Sou um jovem interessado nos assuntos que dizem respeito à gestão do meu país. E, como estudante de Direito, os últimos acontecimentos relacionados com “In eo quod plus est semper inest et minus’, em que são protagonistas a Ministra das Infraestruturas, Eunice Silva, e o Presidente da Câmara Municipal da Praia, Francisco Carvalho, suscitaram-me curiosidade, sendo o presente artigo o resultado dessa curiosidade.
O título, em Latim, pode pode ser interpretado literalmente: “Àquele a quem se permite o mais, não se deve negar o menos”
Num Estado de Direito, isto não se aplica à Administração Pública. Viola os princípios constitucionais que devem nortear a Administração Pública.
É a própria lei e o direito que “permitem” ou “negam” o que se “deve fazer”.
Num Estado de Direito como o nosso, a Administração Pública está subordinada à Constituição e à lei, artigo 240.º da CRCV. Esta é a base constitucional do princípio da legalidade, que submete a Administração Pública à lei e ao direito.
Não se pode negar que no Estado de Direito a Administração Pública é uma Administração subi uris. Ela só pode fazer o que o direito permite. O “poder fazer” significa geralmente “dever fazer” o que a lei e o direito permitem.
O princípio da legalidade limita a flexibilidade na ação administrativa, isso não quer dizer que sempre há necessidade de uma autorização formal e expressa da lei escrita para atuar.
A legalidade não se resume a uma mera conformidade com a lei escrita, transcende isso, devendo ser entendida como a conformidade com o direito na totalidade. Mais do que uma mera submissão à lei escrita, ela exige uma ampla submissão, abarcando a lei escrita e os princípios jurídicos, e, principalmente, os princípios jurídico-administrativos.
Em Cabo Verde, como um Estado de Direito, esse princípio é uma imposição à Administração Pública (ao Governo, como órgão primário e de excelência a exercer atividade administrativa, que tem por natureza o encargo constitucional de desenvolver atividades administrativas, artigos 185.º e 205.º da CRCV). Partindo do princípio que o Governo, como órgão superior da Administração Púbica, é o exemplo de cumpridor do princípio da legalidade e que está obrigado a interpretá-lo conforme as exigências do Estado de Direito.
As entidades públicas, como coadjuvantes do Governo no exercício das funções Administrativas, não podem e nem devem adotar medidas ou condutas com base em vontades próprias, ou por capricho, visando alcançar interesses próprios ou particulares. O interesse público deve prevalecer sempre sobre os interesses particulares ou de grupos, no estrito respeito pelos direitos dos cidadãos e dos seus legítimos interesses. Estes estão subordinados à lei, ao direito e aos princípios jurídico-administrativos.
Hoje, nota-se a tentação de quem exerce o poder, no sentido de usar esse mesmo poder em prol de interesses pessoais e ao sabor dos seus caprichos, e isto se traduz em arbítrio, que não é mais nem menos do que agir independentemente da lei, fora dela e sem querer saber do direito, apenas agindo por impulso e ao sabor de desejos e caprichos, porque “Àquele a quem se permite o mais, não se deve negar o menos”.
Mesmo quando a lei diz que a Administração Pública é livre ou decide livremente, não significa que é uma janela aberta para prosseguir os desejos e caprichos pessoais. Essa liberdade concedida por lei à Administração é uma liberdade jurídica e é limitada pelo direito.
Num Estado de Direito a vontade subjetiva de quem exerce o poder nunca pode ser imposta, porque é uma vontade parcial, desequilibrada, desrespeitadora dos direitos, liberdades e garantias, que tem amigos ou inimigos…
Ao contrário dessa vontade subjetiva, a única vontade que dever ser imposta e prevalecer é a vontade da lei e do direito, que é necessariamente imparcial, proporcional, respeitadora dos direitos, liberdades e garantias, que não tem amigos ou inimigos, mas que se pauta sempre pela justiça no caso concreto e pela defesa do interesse público.
A própria lei e o direito apontam para a existência de mecanismos de responsabilidades e de sanções para as condutas ilegais.
Fecho com o artigo 3.º, n 3 da CRCV
“As leis e os demais actos do Estado, do poder local e dos entes públicos em geral só serão válidos se forem conformes com a Constituição.”
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