Há quem pareça estar aflito com a possibilidade que subjaz a aprovação da Lei de Paridade que se encontra na ordem do dia da sociedade cabo-verdiana e recentemente aprovada na Casa Parlamentar.
Os recentes artigos de opinião do ilustre colega jurista, que muito admiro e respeito, José Henrique Freire de Andrade (JHFA) causou-me alguma estranheza, não pelo posicionamento, que pelo viés da liberdade e com superior amparo constitucional, é a exaltação de um superior princípio fundante do estado democrático de direito, mas pela ligeireza com que o supracitado colega tratou a questão, chamando á colação, de forma estranha e igualmente contraditória, justamente aquele princípio a qual esta bendita Lei tem em vista promover, isto é, o princípio da IGUALDADE.
Segundo a tese do colega JHFA, de entre várias outras supostas máculas, esta lei vem para “parir políticos do sexo feminino, para fomentar e promover a ideológica do género”, e que o mesmo diploma fere o princípio da igualdade das pessoas perante a lei, ínsito no artigo 24º da CRCV. Contudo, e aqui reside o essencial da minha estranheza, o colega JHFA não concretiza de forma fundamentada o seu posicionamento. Não banha a sua tese na “água benta” tecnicidade e cientificidade, como seria de esperar de um posicionamento público, o que resume a mesma á um mero achismo. E isto perturba-me. E perturba-me sobremaneira, porque sei que o colega não é propriamente um despreparado, muito pelo contrário, é pessoa na qual reconheço bastantes capacidades, e acima de tudo uma preocupação grande em ser competente, contudo, sendo uma ligeireza intencional ou não, um deslize ou uma espécie de “escape forward”, consubstanciará sempre uma grande falta de rigor.
E é justamente esta falta de rigor, que obriga-me vir ao terreiro, pois não me parece ter sido um simples deslize, mas antes a revelação do pavor que este Projeto de Lei está a causar dentro das próprias estruturas partidárias (de todos os partidos), mais precisamente nos homens. Escusado será dizer que, doravante são menos assentos para os homens, e é isso que apavora certos segmentos que são putativos aos cargos de Deputado Nacional e não só. O fato de se saber que as senhoras quando se dedicam, acompanhar seus passos é tarefa difícil para quem não esteja efetivamente comprometido. Não tem nada a ver com a questão da igualdade, e neste ponto há um enorme contrassenso no posicionamento do ilustre colega, na medida em que, contrariamente àquilo de ele advoga, o princípio da igualdade de oportunidades não é minimamente beliscado pelo projeto de lei em causa. Muito pelo contrário, o mesmo vem dar substância á este princípio, materializando-o no que toca a participação política das mulheres e dando-as a possibilidade de em igualdade material e não apenas formal com os homens, poderem, em querendo, dar o seu contributo político ao país.
Teria concordado, se nos dissesse que a Lei da Paridade não é o caminho ideal para permitir ás mulheres aceder aos cargos. Deveras, a afirmação das mulheres deriva da educação, dos programas sociais, das políticas públicas, campanhas, ações formativas e só em último lugar, por via legal. A adoção de medidas legais de eliminação de barreiras impeditivas da emancipação sustentável das mulheres deve ser vista como uma medida de último rácio, existindo estudos que comprovam que pela via normal e no ritmo no qual temos evoluído uma paridade mínima só será alcançada a longo prazo.
Porém, resulta claro que todas essas fases, á exceção da legislativa, já foram exploradas, e em certos casos com excelentes resultados (basta vermos a educação), entretanto, no quesito da participação política, não se chegou lá, estando a mulher sub-representada face ao peso demográfico e nível de formação quando comparado com os homens.
Não creio que o ilustre colega não reconheça que a mulher seja um segmento social historicamente discriminada. Sendo assim, a paridade visa remediar aquilo que não se fez por via de um desenvolvimento social inteligente, inclusivo e equilibrado.
Trata-se do mesmo que se fez em outras paragens com os índios, afrodescendentes, homossexuais ou outras classes e grupos vulneráveis e historicamente discriminados.
A tese inconstitucionalidade é facilmente derrubada, basta ver a vasta jurisprudência, quer no Brasil, quer em outras paragens relativamente á cotas, tanto é que o ilustre colega nem teve o cuidado de ater-se á fundamentação de tal posição, por desde logo ser tecnicamente indefensável. Entre nós, o ilustríssimo Vladimir Brito, um dos melhores, senão o melhor constitucionalista cabo-verdiano defendeu e sustentou muito recentemente posição semelhante, dizendo que a Lei é constitucionalmente conforme, o que não é, é a prática. Eu iria mais longe, dizendo, além da prática, as mentalidades (machistas e patriarcais).
Bem sei que o ilustre colega, no íntimo do seu ser, reconhece ser a igualdade de oportunidades um pilar fundante do Estado Constitucional de Direito, que necessita á par do seu superior respaldo constitucional de uma conformação em leis ordinárias, que é justamente a pretensão desta empreitada que ora se implementa. O que nos devia preocupar, infelizmente já está lá dentro do Parlamente, isto é, aqueles deputados (homens e mulheres) que mal conseguem articular as suas fraquinhas ideias ou expressar em bom português. Esses é que precisam de ser combatidos e expurgados do hemiciclo, á bem da meritocracia e acredito que esta Lei será mais uma pedra para se chegar á este desiderato – o mérito.
Mas claro, isto será o dia em quem os partidos políticos tiverem a coragem de meter nos cargos eletivos, não fantoches sem consciência crítica, mas sim homens e mulheres (em pé de igualdade material) capazes de serem mais-valias para o processo de desenvolvimento e de afirmação da democracia e dos valores caros ao desenvolvimento moderno, equilibrado e inclusivo que almejamos.
*Jurista e Docente
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