passados 14 meses das eleições autárquicas e 8 meses das legislativas, os seus pedidos estão a mofar nos caixotes das pendências no Centro das Pensões. Tudo é pensado e arquitetado milimetricamente. Não é por acaso que somos o único país no mundo que nas suas eleições só são permitidos observadores internacionais. É que os nacionais residentes conhecem o terreno e sabem o modus operandi do Partido no poder.
Pergunta-se porquê que esses engodos não foram utilizados nas eleições presidenciais. É simples, o candidato mais experiente, melhor preparado, Dr. Neves, ao alertar sistematicamente durante a pré-campanha e campanha eleitoral para a grande probabilidade de ocorrência de manobras fraudolentas, pôs na prática a tática militar do famoso general e filosofo chinês Sun Tzu, isto é, cercou o inimigo no mar, não o deixou desembarca-se.
A não utilização desses truques pelo MPD nas presidenciais veio a ser duramente criticada por um ilustre deputado do mesmo partido na sua pagina de Facebook.
Quanto à avaliação positiva que fazem dos níveis de corrupção em Cabo Verde, é absurdo avaliar um país em que os casos de corrupção que envolvem os chamados colarinhos brancos, que dão entrada nos tribunais nunca são julgados. Basta uma visita às cadeias civis do país para se verificar quem são os presidiários e que tipo de crime cometeram.
As Instituições que avaliam Cabo Verde são generosas e pecam por não dizerem aquilo em que realmente somos campeões de verdade: O país do mundo com mais membros do governo per capita e por km², isto é, 1 (um) governante para cada 134 km² e por cada 16 mil pessoas. Nem a China, a Rússia, a Nigéria, o Brasil ou os Estados Unidos da América têm tantos membros do governo por habitante e por quilómetros quadrados, ainda por cima, esses são contratados a termo, isto é, vão até ao fim da legislatura independentemente de a avaliação ser positiva ou negativa.
Porque estamos na época festiva, para aqueles que ainda conservam a velha tradição de ofertar cartões de boas festas, uma vez que valorizo muito a prata da casa, sugiro fotografias dos nossos belos palácios da Assembleia Nacional e da Presidência da República, ambos obras dos amigos chineses, que possuem um espaço exterior muito aprazível.
Quanto ao palácio do Governo, na Várzea, aproveitem também, nas vossas caminhadas matinais para observarem aquilo que nunca deveria ser chamado de jardim. É o mais indecente espaço livre de qualquer palácio, num país com bons paisagistas. Se a situação se mantiver inalterada durante este mês de dezembro, nos primeiros dias de janeiro do próximo ano, invadirei o espaço, com anuência dos militares, munido de pá, enxada, serrote de poda e algumas plantas ornamentais para corrigir a situação degradante reinante, de forma gratuita.
Na minha localidade, em Banana de S. Domingos, conforme é boronseira da casa assim é o dono. Kenha ki ten boronseira cheio de padja, lantuna, espinho katxupa, tendente, akásia, abri odju, grama, lixo e outras imundices como as do jardim do palácio da Várzea é-lhe atribuído um nome. Só não digo neste artigo por muito respeito e consideração que nutro por instituições e dirigentes do meu país.
Para concluir, voltando ao título, diria que este governo causa mais prejuízos aos cabo-verdianos e a Cabo Verde que a seca, porque para as secas contamos sempre com a solidariedade dos nossos irmãos na emigração e da comunidade internacional, já para as violações das leis, alienações do território, violações dos direitos humanos e destruição do ambiente muito pouca coisa podemos fazer.
Praia, 8 de dezembro de 2021
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