Conflito entre a Imprensa e a Justiça
Ponto de Vista

Conflito entre a Imprensa e a Justiça

"A grande questão que se coloca em Cabo Verde é o de saber se os órgãos de comunicação estão vinculados ao segredo de justiça, e qual é a previsão legal que demonstra de forma inequívoca essa vinculação. Ora, à luz do Código Processo Penal parece que não, e julgo que este código está mais afinado com a Constituição. Já relativamente ao Código Penal parece, digo e repito parece, de acordo com o entendimento da Procuradoria da República, incluir todas as pessoas, inclusive a comunicação social e os jornalistas. Importa sublinhar que quer o Código Penal quer o Código Processo Penal são leis com igual força normativa, de onde resulta que nenhuma pode sobrepor-se a outra, e desse desencontro entre normas poderá resultar em um conflito ou gerador de lacuna de colisão ou de apelo ao princípio constitucional de concordância prática. Por isso, a clarificação precisa-se".

«O conflito entre a imprensa e o poder judiciário é inerente às finalidades das duas instituições. A imprensa procura a verdade, tal como o poder judiciário o faz, só que enquanto a primeira tem como fim a informação o segundo visa uma sanção»

Simone GABORIAU, citada por Ricardo Leite Pinto (1) in Direito de “Informação e Segredo de Justiça no Direito Português”

Ultimamente muito se tem falado sobre a liberdade de informação e os seus limites e o segredo de justiça e a sua salvaguarda.

Creio que se trata de uma matéria que merece um debate sério e desapaixonado.

Entendo que desse confronto de ideias e opiniões deveria sair uma solução que salvaguardasse, por um lado, o direito de informar e, por outro, garantisse o segredo de justiça, naquilo que é essencial a ser protegido.

Cabem quer ao governo quer ao parlamento abrir esse debate, visando responder a algumas questões fundamentais como as que se prendem com:

a)   Vinculação ou não dos órgãos de comunicação e jornalistas ao segredo de justiça;

b)   Inclusão ou não do segredo de justiça nos limites da liberdade de informação;

c)    Especificação ou não de matérias em segredo de justiça vedadas à divulgação pela comunicação social;

d)   Necessidade ou não de se alterar a qualificação do crime praticado pela divulgação ilegítima de matérias em segredo de justiça pela comunicação social: se se trata de crime de desobediência qualificada ou de desobediência simples;

e)   Necessidade ou não de revisão do Código Penal e Código Processo Penal nessa matéria do segredo de justiça, visando a sua harmonização, bem como o seu alinhamento com a Constituição da República.

Creio que desse debate poderiam sair soluções que pudessem clarificar o quadro jurídico existente, tornando o exercício dos direitos e das liberdades por cada ator mais transparente e previsível.

A constituição da República estabelece no nº 2 do artigo 48º que “Todos têm a liberdade de informar e de serem informados, procurando, recebendo e divulgando informações e ideias, sob qualquer forma, sem limitações, discriminações ou impedimentos”. Trata-se de um direito fundamental ancorado em uma garantia constitucional, segundo a qual, esse direito não poderá ser limitado, discriminado ou impedido no seu exercício pelo seu titular. Aliás, o número 3 do artigo 48º da Constituição vai mais longe quando diz expressamente que “É proibida a limitação do exercício dessas liberdades por qualquer tipo ou forma de censura”.

No entanto, a Constituição não se esqueceu de estabelecer limites ao exercício da liberdade de expressão e de informação quando prescreve no nº 4, do citado artigo 48º, que as liberdades de expressão e de informação “têm como limites o direito à honra e consideração das pessoas, o direito ao bom-nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar”.

A Constituição da República reforça ainda mais a necessidade de limitação do exercício da liberdade de informação, quando refere que as liberdades de expressão e de informação estão também limitadas, e cito: “a) Pelo dever da proteção da infância e da juventude; b) Pela proibição da apologia da violência, da pedofilia, do racismo, da xenofobia e de qualquer forma de discriminação, nomeadamente da mulher; c) Pela interdição da difusão de apelos à prática dos atos referidos na alínea anterior”.

No elenco das matérias abrangidas por limites ao exercício da liberdade de informação não se descortina expressamente o segredo de justiça. O normativo referente ao segredo de justiça aparece no nº 5 do artigo 22º da Constituição, sob epígrafe de “acesso à justiça”, onde se diz que a “lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça”.

Poder-se-á argumentar que o segredo de justiça estará implicitamente incorporado no nº 4 do artigo 48º, isso se se tiver em conta que uma das justificações para a sua existência é a afirmação de que esse instituto visa salvaguardar, entre outros, a honra, a dignidade, o bom-nome e a garantia constitucional da presunção de inocência do arguido.

A questão está longe de ser clara, e uma simples transposição, sem a necessária e convincente fundamentação, não parece uma démarche avisada.

O acesso à justiça integra a Parte II da Constituição da República, com o subtítulo, “TÍTULO I - Princípios Gerais” e abrange os “Direitos e Deveres Fundamentais”, enquanto que a liberdade de expressão e informação integra o “TÍTULO II” – “Direitos, Liberdades e Garantias”, mais concretamente os Direitos, Liberdades e Garantias Individuais. Ora, a consagração constitucional desses dois direitos pode conduzir a colisão de direitos, situação de conflitualidade que só poderá ser dirimida no quadro da ponderação de vários interesses.   

O artigo 112º do Código Processo Penal de Cabo Verde define o conteúdo salvaguardado pelo segredo de justiça como implicando: “a) A proibição de assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de ato processual ao qual não se tenha o direito ou o dever de assistir; b) A proibição de divulgação, pelas pessoas a ele vinculados, da ocorrência de ato processual ou dos seus termos”.

Parece evidente que da definição do que é o segredo de justiça, o conteúdo formalmente descrito, permite concluir que, por um lado, se pretende proibir que se assista ou se tome conhecimento do conteúdo processual a quem não tem legitimidade para tal e, por outro, se faça a divulgação de ocorrência de atos processuais, incidindo essa proibição sobre aqueles que estão vinculados ao segredo de justiça.

O nº 2 do artigo 112º do Código Processo Penal descreve e especifica quem está vinculado ao segredo de justiça quando diz e cito: “O segredo de justiça vincula as autoridades judiciárias, os órgãos de investigação criminal, os sujeitos processuais, bem como, as pessoas que forem chamadas, a qualquer título, a intervir no processo”.

A proibição de divulgação do segredo de justiça, tal como decorre da leitura da alínea b) do nº 1 do artigo 112º, parece indicar que apenas será aplicável às pessoas vinculadas ao segredo de justiça. Aliás tal disposição é reforçada pelo conteúdo do nº 3 do artigo 112º quando diz que “A violação do segredo de justiça pelas pessoas a ele vinculado é punida nos termos da lei penal”. 

O artigo 113º do Código Processo Penal reitera a proibição de divulgação de conteúdo em segredo de justiça e qualifica a conduta, presume-se dos vinculados ao segredo de justiça, de desobediência qualificada.

Porém, o Código Penal, contrariamente ao estabelecido no nº 3 do artigo 112º Código Processo Penal, parece extravasar o murro de delimitação dos que estão vinculados ao segredo de justiça, para, em matéria de punição, estender a vinculação a todas as pessoas independentemente do seu estatuto processual, quando estabelece no artigo 335º que “Quem, de forma não permitida por lei, der conhecimento do teor de ato processual que se encontre coberto por segredo de justiça ou em que tenha sido decidido excluir a publicidade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos, se se tratar de processo criminal, ou com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 80 dias, em caso de processo por contraordenação ou disciplinar”.

Esta formulação do Código Penal parece abrir espaço para todas as interpretações possíveis. Tanto pode abranger apenas os vinculados pelo segredo de justiça, cumprindo o preceituado no nº 3 do artigo 112º, como pode ser estendido, este é o entendimento da Procuradoria geral da República, a todas as pessoas, independentemente de estarem ou não vinculados ao segredo de justiça.

No entanto, numa leitura mais precisa da formulação “Quem, de forma não permitida por lei”, essa expressão me parece querer reportar-se aos vinculados, porque são os únicos atores que a lei prevê expressamente a sua punição em caso de divulgação, tal como preceituado no nº 3 do artigo 112º.

Este aparente desfasamento conceptual no Código Processo Penal e Código Penal relativamente a quem deve e quem não deve ser punido, não poderá, a meu ver, continuar e é preciso haver clarificação dessa matéria e não a deixar ao sabor das interpretações. No Código Penal, no entendimento da Procuradoria geral da República, parece que todos que divulgarem o segredo de justiça devem ser punidos independentemente do seu estatuto processual; enquanto que no Código Processo Penal delimita a ação penal apenas sobre os intervenientes processuais porque estão vinculados ao segredo de justiça.

Em termos de direito comparado, o Código Processo Penal Português é mais preciso e transparente quando estabelece no nº 8 do artigo 86º que “O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes”, ou seja, estão vinculadas todas as pessoas independentemente da sua relação processual, desde que tenha tido contato ou conhecimento da matéria em segredo de justiça.

Com relação à comunicação social, o mesmo Código Processo Penal Português dedica um artigo expressamente para o efeito. O artigo 88º, sob epígrafe “Meios de comunicação social”, elenca especificamente matérias em segredo de justiça que não podem ser divulgados sob pena de desobediência simples nomeadamente:

(i) “reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina…”;

(ii) “transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer ato processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar…”;

(iii) “publicitação, por qualquer meio, da identidade de vítimas de crimes de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a reserva da vida privada, exceto se a vítima consentir expressamente na revelação da sua identidade…”;

(iv) “a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações intercetadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação…”.

Faz todo sentido, no caso português, a existência de crime de desobediência simples a aplicar à comunicação social por divulgação de matérias em segredo de justiça, tendo em conta que o ordenamento jurídico português prevê e especifica o que a comunicação social não deve divulgar em matéria de segredo de justiça.

No caso concreto de Cabo Verde, essa previsão e especificação não existe e nem há uma vinculação clara da comunicação social ao segredo de justiça, a não ser com base em interpretação, sendo que a utilização dessa via poderá esbarrar-se com algumas disposições constitucionais que impedem a restrição dos direitos, liberdades e garantias.

Da analise dos articulados do Código Processo Penal Português fica-se com a ideia clara de que: a) os órgãos de comunicação social estão vinculados (jornalistas) ao segredo de justiça; b) a divulgação pela comunicação social  de matérias em segredo de justiça constitui crime de desobediência simples; c) os órgãos de comunicação social gozam de prerrogativas legais, podendo requerer certidões sobre matérias em segredo de justiça; c) os órgãos de comunicação social podem ainda publicar matérias em segredo de justiça, desde que devidamente autorizados pela autoridade judiciária que presidir essa fase do processo.

O Código Penal Português, em linha com o Código Processo Penal, prevê no seu nº 1 do artigo 371º que “Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de ato de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo”. Nesta formulação inserta no Código Penal Português a utilização do termo “Quem” faz todo o sentido, tendo em conta a abrangência dos que se encontram vinculados ao segredo de justiça

Tudo claro e transparente no caso português.   

A grande questão que se coloca em Cabo Verde é o de saber se os órgãos de comunicação estão vinculados ao segredo de justiça, e qual é a previsão legal que demonstra de forma inequívoca essa vinculação.

Ora, à luz do Código Processo Penal parece que não, e julgo que este código está mais afinado com a Constituição.  Já relativamente ao Código Penal parece, digo e repito parece, de acordo com o entendimento da Procuradoria da República, incluir todas as pessoas, inclusive a comunicação social e os jornalistas. 

Importa sublinhar que quer o Código Penal quer o Código Processo Penal são leis com igual força normativa, de onde resulta que nenhuma pode sobrepor-se a outra, e desse desencontro entre normas poderá resultar em um conflito ou gerador de lacuna de colisão ou de apelo ao princípio constitucional de concordância prática.

Por isso, a clarificação precisa-se.

Recorde-se que a Constituição da República consagra os limites à liberdade de informar, prevendo no nº 4 do artigo 48º que “As liberdades de expressão e de informação têm como limites o direito à honra e consideração das pessoas, o direito ao bom-nome, à imagem e à intimidade da vida pessoal e familiar”. Para além disso a constituição especifica no nº 5 do mesmo artigo 48º que esses limites abrangem ainda (i) o “dever da proteção da infância e da juventude” (ii) a “proibição da apologia da violência, da pedofilia, do racismo, da xenofobia e de qualquer forma de discriminação, nomeadamente da mulher” (iii) a “interdição da difusão de apelos à prática dos atos referidos na alínea anteriores”.

São estes e não mais do que estes os limites estabelecidos pela Constituição da República, e tenho muitas dúvidas se o legislador ordinário poderá acrescentar mais limites à liberdade de informação sem “brigar” com a Lei Fundamental.

Tratando-se do direito de informar como integrante do núcleo dos Direitos, Liberdades e Garantias, a restrição do exercício desse direito, quer via legislação ordinária, que o limite, quer via interpretação, que o restringe, esbarra-se com os dispostos nos nºs 2 e 4 do artigo 17º da Constituição que diz expressamente que “A extensão e o conteúdo essencial das normas constitucionais relativas aos direitos, liberdades e garantias não podem ser restringidos pela via da interpretação” por um lado, como ainda que “Só nos casos expressamente previstos na Constituição poderá a lei restringir os direitos, liberdades e garantias”, por outro.

No caso dos limites à liberdade de informação previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 48º da Constituição de Cabo Verde, este dispositivo constitucional não consta da Constituição Portuguesa, tendo o nº 4 do artigo 37º da constituição desse país estabelecido que “As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”, e, em consequência desse normativo, o legislador ordinário ficou com expressa autorização constitucional para legislar sobre a matéria.

Situação que não se vislumbra no caso cabo-verdiano, muito embora haja uma autorização da constituição para que o legislador ordinário defina e proteja o segredo de justiça, como a previsto no nº 5 do artigo 22º, mas em momento algum, se identifica qualquer indicação expressa, como exige a constituição, de se limitar o direito à liberdade de informação para além do estabelecido na própria constituição.

Há, pois, no caso de Cabo Verde um espaço importante para o debate, não com base em acusação ou de contra-acusação, mas especialmente focado na procura de soluções sensatas, realistas e adequadas à nossa realidade sociopolítica e constitucional.

Cabo Verde precisa de soluções inteligíveis, coerentes e transparentes. 

Como bem escreveu Ricardo Leite Pinto, o segredo de justiça “serve vários interesses, alguns dificilmente compatibilizáveis: o interesse do Estado numa justiça imparcial e eficaz, o interesse de evitar que o arguido, pelo conhecimento antecipado de factos e provas dificulte a ação da justiça ou mesmo se subtraia a ela, o interesse do mesmo arguido de não serem divulgados factos eventualmente lesivos da sua honra e dignidade, o interesse na garantia constitucional da presunção de inocência do arguido, o interesse de outras partes no processo, designadamente os ofendidos na não revelação de certos factos ofensivos da sua reputação e consideração”.

Além disso, do meu ponto de vista, não se deve, num Estado e sociedade democrático restringir ou minimizar o interesse público, especialmente em poder ter conhecimento e de ser informado sobre factos com relevância e impacto na sociedade, especialmente em sociedades que primam pelos valores da publicidade e da transparência, onde o sigilo é exceção e não a regra. 

Como afirma Ricardo Leite Pinto, é da “ponderação dos direitos e valores em confronto”, que, segundo ele, “o ordenamento jurídico português, faz valer como regra o direito de informação e no âmbito processual o principio da publicidade”.

___________________

(1) Doutor Ricardo Leite Pinto (Advogado, Assistente Universitário e ex-diretor Adjunto da revista de informação «Sábado». Intervenção no colóquio promovido pela União Internacional de Advogados (U.L.A.), subordinado ao tema «Advogados e Jornalistas: a Defesa da Liberdade» em Toledo, 7 de junho de 1991, publicada na Revista da O.A., Ano 51, (Lisboa, 1991).

 

Nota:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal - Conferência na 5ª Secção criminal - de 17/10/2024 sobre violação do segredo de justiça pela comunicação social.

Conclusão:

“Deste modo, embora reconhecendo que a ação de divulgação noticiosa por parte dos arguidos Srs. jornalistas podia ter sido mais contida, revelando algum excesso informativo, e mesmo que se conceda que, não obstante as dúvidas e reservas de subsunção jurídica que antes sublinhámos, alguma daquela factualidade provada pudesse ser abrangida no tipo de ilícito do art.º 371º do CP, o certo é que, atendendo aos limites de compressão verdadeiramente excecional que o TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) tem assumido na proteção do direito de liberdade de informação, no confronto com a violação do segredo de justiça quando estejam em causa factos de muito relevante interesse público, como foi e ainda é o dos casos em investigação constantes na matéria de facto assente, devemos aproximarmo-nos da interpretação do que seja tal violação em articulação com o direito à liberdade de expressão e com a jurisprudência do TEDH.

E isso, sem esquecer que “a realização da justiça penal, sobretudo naqueles casos de maior repercussão mediática, depende em grande parte da comunicação social” (Mário Ferreira Monte, Segredo e Publicidade na justiça penal, p. 345) importa encontrar um equilíbrio de modo que o ato de informação respeite os limites legais da efetiva realização da justiça (idem, p. 363), ou seja, a articulação imposta pela jurisprudência do TEDH.

Assim, impõe-se uma interpretação do tipo penal que entenda que a conduta típica e ilícita é apenas aquela que ostensivamente coloca em perigo o bem jurídico normalmente considerado como sendo o protegido por esta incriminação. Na verdade, “a existência do segredo de justiça decorre primariamente de exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante o risco de perturbação das diligências probatórias e de investigação. É essencialmente o perigo de inquinamento do material probatório, suscetível de sofrer prejuízos caso os participantes processuais, sobretudo o arguido, conhecessem na sua plenitude a atividade de investigação” (Medina Seiça, art.º 371.º/ § 6). Ou seja, a presunção de perigo da conduta para o bem jurídico protegido terá que ser contextualizada de modo a que se verifique se as condutas dos arguidos na divulgação de parte de factos e de algum teor de atos processuais —consubstanciados em atividade de investigação realizada perante a comunidade e com base em atos processuais que se encontram fora do processo dada a sua necessária divulgação aos interessados (como aquando da realização de buscas com mandados entregues a sujeitos processuais) — integradas neste contexto, consubstanciam (ou não) uma conduta perigosa que ponha em risco de perturbação as diligências probatórias e que ponham em causa a funcionalidade da justiça.

Ora, dos factos dados como provados que foram considerados pelo Tribunal da Relação como subsumíveis ao crime em questão não se vislumbra, mesmo assim, que atendendo à necessidade de exercício de um direito à informação, possam constituir, no contexto em que foram divulgados os factos e as informações, uma violação punível do dito segredo de justiça, dado que não se demonstrou que aquela divulgação se mostrou ostensivamente adequada a perturbar a investigação que estava a decorrer e que acabou, no essencial, por consistir num relato disso mesmo. Pelo que, nessa linha de pensamento, inexistem no presente caso sinais suficientemente decisivos da justificação para uma ingerência da autoridade judiciária através da censura jurídico-penal assumida pelo Tribunal da Relação, a qual deve ser eliminada, revogando-se a decisão de condenação e absolvendo os arguidos”.

 

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Inácio David, 19 de Fev de 2025

    TALVEZ SE CRCV, ERA ESCRITO N CHIENÊS, BZOT TAVA ENTENDEL, MELHOR!!!! HAJA PACIÊNCIA NESSE ESPIRAL!!!!

    Responder


  • Miguel Silva, 19 de Fev de 2025

    Exmo Dr. José António Reis
    LI e gostei imensamente da sua abordagem. Penso que a diferenças está precisamente no facto de o Código Penal ser direto substantiva e o Código Processo Penal lei subjetivo.
    Prometo analisar os seus contornos a luz do direito substantivo e subjetivo que tem a ver com salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e emitir a minha opinião critica por forma a contribuir para melhor esclarecimento deste assunto.
    Cumprimentos

    Responder


Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.