...não podemos estar a produzir retóricas relacionadas com a imagem de um Estado de direito democrático, assim como de um país livre com a politização do 13 de Fevereiro de 1991, quando após 30 anos da institucionalização dessa data histórica, continuamos a deparar com esse sofrimento pela ausiência quase total de democracia. Lembro-vos que em 2016 não estava em crise, não havia ressentimento de crise do mau ano agrícula, a crise pandémica só aconteceu em finais de 2019. Isto é, esses efeitos nefastos só vieram a se reproduzir posterior ao triunfo do MPD nas eleições de legislativas e autarquicas e presidenciais de 2016.
Se Max Weber (ano-1920) estivesse vivo hoje, seria injustiçado com a sua tese salarial, de defesa de meritocracia, sobretudo a nível da Administração Pública (a favor dos funcionários qualificados), ou seja, estaria dececionado ou estupefato com o pecado mortal cometido pelo Estado ou nossos políticos, particularmente, em detrimento dos funcionários e agentes indefesos da administração pública. [Grifo Meu]
Depois de Cabo Verde ter vencido uma etapa importante de desenvolvimento, ao final do imperialismo português em África e o consequente alcanse do estatuto de um país soberano, independente e democrático, conseguido nos meados dos anos 70 (e, mais concretamente, em 5 de Julho de 1975), os desafios de desenvolvimento ainda persistem como é óbvio. Isto, obviamente, graças ao sangue e suor dos bastidores da independência nacional, que os nossos irmãos assumiram, então, a liderança política deste Estado, apesar dos parcos recursos então existentes, tendo-o, felizmente, conseguido levar a um bom porto. O país soube, através de seus quadros e/ou dirigentes de setores públicos, aproveitar dos fracos recursos, fazendo, assim, acreditar ao mundo que era possível fazer (transformar) de um país inviável encontrado nessa época, um país viável mesmo cobiçado, mormente no seio dos países do terceiro mundo. Mas, infelizmente depois de quase meio século de liberdade, continuamos a testemunhar casos de violação de direitos humanos, ocorridos contra as determinações ou ditames constitucionais. Porque afinal, a todo o ser humano, é reservado o direito a uma boa qualidade de vida que, como sabemos, torna-se impossível, sem o acesso a um salário digno e generalizado.
Com a revelação destas linhas reflexivas, pretendemos, particularmente, desabafar sobre um aspeto muito sensível e, deveras, dececionante, verificado a nível da administração pública nacional, estando relacionado com o que podemos apelidar de injustiça social (a natureza temática obriga a construção dessa retórica na 1ª pessoa do plural). Infelizmente, passados 46 anos de independência, ainda observamos certos episódios anormais, sendo caraterísticos de violação de direitos humanos que, na verdade não abonam a ninguém, acabando, muita das vezes, por espalhar caus social, motivada por proliferações de mágoas e sofrimentos, mormente no seio de vítimas dessa injustiça salarial, para sermos mais concretos. São uma série de coisas que temos observado, mexendo muitas vezes com o nosso ADN, pela reprodução de angústias, euforia nas pessoas, como referido, atrás, noutras expressões, traduzindo em consequências nefastas, não só para a sociedade em si, mas também com relação ao próprio entorno (ambiente) económico.
Já, evocando sobre esses aspetos sensíveis de funcionamento do aparelho estatal, podemos admitir que não são apenas essas pessoas vítimas desse atropelo ou injustiça salarial, ocorrida a nível de setores públicos e privados, que sofrem, mas também, mais cedo ou mais tarde, o próprio Estado no seu todo. Perguntemos porquê? É evidente que em determinado momento, o Estado pode-se ver na obrigação de garantir assistência social às vítmas, despendendo de recursos que poderiam ser liberados para outros fins, nomeadamente para o fortalecimento da sua economia, por via do desenvolvimento de estratégias que servissem para o seu crescimento e desenvolvimento económico, ie, em uma palavra, para a conquista e/ou reafirmação do seu status quo, inclusive na arena política internacional (prometo, no próximo número, entrar em detalhes sobre os termos desse assunto, numa eventual oportunidade de abordagem).
Pois, estamos a falar sobre casos de despedimentos, sobretudo de agentes afetos à administração pública, assim como de ameaça e redução de salários, ensaiadas e verificadas, a nível de determinadas instituições públicas; na recusa ou oposição em termos de pagamento de subsídios de reintegração, com particular destaque para as autarquias locais. Trata-se, irmãos, de questões que, apesar de algum efeito mediático, ainda não tiveram, depois de mais de 4 anos, quase que nenhuma atenção, nem por parte de instituições específicas do Estado, nomeadamente Tribunais, Provedoria de Justiça, assim como a Presidência da República e Parlamento e, nem dos partidos de oposição, ou seja, do PAICV e outro partido com assento parlamentar, nomeadamente a UCID, como estranhamente observamos.
Essa inação dessas entidades, por nós verificada, traduz a ideia da falta de vontade política nacional, com relação a uma questão muito sensível, sobretudo do ponto de vista social e económico, o que podemos afirmar estarmos perante uma atitude flagrante, refletindo, mesmo, no desmérito sobretudo no seio da classe política nacional (deputados da nação) em que as oposições democráticas são as mais culpadas, considerando seus papeis enquanto representantes do povo. Quem o diz, são as próprias vítimas do sistema, i.e, os funcionários que admitem continuarem-se sentindo indefesos, face ao atropelo do sistema político nacional e, mais concretamente, de determinados poderes instalados a nível periférico, como as autarquias locais, bem como instituições afetos ao poder central, como no caso de certos (s) Ministério (s), particularmente.
Daí, entendemos ser muito relevante precisar que, já que o governo e o parlamento se figuram ou se mostram, praticamente disfuncionais, em torno da tomada de tais decisões, podendo ser úteis, do ponto de vista económico, a indignação toma, obviamente, conta desses vítimas que, apesar de tudo, continuam aspirando e clamando pela justiça. E, para a vossa atenção, com relação a essas colocações, abrimos um parêntese, reiterando que, uma vez não se tratando de considerações, voltadas para ataque às pessoas e instituições do Estado, pela minha postura ética, particularmente, seria, deste modo, inoportuno as ver como objeto de politização. Até porque estamos a propor soluções para a saída de um problema, sendo responsável ou caraterístico da viralização do sistema político nacional, com entrave ao sã funcionamento de instituições e, com impacto negativo em matéria de crescimento e desenvolvimento da economia nacional, por razões já evocadas.
Podemos concluir que, em certas situações, esses problemas ocorrem-se por questão de imaturidade política e mesmo, de abuso de poder, ao percebermos que a tendência é excluir ou punir os pertencentes às ideologias opostas, como ficou claro, por exemplo, em S. Filipe do Fogo em 2016, quando a edilidade recusou pagar subsídios de reintegração aos titulares de estatutos especiais, violando assim os direitos adquiridos. Claro que quem fala dessa câmara municipal, fala igualmente da de São Salvador do Mundo, São Lourenço dos Órgãos, etc, embora o penúltimo tenha, pelo menos recuado a posteriori, no tocante à ameaça da redução de salários dos funcionários, o que não aconteceu com relação à edilidade lourentina. Veja que por muito estranho que se nos afigure, com a derrota nas eleições autárquicas de Novembro de 2020, o édil Sãofilipense desatou logo a pagar indeminizações ou subsídios de reintegração à sua equipa, esquecendo, se calhar do que terá feito 4 anos atrás, ao assumir a liderança desse município. Isto, apenas em alusão às práticas menos positivas que ainda se ecoam em solo nacional, se calhar como sublinhado, em decorrência de uma mera vingança política. Porém, para apagarmos da nossa mente coisas menos desejáveis, em prol de uma construção ou programação mental positiva, voltada para o projeção da ideia dum eventual progresso nacional, aliado a o bem-estar social e económico, convenhamos, irmãos, retomar ou, melhor dizendo, reproduzir a tese weberiana de meritocracia, do ponto de vista do funcionamento do aparelho burocrático, segundo a qual, os indivíduos (funcionários) devem merecer um salário digno, em conformidade com o seu perfil, i.e, com a sua qualificação profissional (Weber, 2002[1922]), contrariando desta forma, as más práticas ainda hoje registadas, mormente a nível da administração pública cabo-verdiana. Infelizmente, em Cabo Verde existe, genericamente, quase um vazio em termos de motivação salarial, mormente dos quadros vinculados em torno de determinados setores públicos, exceção feita aos de institutos públicos, onde existe um melhor quadro remuneratório, o que é excelente, merecendo, deste modo, o nosso aplauso, o nosso reconhecimento, não significando, porém, que não hajam instalados desafios ou aspirações de melhoria. Para dizer que, nós congratulamos com essa iniciativa salarial, instalada ali e a nível de diferentes instituições financeiras, assim como das empresas de telecomunicações, defendendo, também, um justo rendimento para todos. Afinal, todos somos cabo-verdianos. Por isso, apelamos a uma mais urgente possível intervenção por parte do Estado, no sentido de garantia de uma justiça salarial (praticamente inexistente), por via de defesa ou institucionalização de um decente e justo salário, não só a nível de setores púbicos, como também de privados. Pois, como é evidente, é fundamental que haja neste país tão ambicioso em termos de desenvolvimento, mais diálogo e ação, em termos de defesa de igualdade de oportunidades, bem como de um maior equilíbrio e justiça social, mediante a determinação de um vencimento justo, a nível de todo quadro sistemético (ou seja, para todos os seus cidadãos), num quadro de motivação, como dito supra, sobretudo daqueles que mais se esforçam em matéria de (re)qualificação profissional, lembrando a teoria weberiana de pouco mais de século – isso sem deixar de defender os interesses de analfabetos ou dos menos iletrados, porque também merecem enquanto cidadãos destas ilhas.
Essas considerações enquadram-se numa proposta de análise do atual estado de coisas, devendo passar pela reflexão face à tomada de decisões que se impõem, em prol da garantia de uma melhor estabilidade socioeconómica. A final, não podemos estar a produzir retóricas (ou seja, discursos) relacionadas com a imagem de um Estado de direito democrático, assim como de um país livre, com a politização do 13 de fevereiro de 1991, quando após 30 anos de institucionalização dessa data histórica, continuamos a deparar com casos de violação de direitos adquiridos, assim como de estagnação salarial, em detrimento de um digno funcionamento do aparelho democrático-estatal. Mudemos esse estado de coisas, mediante o estabelecimento de um compromisso sério, em torno dos objetivos para 2030, tendo a ver com a ambição de um salto qualitativo, face ao desenvolvimento desta pequena, mas grande nação!
São Lourenço dos Órgãos, 12 de Agosto de 2021
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