O advogado Amadeu Oliveira vai a julgamento esta quarta-feira acusado de 14 crimes de injúria e calúnia, mas conforme diz, com o sentimento de “grande apreensão”, porque o sistema judicial cabo-verdiano “não dá garantias a nenhum cidadão”.
“As nuvens da dúvida pairam sobre o meu espírito”, afirmou o causídico acusado pelo Supremo Tribunal de Justiça de 14 crimes de injúria e calúnia, que, no entanto, reitera que tem consciência da “verdade e veracidade” das suas afirmações.
Na sua perspectiva, a justiça em Cabo Verde “já não serve aos cidadãos, às famílias, às empresas e ao Estado” e, por isso, está “muito apreensivo” em relação ao julgamento a que vai ser submetido, lembrando que vai ser julgado por “crime de delito de opinião”.
“Em minha opinião, repito que existe prevaricação de magistrados e que existe inserção de falsidades nos processos por juízos, além da existência da denegação da justiça de tamanha ordem grave, a ponto de alguns cidadãos ficarem anos na prisão, sendo manifestamente inocentes”, indicou Amadeu Oliveira, em entrevista exclusiva à Inforpress.
De acordo com as suas palavras, ele (Amadeu Oliveira) simplesmente verbalizou “o que o povo já diz nos bares, restaurantes, nas ruas e nas esquinas”, ou seja, a justiça que existe em Cabo Verde “não serve”.
“Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, melindrados com as minhas críticas, resolveram apresentar queixas-crimes contra mim, nomeadamente o Dr. Benfeito Mosso Ramos, em parceria com a presidente do STJ, Dra. Fátima Coronel”, revelou Amadeu Oliveira, dizendo, em jeito de ironia, que neste momento, visto pelas estatísticas é o “maior criminoso de Cabo Verde”.
Instado por que razão teme pelo seu julgamento, deixou entender que já verificou “tantas prevaricações de magistrados” e “inserção de falsidades nos processos por juízes, para prejudicar inocentes”, além de peças de processos “a desaparecerem de dia para noite”.
No seu dizer, depois de constatar todas estas situações, sem o apuramento de responsabilidades por parte da Procuradoria Geral da República e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, este último “gere e tem poderes disciplinares sobre os juízes”, nem ele nem outro cidadão “pode estar tranquilo”.
Está ciente, porque a “moldura penal é abstracta” que corre o risco de ser condenado a seis ou sete anos de prisão, pagar alguns milhares de contos de indemnização aos juízes e, provavelmente, “ser interditado de exercer a advocacia”.
“Estou inclinado a acreditar que vou ser condenado não porque não tenha razão ou não esteja a falar a verdade, mas sim porque o sistema não vai permitir que eu seja absolvido”, observou o entrevistado da Inforpress e explica: “Se eu for declarado absolvido, no dia seguinte, pelo menos, três juízes têm de deixar de exercer ou serem suspensos”.
“As acusações que faço são tão graves. Ou sou condenado, ou os juízes são expulsos da magistratura”, concluiu, adiantando que o sistema vai assumir de uma “forma corporativa para proteger estes juízes”.
Considera que se está a viver um “momento dramático” no país, em que o advogado Amadeu Oliveira é condenado a “prisão efectiva por anos de cadeia” ou é absolvido e, então, os magistrados acusados “serão expulsos da magistratura”.
“O sistema não vai acolher a minha verdade. Por isso, estou a pedir o povo para ir assistir ao meu julgamento. A justiça não é feira por juízes, por direito próprio. A justiça não é do governo nem da ministra da Justiça”, comentou o causídico, citando a Constituição da República que determina que “a justiça é feita por juízes em nome e em representação do povo”.
Considera que só o povo o pode “salvar” neste julgamento que se inicia hoje e que o sistema judicial “pode ter juízo” se o povo estiver atento e seguindo o que está a acontecer a nível da justiça.
“Se o povo não estiver presente, estou convicto, pese embora a verdade dos factos, serei condenado”, admitiu Amadeu Oliveira.
Confirma que entre as testemunhas arroladas está o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca.
Instado sobre os motivos que o levaram a arrolar o chefe de Estado no seu processo, Amadeu Oliveira respondeu nesses termos: “Se a memória não me trai, no dia 18 de Julho de 2017, o senhor Presidente da República fez um pronunciamento muito claro e importante, dizendo que as “denúncias tinham que ser averiguadas e apuradas”.
“Com muita coragem política, o Presidente da República assumiu, num discurso transmitido em directo, que as denúncias feitas teriam que ser averiguadas e apuradas”, declarou, ajuntando que, por estas razões, apontou Jorge Carlos Fonseca como testemunha, “primeiro para dizer porquê que ele terá pedido para se averiguar as denuncias e, depois, assegurar se ele tem alguma notícia de que as averiguações foram ou não feitas”.
“Pese embora o Presidente da República advertir no sentido de se fazer (as averiguações), a verdade é que o Conselho Superior da Magistratura enganou o Presidente da República, enganou o povo e não fez a averiguação necessária”, lamenta, acrescentando que na ausência de uma investigação para o apuramento dos factos está a ser “julgado por 14 crimes”.
Garantiu à Agência Cabo-verdiana de Notícias que não quer entrar hoje no Tribunal com defensores porque não pretende “transformar este julgamento numa quezília entre duas bancadas de advogados”.
“Se tiver um defensor oficioso, na minha perspectiva, não pode ser um advogado. Tem que ser uma pessoa do povo ou um jurista estagiário” afiançou frisando a sua disponibilidade em responder a todas as perguntas que lhe forem feitas.
Tem uma defesa preparada de “mais de 500 páginas”, mas entende que deve fazer um “esforço para reduzi-la entre 250 /260 páginas” para ser entregue no Tribunal.
Garante que já estudou 20 processos, de Santo Antão, da Boa Vista, do Sal, da Praia e do dentro do Supremo, tendo verificado “anomalias graves”.
“Para o meu julgamento, só para provar que o que estou dizendo é verdade, vou usar só processos: caso do emigrante Arlindo Teixeira e o caso do jovem Gilson Veiga”, rematou Amadeu Oliveira, para quem a justiça no país é “factor de bloqueio do desenvolvimento de Cabo Verde”.
Segundo a imprensa, a atitude de Amadeu de Oliveira em se apresentar no Tribunal com o defensor oficioso, está a dividir o grupo que o apoia, porque muitos não concordam com essa opção.
É o caso do Decano dos Advogados de Cabo Verde, Dr. Vieira Lopes, que, de acordo com a imprensa, já comunicou ao Tribunal a sua decisão de não comparecer como testemunha, em virtude de não concordar com a decisão de Amadeu Oliveira que insiste em se apresentar perante o Tribunal sem constituir advogado.
A mesma fonte avança que outros integrantes contestam o facto de ser o juiz Alcides Andrade a fazer o julgamento, “quando é público que um seu filho possui uma causa profissional e pessoal que, neste preciso momento, está sendo julgado no Supremo Tribunal de Justiça”, o que poderá criar um “conflito de interesses” entre o magistrado que vai julgar o processo, sendo certo que o processo crime teve origem numa queixa apresentada precisamente pelos juízes do STJ contra Amadeu Oliveira.
Com Inforpress
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