Carta Aberta ao Procuradoria da República Comarca de Santa Cruz
Ponto de Vista

Carta Aberta ao Procuradoria da República Comarca de Santa Cruz

Senhor Procurador da Comarca de Santa Cruz, os familiares de Edmilson Fernandes Tavares, estão lesados até ao âmago do seu ser, consternados e revoltados com a tórpida perplexidade que se vislumbra na sua (in)ação enquanto promotor de justiça, comprometido com a Constituição da República de Cabo Verde que lhe impõe cumprir e aplicar a lei. E vem por esta implorar, não diria o acelerar do processo, mas sim, o arranque do processo que jaz dormente há quase 5 anos nas empoeiradas prateleiras da instituição que vossa excelência ministra.

À Procuradoria da República

Comarca de Santa Cruz

Pedra Badejo – Ilha de Santiago

Cabo Verde

C/C

● Presidente da República de Cabo Verde

● Procurador-Geral da República

● Provedor de Justiça

● Comissão Nacional dos Direitos Humanos

● Sede da Amnistia Internacional – Lisboa

CARTA ABERTA

Senhor Procurador da República da Comarca de Santa Cruz.

Quem lhe escreve é um cidadão inconformado, de nome Armindo Martins Tavares, de nacionalidade luso-cabo-verdiana, professor e ativista de causas justas e filantrópicas, residente na cidade da Praia, Palmarejo – Cabo Verde.

É irmão de um jovem assassinado há quase 5 anos, ou seja, a 24 de Outubro de 2017, na localidade de Achada Fátima, sob sevícia e tortura desmesurada, que nem os carrascos do Marquês de Sade — DONATIEN ALPHONSE FRANÇOIS — que se ria de prazer quanto mais cruel fosse a tortura infligida aos súbditos.

O jovem, de nome Edmilson Fernandes Tavares, que era conhecido por DECO, contava 35 anos de idade e era pai de dois filhos menores. Era ainda irmão de mais outros 19 manos e manas, afora o peticionário.

No dia 23 de Outubro de 2017, segunda-feira, DECO esteve na paródia num Quiosque em Cutelinho, denominado NHAFRÓZA, entre várias pessoas. Havia chegado acompanhado de um amigo e colega, o KABRAL de Marçal da Costa. E pela madrugada, já de terça-feira, dia 24, DECO pediu ao Olavo Martins que lhe desse uma boleia para a casa, o que não se consumou. DECO e KABRAL se despediram daí do NHAFRÓZA, sob inúmeros olhares de pessoas de suas tainas, depois das 3:00h da manhã, sendo DECO com destino à sua derradeira jornada.

Dia 25 de Outubro, quarta-feira, por volta das 9:00h foi encontrado um cadáver na lixeira de uma ribanceira, atrás da casa dos pais do DECO, onde este residia. Quase todos os dentes na boca estavam arrancados; a língua amputada; os olhos furados; um pé cortado; os testículos esmagados; o corpo todo vergastado; a cara pintada de preto e toda ela queimada.

Porém, mal soou o alarme do aparecimento do cadáver, um jovem de nome «KULAU», o principal suspeito, posicionou-se sobre um penhasco, quiçá, estrategicamente selecionado, e pôs-se a dizer de uma maneira notoriamente esquizofrénica:

– É o corpo daquele NIGERIANO que vem da Praia vender aqui em Santiago. O corpo está podre e a cheirar-se mal.

Sendo certo, quem se interessaria ir levar com o cheiro podre de um PRETO MANDJAKU, lá da NIGÉRIA? Nem a Médica Legista se atreveria em abrir um MANDJAKU malcheiroso, ou a Procuradoria da Comarca de Santa Cruz e seus acólitos da Polícia Judiciária teriam o desplante de ir assistir a autópsia de um PRETO INDIGENTE.

Ao constatar-se que o já não era do falso PRETO NIGERIANO, mas, do infeliz Edmilson Tavares, eis que um trio formado pela Médica Legista, Polícia Judiciária e Procuradoria da Comarca de Santa Cruz se apressou e engendrou um putativo relatório da autópsia, corroborado no COMUNICADO da Polícia Judiciária que aqui em baixo vai republicado:

«Em comunicado a Policia Judiciária  diz que está convencida  que a morte do guarda-noturno Edmilson Tavares  cujo corpo foi encontrado numa ribanceira na localidade de Achada Fátima, em Santa Cruz, teve morte por acidente, provocado por queda do terraço da sua própria residência, no dia 25 de Outubro. A convicção da PJ está baseada no exame pericial que revelou “a causa da morte foi queda acidental, que gerou um Politrauma e amputação traumática do membro inferior.” Quando foi encontrado   cadáver encontrava-se em avançado estado de decomposição e sem identificação“. O mesmo estava em estado de liquidificação, com protusão da língua e ocular, e de uma forma geral, aumento da volumagem do tecido do corpo. O exame médico constatou, ainda, fletenas (ampolas com conteúdo fétido de coloração escura), característico de putrefação, edema de escroto e deformidade da face, constatações resultantes do exame de autópsia, devidamente documentado”.

Perante estes dados, a PJ enviará as conclusões desta investigação ao Ministério Publico para avaliação e decisão»

Posto isso, a jogada do KULAU e dos comparsas vingou. O corpo do suposto NIGERIANO foi recolhido para a morgue e nenhuma investigação foi levada a sério, para que, sendo na verdade NIGERIANO, apurar-se as circunstâncias que o levaram a cair de uma altitude que só poderia ser do terraço da casa dos pais do DECO ou dos vizinhos. Pois, foi encontrado num lugar de difícil acesso, pelo que, seria de todo, cordial uma investigação coerente e justa.

De mais a mais, uma senhora de nome MAFALDA relatou aos familiares do malogrado, que na fatídica madrugada de 24 de Outubro de 2017, por volta 4 ou 5 horas da madrugada, uma rapariga, salvo erro, filha ou familiar do KULAU, bateu-lhe à porta, bastante transtornada, pedindo-lhe que a deixasse entrar, que estava com diarreia. Que entretanto, a moça mandou-a fechar a porta, subiu à cama, tapou-se toda e ficou a tremer. E lhe teria dito que um senhor a perguntara se havia visto ninguém prostrado no beco que separa a casa onde mora o KULAU e da onde mora a MAFALDA.

A MAFALDA disse que, de manhãzinha, ela foi à casa do KULAU, encontrou uma poça de sangue debaixo da cama, não obstante terem lavado a casa toda a madrugada com água, petróleo e creolina. Tudo isso foi imediatamente comunicado à Polícia Judiciária, à Procuradoria da Comarca de Santa Cruz e ao então Procuradoria-geral da República, o Dr. Óscar Tavares.

Só no dia 28 de Outubro é que se soube que afinal o corpo era do DECO e não do NIGERIANO. E até aí, nenhuma autoridade se tinha dignado a deslocar-se ao local para as investigações preliminares. E no dia 29, sem se importar que fosse um domingo, uma equipa da Polícia Judiciária deslocou-se ao local, para recolher vestígios e adulterar as provas. Segundo a mencionada MAFALDA, nesse dia, uma moça que frequentava a casa do KULAU em atos bacanais, terá exclamado:

– Já não vos tinha dito que iriam descobrir.

Duas semanas depois, aproximadamente, a casa do KULAU foi novamente lavada com água e cal. Os familiares chamaram a Polícia Nacional, recolheram essa água, filmaram as enxurradas e entregaram na Procuradoria de Santa Cruz e na Polícia Judiciária. Entretanto, 5 anos já volvidos, tudo ainda se encontra sob a Injustiça do Segredo.

Senhor Procurador da Comarca de Santa Cruz, os familiares de Edmilson Fernandes Tavares, estão lesados até ao âmago do seu ser, consternados e revoltados com a tórpida perplexidade que se vislumbra na sua (in)ação enquanto promotor de justiça, comprometido com a Constituição da República de Cabo Verde que lhe impõe cumprir e aplicar a lei. E vem por esta implorar, não diria o acelerar do processo, mas sim, o arranque do processo que jaz dormente há quase 5 anos nas empoeiradas prateleiras da instituição que vossa excelência ministra.

Ora, inobstante reiteradas e profícuas diligências da parte dos familiares, colaborando e corroborando, com provas inquestionáveis e irrefutáveis, entretanto, tudo parece atolado e submerso no mais denso lamaçal de um secretismo deliberadamente conveniente, relegando para o último plano um Direito Fundamental, revelando um desprezo vil por um Bem Maior, que é a Vida, quando vossa excelência, por e simplesmente, desobedece e não faz justiça, contrariando todas as premissas plasmadas na nossa Constituição da República que reza ser merecedor de uma célere e boa justiça, qualquer cidadão.

E para terminar, o requerente quer desafiá-lo, com todas as consequências daí advenientes, a mandar exumar (desenterrar) o cadáver do seu irmão e, sob a supervisão de observadores e especialistas independentes e internacionais, nomeados pela ONU, Amnistia Internacional, CEDEAO e a União Europeia, já que o requerente é também cidadão europeu, para fazer a devida autópsia que, por ridículo que se pareça, NUNCA FOI FEITO.

Os familiares e amigos do EDMILSON tencionam sair à rua numa manifestação, caso não tiverem a resposta desta missiva no prazo de 30 dias.

Cidade da Praia, Cabo Verde, 28 de Fevereiro de 2022

O Signatário

Armindo Martins Tavares

— Ativista / irmão do malogrado —

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