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Amadeu Oliveira já padeceu mais de 1100 dias da sua vida na cadeia de Ribeirinha em S.Vicente, do total dos mais de 4500 dias em que foi condenado pelo Tribunal da Relação de Barlavento, confirmado pelo Supremo Tribunal e ratificado pelo Tribunal Constitucional. Todos eles sem qualquer hesitação.

Ele foi julgado pela Relação de Barlavento, e o único crime em que foi encontrado é o “crime” de ter sido eleito deputado na Legislatura que ainda decorre. Bem, também foi acusado e condenado, se não expressamente, pelo menos tacitamente, pelo imperdoável crime de ser desbocado num país que se quer cada vez mais de mansinhos cabritinhos.

Porém, só ser desbocado não deveria merecer condenação tão severa. E muito menos ser deputado.

Tenho estado a comparar o processo movido em Portugal contra a angolana Cláudia Simões, com o processo movido em Cabo Verde contra o cabo-verdiano Amadeu Oliveira. É que são ambos infames!

O julgamento e a condenação de Cláudia como foi sendo relatado em alguns jornais, até à ultrajante sentença final, pode ter uma justificação: Cláudia é estrangeira em Portugal! Dizem de ela ser luso-angolana, porém continua sendo uma estrangeira. É preta, portanto “macaca filha da puta”, como a terá insultado o polícia Carlos Canas, para quem ela não passa de lixo, uma merda. (Disse uma testemunha que o polícia que a prendeu, o tal Carlos Canas, cheirava a álcool. É verosímil!)

Mas Amadeu não é estrangeiro em Cabo Verde! Ele pode ser “um homem estranho” neste país em que toda a gente diz Sim Senhor! (Onésimo Silveira dixit), e onde ele insiste em ter voz própria. Porém, Amadeu é nacional cabo-verdiano! Pertence a este país! E mais: é aceite pelos seus, ainda que os seus tenham medo de o dizer publicamente.

Amadeu foi julgado em Cabo Verde, por magistrados que, antes de tudo o mais, são homens cabo-verdianos! E, no entanto, tanto ele como ela sofrem a iniquidade de alguns juízes que se julgam deuses. Cláudia foi condenada por ter mordido o braço do polícia Carlos Canha que a sufocava com um golpe na garganta que, pela sua extrema brutalidade e violência, é chamado de “mata-leão”. Amadeu não sofreu tortura física, apenas violência de atos, apresentados como sendo em respeito  da lei.

Quem acompanhou o julgamento de Cláudia Simões, mesmo sendo leigo em direito, poderia perfeitamente ter apostado em como ela necessariamente iria ser condenada. É que desde a primeira hora, ficou evidente a antipatia da juíza presidente, Catarina Pires, para com ela e consequente desvirtuamento de todas as suas palavras e ações. A juíza Catarina humilhou a Cláudia de forma atroz e desumana, e até permitiu-se dizer-lhe que ela é uma arrogante que apenas queria encher-se de dinheiro à custa do polícia Carlos Canha. Coitada da Cláudia, deve ter acreditado que no tribunal seria tratada como igual, quando, jádo antecedente,o Carlos Canha lhe tinha dito que ela é apenas lixo e mostrado quem detém o poder de mandar. Bem que se diz que pedra não joga com garrafa.

Ora, o Amadeu Oliveira cometeu erro igual. Estava ansioso por se apresentar ao Tribunal e contar a sua versão dos factos, e não suspeitou que o juiz Simão Santos não estava lá para o ouvir, mas sim para o prender. E assim ele fez. Contra tudo que as leis dispõem relativamente ao estatuto dos deputados. Aliás, é bem curioso que no caso do Amadeu Oliveira, o estatuto de deputado não serviu para não ser encarcerado, mas justificou plenamente a sua condenação a sete anos de cadeia por atentado ao estado de direito, crime privativo de certos órgãos do poder.

Cláudia Simões teve na juíza Catarina Pires uma versão um tantinho melhorada do polícia Carlos Canha. Ela não lhe bateu com as mãos, apenas lhe aplicou o golpe “mata-leão” num solene desprezo através de palavras desrespeitosas e insultuosas e gestos humilhantes. Achou-a desobediente e indisciplinada.

Amadeu Oliveira não teve melhor sorte com a juíza Circe Açucena. Ele não mostra nenhum sinal de arrependimento, diz a juíza no acórdão.

No entanto, os processos de Cláudia e Amadeu distinguem pelo método utilizado. Cláudia foi brutalmente agredida e presa por um polícia, o Carlos Canha, que dizem cheirava a álcool. Amadeu foi cordialmente tratado por um juiz, o Simão Santos, foi ouvido pachorrentamente durante horas e horas e depois, com a mesma tranquilidade, foi mandado fechar na cadeia. Sem o juiz se preocupar com a exigência legal de ele, enquanto deputado, primeiro dever ser pronunciado por um qualquer crime e ter que ter a imunidade parlamentar levantada. E dado que o juiz Simão Santos forçosamente não podia ignorar essas exigências legais, dolosamente cometeu um crime chamado de prevaricação. Continua impune!

Cláudia Simões e muitos que a apoiam, jornalistas, advogados, escritores, ativistas sociais, têm vindo a denunciar, quer o polícia Carlos Canha, quer a juíza Catarina Pires, ele pela violência inenarrável e gratuita que praticou sobre a preta, ela pela sentença com que não hesitou em sujar o seu nome, e que vai certamente acompanhá-la e envergonhá-la pela vida fora.

O Amadeu Oliveira não tem essa sorte. Ele não teve, nem tem, nem jornalistas, nem advogados, nem escritores, nem ativistas sociais a apoia-lo, a denunciar esse abuso de autoridade de que é vítima. Está abandonado nas mãos dos detentores do poder que se vão deliciando nas perversões enquanto batem as mãos no peito pela nossa democracia e pela nossa boa governança.

A prisão do Amadeu Oliveira é tão gritantemente abusiva que estivéssemos nós numa terra onde houvesse uma sociedade civil ou pelo menos uma opinião pública com jornalistas sem laços comestíveis, diariamente teríamos clamores sociais a berrar contra essa condenação repugnante. Mas infelizmente não temos, nem acredito que venhamos a ter nos próximos muitos anos.

De modo que a Cláudia pode ainda viver uma esperança de os tribunais superiores corrigirem a vergonha da sua condenação.

Amadeu Oliveira não, ele esgotou já todas as esperanças de correção. Todos os tribunais persistiram na mesma vergonha da sua condenação, tendo o Tribunal Constitucional tido o opróbrio de inventar uma interpretação da Constituição exclusivamente destinada a confirmar a sua condenação.

 Bem, ainda bem que “há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não”, lembra-nos o poeta Manuel Alegre. Sobretudo porque “os magistrados não são ungidos pelo poder divino”, como há dias alertou o ex-procurador-geral português Cunha Rodrigues.

Assim, o que está a faltar na sociedade é um qualquer milagre capaz de convencer os magistrados da verdade inquestionável de não serem ungidos pelo poder divino.

 

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Comentários

  • mrvadaz vaz, 26 de Jul de 2024

    Eu chamo a este texto de oportunismo sacana e extrapolação exagerada. Não se deve misturar e comparar água com o azeite. O crime que o Amadeu cometeu não é por ele ser deputado é desbocado, é por ele orquestrar e facilitar a fuga de um criminoso. Também por ser desbocado em confessar o crime em pleno Parlamento, votando o levantamento da própria imunidade. O Germano que se dedique a escrever livros porque como o advogado do Amadeu em jornais, não vai a lado nenhum.