Empresário escreve carta aberta ao Presidente da CM Boa Vista
Ponto de Vista

Empresário escreve carta aberta ao Presidente da CM Boa Vista

Carta aberta à Câmara Municipal da Boa Vista e às Autoridades Nacionais

Excelências

Sou um cidadão cabo-verdiano, emigrante, que resolveu regressar ao seu país para aqui investir e contribuir para o desenvolvimento do nosso Cabo Verde. A situação dos que se apelidam Empreendedores não está fácil, chegando a ser desesperante e é nesse desespero que vos relato a minha situação.

Tudo começou durante uma temporada que eu estive a gerir um barco de pesca artesanal, que, supostamente, poderia ter gerado um bom rendimento se não fosse a falta de gelo para os pescadores fazerem-se ao mar.  Aqui na ilha da Boa Vista existe uma câmara de frio propriedade da Câmara Municipal, e esta, devido aos seus vários anos de produção, acusa um certo desgaste produzindo o máximo 10 sacos de gelo, em 24 horas. Com esta capacidade os pescadores esperam por mais de uma semana para conseguir gelo e assim trabalhar.

Após uma pesquisa de mercado, constatei que a carência de gelo era um problema em quase todas as ilhas do nosso país, sendo eu um pequeno empreendedor aqui na ilha, tendo investido num Beach-Bar Restaurante "Boavista Social Club" , e como é sabido, devido ao monopólio de alguns operadores turísticos na ilha, nomeadamente a TUI, a restauração está num ponto de estagnação.

Assim, analisando o potencial do negócio (através de vários estudos de viabilidade) da instalação de uma fábrica de gelo na Boavista, decidi levar a cabo um projeto, que seria uma mais valia para todos porque iria suprir as necessidades de centenas de pescadores do país, que muitas ficam privados do gelo que tanto necessitam para exercer as suas profissões.

Desencadiei contactos com várias autoridades para apresentar o meu projeto e recolher alguns apoios, primeiramente, dirigi-me à Câmara Municipal da Boavista, onde fui recebido pelo Presidente, o Sr. José Luís Dos Santos, que enalteceu a importância do projeto para comunidade, mas, demonstrou que naquele momento não havia disponibilidade financeira para apoiar aquele projeto, e, uma vez resolvida a questão financeira, o promotor iria ter o apoio da Câmara para a implementação do projeto o mais rapidamente possível.

Após aquela conversa obtive um empréstimo bancário para a aquisição de uma máquina de gelo com um valor comercial de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), com capacidade de produzir 10 toneladas de gelo em 24 horas.

A máquina chegou a Boavista e no dia seguinte marquei uma reunião com o Presidente da Câmara Municipal, com o objetivo de encontrar um local onde podia instalar a fábrica. Após variadíssimas tentativas frustradas, sempre com marcação de audiência antecipada, nunca mais o Sr. Presidente da Câmara se dignou a atender-me.

No ensejo de avançar com o projeto, resolvi falar com o vereador de Urbanismo o Sr. Aristides Mosso, e aí marcamos uma deslocação ao local onde considerava que a fábrica devia ser instalada, nas imediações da Escola de Pescadores, Mercado de Peixe e Casa dos Pescadores. O Sr. Vereador levantou dúvidas se naquele local era viável, porque aquela zona pode pertencer a AMP ou à ENAPOR.

Posto isto, contactei a AMP que me informou que aquela zona é da sua jurisdição, tendo para o efeito apresentado ao seu Presidente um pedido de concessão daquele local para a implementação da fábrica. O Sr. Presidente, sensibilizado pelo impacto socio-económico do projeto para a comunidade, disse que daria o seu aval, caso não houvesse nenhuma objeção de algumas entidades, nomeadamente a Câmara Municipal da Boavista.

Após a decisão da AMP, munido da cópia do despacho favorável, desloquei-me à Câmara Municipal da Boavista (CMB) para solicitar a emissão da carta de não objeção. Mais uma vez solicitei audiência com o Presidente da Câmara, e até ao momento ainda não obtive nenhuma resposta.

Num encontro com um dos vereadores, este estranhou o facto de o Presidente não me ter recebido. Depois disso, decidi falar com o vereador de Urbanismo, e este informou-me que a CMB tem um projeto de requalificação daquela zona e que iriam ver com o arquiteto, coordenador do referido projeto, como é que poderiam incluir a fábrica ali.

Passei mais de dois meses sem nenhuma resposta, não obstante a minha insistência. Fui ao encontro do vereador de Urbanismo e sugeri que me indicasse um local, ainda que provisório, para instalar a máquina, e assim  começar a produzir gelo para fazer face a escassez de gelo e também aos meus compromissos bancários. Assumi que, sendo instalações provisórias, eu estaria disposto a retirar no prazo máximo de uma semana, caso me fosse solicitado.

Foi neste contexto que, acompanhado por dois arquitetos da CMB, deslocamo-nos até ao beco entre o Mercado de Peixe e a Escola de Pescadores, que apesar de ser estreito, servia para instalar a maquina. Os arquitetos elaboraram o relatório da visita e apresentaram ao Sr. Presidente, tendo, por meio do seu assessor, informado que autorizava a utilização daquele local, mas que teria de ser a título definitivo. Protestei de imediato, demonstrando o meu desagrado e que aquela decisão é nada mais nada menos do que um entrave que a CMB estava a colocar ao meu projeto e a dificultar cada vez mais a vida de centenas de pescadores.

Já se passaram meses nesta triste situação, sem que se tenha apresentado nenhum projeto de requalificação, sem a emissão de uma planta de localização e sem a emissão da carta de objeção ou não objeção. Das vezes que me cruzo na rua com o Presidente ele assobia para o lado sem sequer dar uma explicação para a sua ausência de resposta.

Esta é a minha situação Excelências, num país em que os órgãos do Governo apresentam na diáspora incentivos para que os emigrantes venham investir no nosso Cabo Verde, aqui chegados encontram um calvário para conseguir implementar os seus projetos. Não pretendo que me deem nada, mas também não quero me dificultem a vida. Temos que rever o nosso conceito de Empreendedorismo. Porque de teorias vãs e bazofiarias os que querem investir estão fartos. Assim vamos muito mal nosso CABO VERDE. São essas atitudes de um Presidente que deveria presidir no interesse da sua comunidade e não com vaidades pessoais.

Como sou uma pessoa que nunca se resignará irei promover uma manifestação com uma tenda na praça de Sal Rei, de 25 de Outubro a 1 de Novembro, para recolher assinatura para pedir que  uma Sessão Extraordinária da Assembleia Municipal seja realizada.

Espero que a minha voz faça eco nos ouvidos de Vossas Excelencias e também a toda população. É preciso ver a dura realidade de quem quer fazer mas encontra entraves das entidades políticas e administrativas do país.

Boavista, 19 de Outubro de 2017

José Armando Correia Ferreira

 

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